Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, vem a público externar sua preocupação diante das informações publicadas na imprensa sobre a recente situação de contato com grupo de indígenas isolados que vivem no alto curso do rio Humaitá, no estado do Acre.

Se confirmada essa situação de contato, o grupo indígena em questão faz parte do povo isolado do Alto Rio Humaitá, como é denominado pela Funai, e consiste em uma população que se distribui em diversos grupos locais que habitam diferentes afluentes do alto curso do rio Juruá, como o rio Envira e o rio Humaitá. Localizam-se nas Terras Indígenas Kaxinawá do Rio Humaitá, Kulina do Rio Envira, Kampa e Isolados do Rio Envira e Alto Tarauacá, nas adjacências da fronteira com o Peru. Tais grupos vivem em malocas próximas e, provavelmente, mantém relações entre si. A situação do contato pode tê-los colocado em grave risco de morte diante do atual cenário epidemiológico.

No Plano de Barreiras Sanitárias para Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, elaborado pela Funai, e apresentado pela União ao Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 709, afirmou-se que a Base de Proteção Etnoambiental (BAPE) Xinane e a Unidade de Quarentena do Seringal Liberdade seriam suficientes para dar conta das ações necessárias à instalação de um cordão sanitário no alto rio Envira e, também, das ações necessárias diante de uma situação de contato.

No entanto, nesse mesmo contexto judicial, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem alertando, desde o mês de julho, que as BAPE’s, embora extremamente importantes, não podem ser consideradas barreiras sanitárias no contexto da atual pandemia. Para isso é necessária a adoção de protocolos específicos. Foi alertado, ainda, para a necessidade de, em observância ao princípio da precaução, a FUNAI elaborar, imediatamente, um Plano de Contingência específico para situações de contato com este povo indígena isolado. Em recente reunião com o governo federal, Sônia Guajarara foi categórica ao alertar que nessa época de estiagem os índios isolados percorrem maiores áreas e se aproximam das aldeias do entorno. Também o Opi, pelo menos desde abril, vem alertando para esta necessidade, normatizada na Portaria Conjunta 4.094/18.

Deve-se ressaltar que o alto curso do rio Envira, onde vivem os povos Madiha e Ashaninka, é uma área com histórico de atendimento precário de saúde pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Juruá da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). Ao analisar o Plano de Barreiras entregue pelo Governo, a APIB alertou que a Frente de Proteção Etnoambiental Envira (FPE Envira) atua no extremo de suas possibilidades de recursos humanos e orçamentários para manter e executar suas atividades nas BAPE´s do Xinane e do D´ouro, não conseguindo atender toda a área que está sob sua atribuição. Apesar disso, registre-se o reconhecimento dos esforços empreendidos pelos servidores públicos, colaboradores e indígenas que atuam tanto na FPE Envira quanto no DSEI Alto Juruá. A situação de contato é mais uma razão para que sejam efetivados reforços de pessoal e financeiro para que estas equipes possam atuar de forma eficiente no cumprimento de suas atribuições.

Para realizar o trabalho no mosaico de terras indígenas do alto Envira, na Barreira Sanitária e na proteção do povo indígena isolado em questão, a APIB propõe que o local mais estratégico para a atuação das equipes da Funai e da Sesai, seja na boca do igarapé Jaminaua, nas proximidades da aldeia Alto Bonito (do povo Ashaninka). A partir desta localidade é possível controlar o fluxo de pessoas e realizar o monitoramento da saúde das pessoas que lá vivem. É uma proposta importante para evitar a disseminação do novo coronavírus e de outras enfermidades nas comunidades ribeirinhas de Santa Maria da Liberdade e Sumaúma, e nas aldeias Ashaninka e Madiha. Em toda essa região sempre houve relatos da presença de índios isolados (saques e avistamentos).

Após a qualificação das informações em campo, confirmando-se o contato entre o povo isolado do Alto Rio Humaitá com os Madiha, e constatado suas consequências, a proposta de Barreira Sanitária acima muda de estágio, passando a um formato de execução imediata de Plano de Contingência para Situação de Contato e Surtos Epidêmicos, também prevista na Portaria 4.094/18. Considerando que o contato se deu há mais de sete dias, tempo suficiente de propagação de doenças virais, e que para estes povos isolados o contágio pode ser fatal, a ação estruturada e planejada do Estado e parceiros indígenas se faz urgente e fundamental.

Diante do atual cenário aqui descrito, apontamos medidas que, se não tomadas em caráter de urgência, podem resultar na mortandade generalizada deste grupo contatado:

  • Elaboração e acionamento imediato do Plano de Contingência para Situação de Contato e Surtos Epidêmicos do Alto Rio Envira e Rio Humaitá, entre Funai, SESAI e indígenas, conforme preconiza a Portaria Conjunta 4.094/2018.
  • Aporte de recursos humanos, com experiência em situação de contato, tanto indigenistas como profissionais de saúde, para compor a Equipe de Referência Local (Portaria 4.094/2018) da FPE Envira e DSEI Alto Juruá;
  • Deslocamento imediato de equipe da Funai, com intérpretes que falem as línguas das famílias Pano e Arawa, para qualificação das informações nas aldeias Madiha, sobretudo a aldeias Terra Nova e Maronal, e possíveis expedições de monitoramento da ocupação e integridade física dos indígenas isolados. Essa equipe deve realizar testagem para Covid-19, preferencialmente com teste rápido antígeno ou RT- PCR, e não apresentar qualquer sintoma de doença respiratória. Ela deve utilizar Equipamentos de Proteção Individual e fornecer máscaras para os informantes, realizar as conversas em locais abertos, não manter contato próximo e não compartilhar objetos ou alimentação. O não respeito aos protocolos de quarentena são justificados por se tratar de situação de emergência.
  • Deslocamento imediato de equipe de saúde do DSEI Alto Juruá e para as aldeias Madiha, para realização de testagem para Covid-19 e atendimento de saúde. É importante que essa equipe observe distância segura dos demais (mais de 2 metros) enquanto não estiver em atendimento. Os atendimentos devem ocorrer em locais abertos e com uso obrigatório de EPIs. Essa equipe deve realizar testagem para Covid-19, preferencialmente com teste rápido antígeno ou RT-PCR, e não apresentar qualquer sintoma de doença respiratória. O não respeito aos protocolos de quarentena são justificados por se tratar de situação de emergência.
  • Deslocamento de equipe de saúde do DSEI Alto Juruá, que tenha experiência em situações de contato, para acampamento de acesso restrito, próximo ao local do contato, para que já se inicie seu protocolo de quarentena. Essa equipe deve realizar testagem para Covid-19, preferencialmente com teste rápido antígeno ou RT- PCR (no primeiro e quinto dia de isolamento) e não apresentar qualquer sintoma de doença respiratória. Esta equipe pode aguardar, em quarentena, a necessidade de intervenção de saúde e só rompendo-a caso esteja em curso o evento de contato.
  • Instalação de equipamentos de radiofonia nas aldeias Madiha e Ashaninka, no alto rio Envira, e nas aldeias Huni Kuin (Kaxinawa) da TI Kaxinawá do Rio Humaitá.
  • Implementação imediata do Plano de Barreiras Sanitárias para Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato na Terra Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá, de onde poderá ser monitorada a questão de saúde das aldeias Huni Kuin bem como a presença dos índios isolados nessa região.
  • Realização de sobrevoo de monitoramento nas malocas do Povo Isolado do Alto Rio Humaitá para análise de possíveis alterações nas formas de ocupação do território (sobretudo roçados e habitações) em virtude de possível contágio por doenças.
  • Aquisição e análise de imagens de satélite de alta resolução da região das malocas do Povo Isolado do Alto Rio Humaitá para avaliação de possíveis alterações na forma de ocupação do território.
  • Realização de nova reunião da Sala de Situação Central, prevista na Portaria Conjunta 4094/2018 e ratificada pelo STF, para discutir o tema.

Foto em destaque: Gleilson Miranda/Governo do Acre/Funai, 2009.