Em relação ao MARCO TEMPORAL, ele  é uma máquina de moer história…

ele acaba com a história, muda toda a história. 

Porque de 5 de outubro de 88 pra trás não há mais história,

e sim a partir daquele dia, ele inverte a lógica também:

quem não estava passa a estar, e quem estava passa a ser invasor. 

Parece que quem chegou nas caravelas foram os indígenas.

REPOSICIONA as pessoas 

coloca o colonizador como dono da terra e o indígena como invasor.

 O MARCO TEMPORAL nega a presença do indígena neste território 

e negando a presença do indígena ele nega a contribuição.

O MARCO TEMPORAL nega as práticas que a gente teve de sobrevivência, nega a nossa ciência, nega o canto, a pintura, a culinária. 

Nega que esses milênios todos os povos indígenas estiveram presentes e cuidando da biodiversidade

então ele nega a contribuição do indígena para o planeta e

nega a contribuição do indígena na história nesse então chamado país:

Vera cruz, Santa Cruz, Brasil

que na verdade poderia ser PINDORAMA

Além de nocivo, o MARCO TEMPORAL tira a gente da história,

reposiciona a gente na história, transforma o bandido em mocinho e transforma o originário em um ser perverso que ocupou e invadiu a terra de outras pessoas. 

O marco temporal é isso, ele é temporal mesmo, essa máquina volta no tempo, reverte o tempo, troca as pessoas de tempo, coloca as pessoas em tempo diferente, apaga a memória e muda a história.

Os povos indígenas vivem sob a lei dos não indígenas,
mas todos vivem sobre nossas Terras

Histórico dos principais marcos legais sobre direitos indígenas

Fonte: Projeto “Diagnóstico Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais no Brasil: contribuições para a biodiversidade, ameaças e políticas públicas”

1600 - 1700

1680 | O alvará de 1º de abril declarou: “Os gentios… são senhores de suas fazendas [nos aldeamentos] como o são no sertão, sem lhes poderem ser tomadas… nem serão obrigados a pagar foro ou tributo algum das ditas terras [de aldeamentos], ainda que estejam dadas em sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito dos índios, primários e naturais senhores delas […]”. O alvará será citado e renovado em 1755 e 1758.

1686 | O Regimento das Missões, decretado por Pedro II, Rei de Portugal, garantiu aos indígenas o direito de se recusar a sair de suas terras. Aldeamentos para “civilização dos índios”, nesse contexto, foram feitos dentro das terras originais dos índios.

1700 - 1800

1755 | A lei pombalina sobre os indígenas determinou que “[os índios têm] inteiro domínio e pacífica posse das terras […] para gozarem delas per si e todos os seus herdeiros”.

1758 | O Diretório Pombalino do Maranhão e Grão-Pará estabeleceu que o direito dos índios nas povoações elevadas a vilas prevalece sobre o de outros moradores, os índios “são os primários e naturais senhores das mesmas terras”.

1800 - 1900

1822 | Em 17 de julho, o regime de sesmaria no Brasil foi extinto.

1833 | Cumulativamente com o governo imperial, as províncias passaram a legislar sobre os indígenas, o que deu início a um longo período de esbulho (retirada forçada) de terras originais.

1850 | A Lei das Terras n.601 determinou que as terras indígenas não são devolutas nem precisam de legitimação. Escreve João Mendes Jr.: “As terras possuídas por hordas selvagens estáveis não são consideradas devolutas… [são] originariamente reservadas de devolução nos expressos termos do Alvará de 1 de Abril de 1680, que as reserva até na concessão de sesmarias; não há (neste caso) posse a legitimar, há domínio a reconhecer…”. A mesma Lei das Terras recomenda que se reservem terras para aldeamentos com o propósito da “civilização dos índios”.

1854 | O decreto 1.318 de 30 de janeiro regulamentou a Lei de Terras aprovada em 1850. O texto define, em seus artigos 72 e 75, que os indígenas têm escolha de não sair de suas terras, sendo os aldeamentos instalados em seus territórios originais. As terras dos aldeamentos instalados fora dos territórios tradicionais foram garantidas e consideradas inalienáveis, destinadas à posse exclusiva dos indígenas, que receberiam títulos de propriedade quando “assim o permitir seu estado de civilização”.

1855 | Legislação garante que indígenas que habitam aldeamentos extintos passam a ser proprietários de suas posses. A medida foi reiterada pelo menos em 1857 e 1870.

1887 | Os aldeamentos extintos passam às Províncias.

1889 | No início da República, os Estados poderão legislar e deverão promover a catequese e civilização dos indígenas.

1900 - 2000

1906 | A lei n. 1.606 de 2 de dezembro definiu que só a União é responsável pela política indigenista. A área ficou na alçada do recém criado Ministério da Agricultura.

1908 | Pela primeira vez, o Brasil foi acusado internacionalmente de genocídio pelas chacinas de indígenas, por ocasião da ocupação de colonos alemães na região Sul.

1910 | O decreto 8.072, aprovado no governo Nilo Peçanha, criou o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, em 1918 renomeado Serviço de Proteção aos Índios, e prescreve em seu artigo 2, parágrafo 12: “[deve-se] promover, sempre que for possível, […] a restituição dos terrenos que tenham sido usurpados [aos índios]”. O SPI passaria em 1930 do Ministério da Agricultura para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, iria em 1934 para o Ministério da Guerra e voltaria para a pasta da Agricultura em 1939. Ali ficaria até sua extinção, em 1967.

1934 | A Constituição Federal determinou, no artigo 129, que “será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”.

1936 | O decreto 736 define no artigo 3 que o Serviço de Proteção aos Índios é incumbido de “impedir que as terras habitadas pelos silvícolas sejam tratadas como se devolutas fossem, demarcando-as, fazendo respeitar, garantir, reconhecer e legalizar a posse dos índios”.

1937 | A nova Constituição no artigo 154 não diferiu substancialmente do documento de 1934 no tema indígena.

1946 | A Constituição recém aprovada definiu que a União legisla sobre “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional”. Seu conteúdo é também semelhante ao da carta de 1934.

1967 | Início do governo militar Artur da Costa e Silva
A Constituição recém aprovada definiu que a União legisla sobre a “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” (artigo 8) e que as terras ocupadas por eles são patrimônio da União (artigo 14). O domínio ou propriedade das terras indígenas passou a ser do Estado, enquanto a posse e usufruto exclusivos continuaram a ser dos indígenas. A lei n. 5.371 extinguiu o Serviço de Proteção aos Índios após um escândalo de corrupção e de crimes contra indígenas revelados pelo chamado Relatório Figueiredo e criou a Funai (Fundação Nacional do Índio) na alçada do Ministério do Interior. A pasta é a mesma que liderou a ocupação da Amazônia a partir de 1970, quando muitos povos indígenas foram forçosamente contatados e desalojados de seus territórios.

1969 | Início do governo militar Emílio Garrastazu Médici
A emenda constitucional 1, artigos 4 e 8 reiteram 1967. Definiu que: “as terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis” e reconheceu-lhes o direito ao usufruto exclusivo de suas riquezas naturais. O artigo 198 determinou também a nulidade e extinção de efeitos jurídicos que tivessem “por objeto o domínio, a posse ou a ocupação” das terras indígenas, sem direito a indenização para os ocupantes.

1973 | O Estatuto do Índio (lei n. 6.001) estabeleceu as regras para demarcação de terras indígenas, determinando que deveriam ser administrativamente demarcadas até 1978.

1974 | Início do governo militar Ernesto Geisel

1976 | O decreto n. 76.999 determinou que os encaminhamentos de demarcação ficassem nas mãos do Poder Executivo, levando a arbítrios.

1979 | Início do governo militar João Figueiredo

1983 | O decreto n. 88.118 definiu que a delimitação de terras indígenas é responsabilidade da Funai e o decreto homologatório é emitido pelo presidente da República.

1985 | Início do governo civil José Sarney

1987 | O decreto n. 94.945 criou procedimentos especiais para as terras indígenas situadas na faixa de fronteira.

1988 | A Constituição Federal, em vigor até hoje, no capítulo VIII- Dos Índios, artigo 231, reconheceu aos indígenas seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As terras indígenas, segundo o texto, são aquelas habitadas em caráter permanente, utilizadas para atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar de seus ocupantes e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Indígenas têm a posse e usufruto exclusivo dessas terras, que são inalienáveis, e não podem ser removidos dali senão em casos de riscos excepcionais — devendo retornar assim que cesse o risco, de acordo com o texto. Nas disposições transitórias, consta que a União deveria concluir a demarcação de todas as terras indígenas até 1993.

1989 | Publicada a Convenção n. 169 sobre os Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho. Hoje, essa é a principal convenção internacional que diz respeito aos povos indígenas. O texto diz que povos indígenas devem ser consultados em iniciativas e projetos que dizem respeito a suas terras.

1990 | Início do governo Fernando Collor de Melo
A Funai passou para a alçada do Ministério da Justiça.

1991 | O decreto n. 22 alterou o decreto 94.945, de 1987, e adaptou o procedimento de demarcação de terras indígenas ao texto da Constituição Federal. Antes, as regras de demarcação não estabeleciam a consulta prévia ou o possível protagonismo do povo no processo, mantendo a iniciativa exclusivamente nos órgãos federais.

1992 | Início do governo Itamar Franco
A Convenção da Diversidade Biológica foi assinada no Rio de Janeiro. O texto realça conhecimentos tradicionais de povos indígenas e tradicionais e sua participação nos benefícios.

1995 | Início do governo Fernando Henrique Cardoso

1996 | O decreto n. 1.775 alterou o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas. A Funai tem o poder de demarcar terras indígenas; impossibilidade de autodemarcação, excessiva burocracia, reconceituação de terra indígena.

2000 - 2020

2003 | Início do governo Luís Inácio Lula da Silva

2007 | Foi aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que reconhece e afirma os direitos fundamentais universais desses povos, no âmbito de suas próprias culturas, tradições e instituições.

2011 | Início do governo Dilma Rousseff

2012 | O decreto n. 7.747 de 5 de junho de 2012 instituiu a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
A portaria n. 303 da Advocacia-Geral da União visou impedir que novas demarcações de terras indígenas fossem feitas e, especialmente, que fossem ampliadas áreas anteriormente mal demarcadas.

2016 | Início do governo Michel Temer
Foi aprovada a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas da Organização dos Estados Americanos.

2017 | O parecer n. 001 da Advocacia-Geral da União reestabeleceu a eficácia da portaria n. 303/AGU e vedou a ampliação das terras indígenas já demarcadas. Instituiu também o chamado marco temporal, segundo o qual indígenas que não estavam de posse de suas terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, perdem seus direitos sobre essas terras.

2018 | A nota técnica n. 2 da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal sobre o parecer da AGU de 2017 concluiu que há “manifesta nulidade do parecer normativo” e que o “governo brasileiro se utiliza de artifícios para sonegar os direitos dos índios aos seus territórios”.

2019 | Início do governo Jair Bolsonaro
A medida provisória 870, em 1º de janeiro, transferiu a competência de demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura. O Congresso determinou, depois, que as demarcações permanecessem no Ministério da Justiça.

2020 | O parecer n.1 da Advocacia-Geral da União que instituiu o “marco temporal” foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal por decisão do ministro Edson Fachin.
A instrução normativa n. 9 da Funai de 22 de abril de 2020 eximiu a União de suas responsabilidades para com terras indígenas ainda não homologadas e as excluiu do Sistema de Gestão Fundiária, órgão do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que passou a poder certificar propriedades privadas dentro dos limites de terras indígenas ainda não homologadas, estimulando invasões.

Julgamento histórico

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento do Recurso extraordinário nº 1.017.365 e que pode definir o FUTURO dos povos indígenas.

Em seu voto, o ministro relator Edson Fachin afirmou que “está em julgamento a tutela do direito à posse de terras pelas comunidades indígenas, substrato inafastável do reconhecimento ao próprio direito de existir dos povos indígenas.”

Em seu voto, o r. ministro trouxe, em sede de relevante contribuição, o contexto histórico das Constituições brasileiras acerca da temática, bem como do ordenamento jurídico como um todo. No que tange ao direito dos indígenas à posse e uso das terras que ocupam, o ministro Fachin fez ressalva a legislação que deu início a legitimação do instituto da posse indígena: ”foi infirmado pela Lei de Terras de nº 601/1850, e veio também assegurada pelo disposto do artigo 24, § 1º do Decreto nº 1318/1854, que regulamentou referida lei, pois entende que a posse é legitimada ao primeiro ocupante, e já se reconhecia o direito originário dos indígenas às terras em sua posse.”

Ainda, não foi acolhida por Fachin a tese do “marco temporal” de ocupação. Segundo essa teoria, somente indígenas que estivessem nas terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, teriam direito à demarcação de suas terras.

Proferiu o relator: “Entender-se que a Constituição solidificou a questão ao eleger um marco temporal objetivo para a atribuição do direito fundamental a grupo étnico significa fechar-lhes uma vez mais a porta para o exercício completo e digno de todos os direitos inerentes à cidadania”.

A respeito do “marco temporal” e sobre os indígenas que vivem em isolamento voluntário, o ministro questionou: “estando completamente alijadas do modo de vida ocidental, de que modo farão prova essas comunidades de estarem nas áreas que ocupam em 05 de outubro de 1988?”

Neste sentido, é incontroverso que a tese do “marco temporal” não merece prosperar, uma vez que as Constituições brasileiras desde muito antes da promulgação da Carta Magna asseguravam o direito de posse dos indígenas em seus territórios. Em seu voto, o ministro resgatou o texto dos dispositivos das mesmas: 

Constituição de 1934: Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.

Constituição de 1937: Art. 154. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas.

Constituição de 1946: Art. 216. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem. 

Constituição de 1967: Art. 186. É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes.

Emenda nº 1/1969: Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes. § 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas. § 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação Nacional do Índio.

Logo, importa compreender a demasiada relevância de fazer valer o pensamento de que o direito originário da posse de terras por parte dos indígenas se sobrepõe a linearidade do tempo estabelecido na tese do “marco temporal”. E neste sentido, a proteção constitucional à posse indígena se verifica desde a Carta de 1934, e “tem relevo diversas formas e espécies de reconhecimento legislativo da ocupação indígena, desde a época da Colônia.”

 

PONTOS IMPORTANTES DO VOTO DO MINISTRO EDSON FACHIN

Posse civil x posse indígena de terras
  • “De início, cumpre afirmar que já restou assentado por esta Corte que a posse indígena difere-se frontalmente da posse civil, não sendo portanto regulada pela legislação privatística vigente, mas sim pelas previsões constitucionais configuradoras do direito territorial indígena.” 
  • “Efetivamente, a posse civil pode ser conceituada como “sempre um poder de fato, que corresponde ao exercício de uma das faculdades inerentes ao domínio” (GOMES, Orlando. Direitos reais. 19.ed. atual. por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 51)”
  • “No caso das terras indígenas, a função econômica da terra se liga à conservação das condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, mas não funciona como mercadoria para essas comunidades.” 
  • “A posse indígena, portanto, não se iguala à posse civil; ela deságua na própria formação da identidade das comunidades dos índios, e não se qualifica como mera aquisição do direito ao uso da terra.”
  • “A terra para os indígenas não tem valor comercial, como no sentido privado de posse. Trata-se de uma relação de identidade, espiritualidade e de existência, sendo possível afirmar que não há comunidade indígena sem terra, num ponto de vista étnico e cultural, inerente ao próprio reconhecimento dessas comunidades como povos tradicionais e específicos em relação à sociedade envolvente.”
Direito originário – direitos indígenas fundamentais, cláusula pétrea e vedação do retrocesso
  • “De início, cumpre afirmar que os direitos das comunidades indígenas consistem em direitos fundamentais, que garantem a manutenção das condições de existência e vida digna aos índios. Ao reconhecer “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, o artigo 231 tutela aos indígenas brasileiros direitos individuais e coletivos a ser garantidos pelos Poderes Públicos por meio de políticas que preservem a identidade de grupo e seu modo de vida, cultura e tradições.”
  • “Em primeiro lugar, incide sobre o disposto no artigo 231 do texto constitucional a previsão do artigo 60, §4º da Carta Magna, consistindo, pois, cláusula pétrea à atuação do constituinte reformador, que resta impedido de promover modificações tendentes a abolir ou dificultar o exercício dos direitos individuais e coletivos emanados do comando constitucional.”
  • “Em segundo lugar, os direitos emanados do artigo 231 da CF/88, enquanto direitos fundamentais, estão imunes às decisões das maiorias legislativas eventuais com potencial de coartar o exercício desses direitos, uma vez consistirem em compromissos firmados pelo constituinte originário, além de terem sido assumidos pelo Estado Brasileiro perante diversas instâncias internacionais (como, por exemplo, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração das nações Unidas sobre os Povos Indígenas). Portanto, consistem em obrigações exigíveis perante a Administração Pública, consistindo em dever estrutural a ser desempenhado pelo Estado, e não meramente conjuntural.”
  • “Em terceiro lugar, por se tratar de direito fundamental, aplica-se aos direitos indígenas a vedação ao retrocesso e a proibição da proteção deficiente de seus direitos, uma vez que atrelados à própria condição de existência e sobrevivência das comunidades e de seu modo de viver.”
O direito originário às terras independe de demarcação
  • “Como se depreende do próprio texto constitucional, os direitos territoriais originários dos índios são reconhecidos, portanto, preexistem à promulgação da Constituição.”
  • Logo, a posse permanente das terras de ocupação tradicional indígena independe da conclusão ou mesmo da realização da demarcação administrativa dessas terras, é direito originário das comunidades indígenas, sendo apenas reconhecimento, mas não constituído pelo ordenamento jurídico. A natureza jurídica do procedimento demarcatório é meramente declaratória, consiste na exteriorização da propriedade da União, vinculada e afetada à específica função de servir de habitat para a etnia que a ocupe tradicionalmente. É atividade do Poder Executivo, desempenhada por diversos órgãos, conforme o procedimento acima demonstrado, mas que não cria terra indígena, apenas reconhece aquelas que já são, por direito originário, de posse daquela comunidade.
Teoria do indigenato x Teoria do fato indígena (marco temporal)
  • “Os direitos dos índios sobre suas terras assentam em outra fonte: o Indigenato. O ‘tradicionalmente’ refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção – enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos pelos quais se deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se realize segundo seus usos, costumes e tradições.” (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 889-890)”
  • “O direito dos indígenas à posse e uso das terras que ocupavam não só não restou infirmado pela Lei de terras acima citada, como veio também assegurado pelo disposto do artigo 24, § 1º do Decreto nº 1318/1854, que regulamentou referida lei, pois entende que a posse é legitimada ao primeiro ocupante, e já se reconhecia o direito originário dos indígenas às terras em sua posse. Tratava-se, nas palavras de João Mendes Jr., do reconhecimento do indigenato, ou seja, de que os índios eram os ocupantes primeiros das terras, e sua posse não estava sujeita à legitimação pelo ordenamento jurídico, pois não se tratava de aquisição de um direito, mas apenas da declaração de sua existência.”
  • “Tomada a questão pelo aspecto normativo, e considerando que as terras de ocupação indígena, ao menos diante da perspectiva legal, eram protegidas pelo ordenamento jurídico e em especial pelas Constituições desde a de 1934, não se justifica normativamente a “teoria do fato indígena”, uma vez que não depreendo da Constituição nenhuma fratura em relação à tutela dos direitos territoriais indígenas, porquanto a simples apropriação dessas terras por parte de particulares, incentivada ou não pelos entes públicos, jamais foi permitida pelos textos constitucionais.”
Repercussão Geral
  • “O juiz que analisa essa espécie de litígio, ainda que se trate de processo com rito abreviado, deverá, primeiramente, considerar os elementos caracterizadores da posse indígena, como colocado no presente voto: a) a demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; b) a posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos índios, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional; c) a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas, sob pena de desconsideração desses direitos enquanto direitos fundamentais, bem como de todo o arcabouço normativo-constitucional da tutela da posse indígena ao longo do tempo; d) não se exige para a demonstração de renitente esbulho a instauração de demanda possessória judicializada à data da Constituição de 1988, ou mesmo de conflito fático persistente em 05 de outubro de 1988; e) o laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.776/1996 é elemento fundamental para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições; f) o redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório nos termos nas normas de regência.”
  • “Nada obstante, autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente, expressão maior do pluralismo político assentado pelo artigo 1º do texto constitucional. Não há segurança jurídica maior que cumprir a Constituição.”