Povos Indígenas derrubam Marco Temporal! |  STF anula tese ruralista por maioria de votos. 

 Seguimos firmes! Direitos não se negociam! 

Saiba mais sobre o Marco Temporal

Acesse a cartilha da APIB sobre o Marco Temporal e saiba mais sobre a tese, o histórico de enfrentamento e a mobilização do movimento indígena

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Placar de votação

 Placar de votação

Com o placar de 9×2 contra a tese anti-indígena, a Apib comemora e alerta para teses sobre indenização e mineração apresentadas no julgamento

CONTRA O MARCO TEMPORAL
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A FAVOR DO MARCO TEMPORAL
2

Entenda as perspectivas da Apib sobre o julgamento e a ameaça no Congresso Nacional

“Nós saímos vitoriosos sim da tese do Marco Temporal mas ainda há muita luta a ser feita para afastar todas as ameaças que também estão tramitando no Senado Federal que é através do PL 2903. Seguimos mobilizados, seguimos lutando, pois a luta irá continuar para garantia e proteção dos direitos dos Povos Indígenas.

Dinamam Tuxá

Coordenador executivo da Apib

Continuamos na luta para que nenhum direito seja negociado!

A Apib comemora o respeito aos direitos indígenas mas alerta de que a luta continua pois, mesmo fora da legalidade, diversas terras indígenas estão sendo invadidas. “É uma vitória para os povos indígenas, pois há anos nós estamos lutando para afastar essa tese que, de certa forma, estava paralisando os processos de demarcação no Brasil. No entanto, tem alguns pontos importantes a serem observados, porque os votos de Toffoli e Moraes trouxeram elementos bastantes perigosos para os Povos Indígenas”, defende Tuxá. Mesmo perante a crescente violência provocada pela ocupação ilegal de território indígena, o ministro Moraes levantou a tese de uma possível indenização para invasores, que supostamente possuam títulos de propriedade rural de “boa fé”, e Toffoli defendeu a possibilidade de aproveitamento de recursos hídricos, orgânicos e minerais localizados dentro de Terras Indígenas. 

Votaram contra a tese do Marco Temporal: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. André Mendonça e Nunes Marques votaram a favor do marco temporal. 

O Marco Temporal é uma tese política que afirma que os povos indígenas só teriam direito aos seus territórios caso  estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A Apib aponta que a tese é inconstitucional e anti-indígena, pois viola o direito originário dos povos ao território ancestral – previsto na própria Constituição – e ignora as violências e perseguições, em especial durante a ditadura militar, impossibilitando que muitos povos estivessem em seus territórios na data de  1988. 

No STF, o marco temporal trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país. Como afirmou o Ministro Luís Roberto Barroso, “A constituição é muito clara, não existe propriedade sobre terras tradicionalmente pertencentes a comunidades indígenas. Esta é a solução deste caso.”

Mesmo que o resultado da votação seja uma vitória para os Povos Indígenas do Brasil, outras propostas levantadas pelos ministros em seus votos ameaçam o cenário atual de luta pelo respeito dos nossos direitos. 

O Ministro Alexandre de Moraes votou contra o Marco Temporal na sessão do STF que aconteceu em 7 de junho de 2023. Mesmo com uma posição contrária à tese, ele levantou uma proposta altamente ameaçadora para os Povos Indígenas. Moraes supôs a existência de proprietários rurais de “boa fé”, que poderiam receber indenização do Estado pela terra nua, caso eles chegassem a ser desapropriados das terras que ocupam ilegalmente para realizar a demarcação de uma terra indígena.

A Apib considera que, apesar da existência de uma pequena parcela de pequenos  proprietários que adquiriram de boa-fé títulos de propriedade sobre terras indígenas por ilegalidade praticada pelo Estado,  a proposta da indenização supõe uma premiação aos invasores ilegais que representam a maioria das propriedades com sobreposição em terras indígenas, portanto, um incentivo à ocupação ilegal de terras paga com dinheiro público. A partir do cruzamento de bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os dados dos relatórios “Os Invasores” realizados por De Olho nos ruralistas, mostram 1.692 sobreposições de fazendas em terras indígenas, o que representa 1,18 milhão de hectares e, desse total, 95,5% estão em territórios pendentes de demarcação. Com a sua proposta, Morares ignora a vasta história de grilagem de terras no Brasil e a ação criminosa de ruralistas, que tem provocado um aumento da violência contra os povos indígenas e um crescimento do desmatamento. Entre 2008 e 2021, 46,9 mil hectares foram desmatados em áreas de sobreposição de fazendas em terras indígenas, segundo apontam os dados do relatório previamente mencionado. 

Por sua vez, o Ministro Dias Toffoli votou no dia 20 de setembro, representando o  5 voto contrário à tese do marco temporal. No entanto, ao contrário dos outros ministros e com temática alheia à discutida no processo, Toffoli optou por expandir os temas analisados e incluiu a possibilidade de aproveitamento de recursos hídricos, orgânicos e minerais de Terras Indígenas, sob o argumento de que o tema sofre com uma suposta omissão legal e prejudica o desenvolvimento econômico do país. Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib, complementa: “No último momento, o ministro trouxe uma questão que muito nos preocupa enquanto movimento indígena. O ministro preceitua teses sobre exploração econômica em terras indígenas.  A gente entende que não é momento para fazer esse debate e a forma que ele fez isso, em alguma medida, flexibiliza o usufruto exclusivo dos povos indígenas’’.

A quem interessa o Marco Temporal?

Dentre as ameaças, resaltamos a ocupação ilegal em algums Terras Indígenas por alguns fazendeiros que estão ligados diretamente com o poder político ruralista. Políticos brasileiros, representantes no Congresso Nacional e no executivo, possuem 96 mil hectares de terras sobrepostas às Terras Indígenas. Além disso, muitos deles foram  financiados por fazendeiros invasores de Terras Indígenas, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL). 


Votação do PL2903 no Senado

Sob pressão da bancada ruralista, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado tinha previsto começar no dia 20 de setembro a debater o Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal em lei e legalizar crimes cometidos contra povos indígenas. No entanto, a falta de diálogo marcou a jornada: lideranças foram impedidas de entrar e a Comissão rejeitou pedido de audiência pública para. A votação foi adiada para o dia 27 de setembro após pedido de vistas coletivo dos senadores. “Os direitos dos povos indígenas estão sendo violados e não estamos sendo escutados. O parlamento não está ouvindo a opinião pública o que beneficia apenas os interesses do agronegócio”, alerta Tuxá. Para a Apib, o embate entre legislativo e judiciário é uma afronta de políticos que querem impor seus interesses econômicos nas terras indígenas sobre as próprias vidas indígenas.

Notícias sobre o Marco Temporal

A Pauta Verde virou Cinzas às vésperas da COP 28

O departamento jurídico da Apib elaborou um relatório sobre os desmontes promovidos pelo congresso nacional à “pauta verde”, ou seja, às políticas ambientais e iniciativas de combate à crise climática. Enquanto o governo federal especula sobre suas intenções em tornar...

Acompanhe as mobilizações por todo Brasil

Em relação ao MARCO TEMPORAL, ele  é uma máquina de moer história…

ele acaba com a história, muda toda a história.
Porque de 5 de outubro de 88 pra trás não há mais história,

e sim a partir daquele dia, ele inverte a lógica também:

quem não estava passa a estar, e quem estava passa a ser invasor. 

Parece que quem chegou nas caravelas foram os indígenas.

REPOSICIONA as pessoas
coloca o colonizador como dono da terra e o indígena como invasor.

O MARCO TEMPORAL nega a presença do indígena neste território e negando a presença do indígena ele nega a contribuição.

O MARCO TEMPORAL nega as práticas que a gente teve de sobrevivência, nega a nossa ciência, nega o canto, a pintura, a culinária

Nega que esses milênios todos os povos indígenas estiveram presentes e cuidando da biodiversidade

então ele nega a contribuição do indígena para o planeta e

nega a contribuição do indígena na história nesse então chamado país:

Vera cruz, Santa Cruz, Brasil

que na verdade poderia ser PINDORAMA

Além de nocivo, o MARCO TEMPORAL tira a gente da história,

Reposiciona a gente na história, transforma o bandido em mocinho e transforma o originário em um ser perverso que ocupou e invadiu a terra de outras pessoas. 

O marco temporal é isso, ele é temporal mesmo, essa máquina volta no tempo, reverte o tempo, troca as pessoas de tempo, coloca as pessoas em tempo diferente, apaga a memória e muda a história.

ENTENDA OS PONTOS IMPORTANTES DOS VOTOS DOS MINISTROS

Posse civil x posse indígena de terras
  • “De início, cumpre afirmar que já restou assentado por esta Corte que a posse indígena difere-se frontalmente da posse civil, não sendo portanto regulada pela legislação privatística vigente, mas sim pelas previsões constitucionais configuradoras do direito territorial indígena.” 
  • “Efetivamente, a posse civil pode ser conceituada como “sempre um poder de fato, que corresponde ao exercício de uma das faculdades inerentes ao domínio” (GOMES, Orlando. Direitos reais. 19.ed. atual. por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 51)”
  • “No caso das terras indígenas, a função econômica da terra se liga à conservação das condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, mas não funciona como mercadoria para essas comunidades.” 
  • “A posse indígena, portanto, não se iguala à posse civil; ela deságua na própria formação da identidade das comunidades dos índios, e não se qualifica como mera aquisição do direito ao uso da terra.”
  • “A terra para os indígenas não tem valor comercial, como no sentido privado de posse. Trata-se de uma relação de identidade, espiritualidade e de existência, sendo possível afirmar que não há comunidade indígena sem terra, num ponto de vista étnico e cultural, inerente ao próprio reconhecimento dessas comunidades como povos tradicionais e específicos em relação à sociedade envolvente.”
Direito originário – direitos indígenas fundamentais, cláusula pétrea e vedação do retrocesso
  • “De início, cumpre afirmar que os direitos das comunidades indígenas consistem em direitos fundamentais, que garantem a manutenção das condições de existência e vida digna aos índios. Ao reconhecer “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, o artigo 231 tutela aos indígenas brasileiros direitos individuais e coletivos a ser garantidos pelos Poderes Públicos por meio de políticas que preservem a identidade de grupo e seu modo de vida, cultura e tradições.”
  • “Em primeiro lugar, incide sobre o disposto no artigo 231 do texto constitucional a previsão do artigo 60, §4º da Carta Magna, consistindo, pois, cláusula pétrea à atuação do constituinte reformador, que resta impedido de promover modificações tendentes a abolir ou dificultar o exercício dos direitos individuais e coletivos emanados do comando constitucional.”
  • “Em segundo lugar, os direitos emanados do artigo 231 da CF/88, enquanto direitos fundamentais, estão imunes às decisões das maiorias legislativas eventuais com potencial de coartar o exercício desses direitos, uma vez consistirem em compromissos firmados pelo constituinte originário, além de terem sido assumidos pelo Estado Brasileiro perante diversas instâncias internacionais (como, por exemplo, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração das nações Unidas sobre os Povos Indígenas). Portanto, consistem em obrigações exigíveis perante a Administração Pública, consistindo em dever estrutural a ser desempenhado pelo Estado, e não meramente conjuntural.”
  • “Em terceiro lugar, por se tratar de direito fundamental, aplica-se aos direitos indígenas a vedação ao retrocesso e a proibição da proteção deficiente de seus direitos, uma vez que atrelados à própria condição de existência e sobrevivência das comunidades e de seu modo de viver.”
O direito originário às terras independe de demarcação
  • “Como se depreende do próprio texto constitucional, os direitos territoriais originários dos índios são reconhecidos, portanto, preexistem à promulgação da Constituição.”
  • Logo, a posse permanente das terras de ocupação tradicional indígena independe da conclusão ou mesmo da realização da demarcação administrativa dessas terras, é direito originário das comunidades indígenas, sendo apenas reconhecimento, mas não constituído pelo ordenamento jurídico. A natureza jurídica do procedimento demarcatório é meramente declaratória, consiste na exteriorização da propriedade da União, vinculada e afetada à específica função de servir de habitat para a etnia que a ocupe tradicionalmente. É atividade do Poder Executivo, desempenhada por diversos órgãos, conforme o procedimento acima demonstrado, mas que não cria terra indígena, apenas reconhece aquelas que já são, por direito originário, de posse daquela comunidade.
Teoria do indigenato x Teoria do fato indígena (marco temporal)
  • “Os direitos dos índios sobre suas terras assentam em outra fonte: o Indigenato. O ‘tradicionalmente’ refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção – enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos pelos quais se deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se realize segundo seus usos, costumes e tradições.” (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 889-890)”
  • “O direito dos indígenas à posse e uso das terras que ocupavam não só não restou infirmado pela Lei de terras acima citada, como veio também assegurado pelo disposto do artigo 24, § 1º do Decreto nº 1318/1854, que regulamentou referida lei, pois entende que a posse é legitimada ao primeiro ocupante, e já se reconhecia o direito originário dos indígenas às terras em sua posse. Tratava-se, nas palavras de João Mendes Jr., do reconhecimento do indigenato, ou seja, de que os índios eram os ocupantes primeiros das terras, e sua posse não estava sujeita à legitimação pelo ordenamento jurídico, pois não se tratava de aquisição de um direito, mas apenas da declaração de sua existência.”
  • “Tomada a questão pelo aspecto normativo, e considerando que as terras de ocupação indígena, ao menos diante da perspectiva legal, eram protegidas pelo ordenamento jurídico e em especial pelas Constituições desde a de 1934, não se justifica normativamente a “teoria do fato indígena”, uma vez que não depreendo da Constituição nenhuma fratura em relação à tutela dos direitos territoriais indígenas, porquanto a simples apropriação dessas terras por parte de particulares, incentivada ou não pelos entes públicos, jamais foi permitida pelos textos constitucionais.”
Repercussão Geral
  • “O juiz que analisa essa espécie de litígio, ainda que se trate de processo com rito abreviado, deverá, primeiramente, considerar os elementos caracterizadores da posse indígena, como colocado no presente voto: a) a demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; b) a posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos índios, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional; c) a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas, sob pena de desconsideração desses direitos enquanto direitos fundamentais, bem como de todo o arcabouço normativo-constitucional da tutela da posse indígena ao longo do tempo; d) não se exige para a demonstração de renitente esbulho a instauração de demanda possessória judicializada à data da Constituição de 1988, ou mesmo de conflito fático persistente em 05 de outubro de 1988; e) o laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.776/1996 é elemento fundamental para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições; f) o redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório nos termos nas normas de regência.”
  • “Nada obstante, autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente, expressão maior do pluralismo político assentado pelo artigo 1º do texto constitucional. Não há segurança jurídica maior que cumprir a Constituição.”
A proposta "alternativa"

Num primeiro momento, o Ministro Alexandre de Morais apresentou um posicionamento contrário à tese do “marco temporal”. Porém, em seguida, ele apresenta uma proposta “alternativa”, com objetivo de realizar uma “conciliação”, que na prática, diminui a proteção constitucional do Direito Originário dos Povos Indígenas sobre suas Terras de ocupação Tradicional. A tese arguida pelo Ministro Alexandre de Moraes pode garantir os direitos dos produtores rurais e invasores de boa fé. Em outras palavras, na mesma ocasião em que o Ministro Alexandre de Moraes se diz contrário ao “marco temporal”, ele apresenta dois impedimentos, que irão dificultar muito a demarcação das Terras Indígenas, não solvendo o passivo histórico das demarcações de terras, muito menos trazendo paz social no campo.

O perigo da "Indenização Prévia"

O primeiro impedimento apresentado pelo Ministro Alexandre de Moraes diz respeito à Indenização Prévia em benefício a portadores de títulos de propriedade que estiverem de boa fé. Ou seja, mesmo em casos que o produtor rural estiver com propriedade sobreposta a Terras Indígenas de reconhecida ocupação Tradicional, se ele conseguir apresentar uma certidão de propriedade da Terra registrada em cartório oficial, terá direito a ser indenizado previamente. Atualmente essa indenização é feita apenas pelas benfeitorias de boa fé. O Ministro Moraes inova em seu voto ao preceituar que a indenização deve ser pela terra nua, ou seja, por toda a propriedade.

Na análise do departamento jurídico da APIB, essa proposta do Ministro Alexandre de Moraes, mitiga o Direito Originário dos Povos Indígenas sob suas Terras de ocupação Tradicional, instituindo novos marcos temporais de acordo com a data em que o produtor rural consegue apresentar uma certidão de propriedade da Terra registrada em cartório oficial. O Ministro ao afastar o parágrafo 6º do art. 231 Constituição Federal em seu voto abre a possibilidade de grileiros aumentarem suas atividades em terras indígenas.

Quanto à questão específica da indenização, o Art. 2313, §6º da Constituição Federal do Brasil estabelece de forma evidente que os negócios de compra, venda e exploração envolvendo Terras Indígenas não são válidos, sendo nulos e extintos, não gerando direito à indenização.

Além do Direito Originário dos Povos Indígenas sob suas Terras de ocupação Tradicional, que está previsto na legislação brasileira pelo menos desde o ano de 1680, a proposta viola o Direito Constitucional dos Povos Indígenas ao Usufruto Exclusivo dos recursos existentes nas Terras Indígenas.

Ao propor a indenização prévia, o Ministro Alexandre de Moraes confunde a posse privada protegida pelo direito civil com a Posse Tradicional Indígena protegida pela Constituição Federal. É que a posse privada do direito civil permite que a propriedade possa vir a ser loteada e negociada, assim como desapropriada pelo estado brasileiro de acordo com o “interesse público”, mediante o pagamento prévio da justa indenização. A Posse Tradicional Indígena, por sua vez, é coletiva, devendo servir ao bem estar e à reprodução física e cultural das comunidades indígenas em caráter permanente. Além do mais, não é possível disponibilizar ou vender Terras Indígenas, vez que não possuem valor comercial e não estão sujeitas a qualquer tipo de desapropriação, mas sim, demarcação, mediante a nulidade e extinção dos negócios de compra, venda e exploração envolvendo Terras Indígenas, sem direito à indenização.

A proposta do Ministro Alexandre de Moraes não considera que até a Constituição Federal de 1988 – que estabeleceu a necessidade de concurso público para os agentes cartorários – os cartórios eram “adquiridos” do poder público por particulares, se tornando um bem de família que depois eram transferidos aos filhos por herança, com pouca ou nenhuma intervenção do estado. Não considera também o grave problema da grilagem de Terras no Brasil, que consiste em legalizar Terras adquiridas ilegalmente o que, principalmente durante os períodos de ditaduras militares (mas não só), ocorriam de maneira frequente, com participação direta dos “donos” de cartórios.

"Passar gato por lebre"

O segundo impedimento diz respeito à possibilidade – de acordo com a expressão vaga e genérica do “interesse público” – de o estado brasileiro vir a realizar uma “compensação de Terras às comunidades indígenas”, concedendo-lhes terras em outros lugares, que supostamente seriam “terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas”;

Ora, essa proposta desconsidera por completo os Direitos Territoriais Indígena estabelecido na Constituição Federal, assim como a relação dos Povos Indígenas com as suas Terras Originárias, que são indispensáveis para a própria manutenção de seus costumes, línguas, tradições, identidades e à conservação dos seus modos de vida. Em outras palavras, a própria sobrevivência das comunidades indígenas está intimamente vinculada ao seu território de origem, de modo que se trata de uma relação espiritual, não tendo nada a ver com a mera aquisição do direito de usar a Terra.

Uma questão bastante preocupante é que o processo judicial que está julgando o “marco temporal” objetiva resolver uma divergência entre a Fundação Nacional dos Povos Indígenas/Funai e o Instituto do Meio Ambiente do governo de Santa Catarina/SC, que reivindica um trecho da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ habitadas pelos Povos Indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani como sendo uma área de proteção ambiental. Sendo assim, a proposta de indenizar posseiros de boa fé é matéria totalmente estranha ao processo judicial que está sendo julgado. Dito de outro modo, o Ministro Alexandre de Moraes está extrapolando os limites do julgamento, vez que a divergência em julgamento não envolve a indenização de terceiros de boa fé.

Importante destacar a posição do Ministro Edson Fachin, que foi o Ministro responsável por conduzir os trabalhos e que teve contato direto com as provas e documentos produzidos durante todo o processo judicial. Em um posicionamento de valor histórico, Edson Fachin fez uma correta interpretação da Constituição Federal para reconhecer a integralidade dos Direitos Fundamentais dos Povos Indígenas, cujos Direitos Territoriais servem para garantir o próprio Direito de Existir, vez que sem Terra demarcada, não há o espaço físico onde as culturas, tradições e modos de vida possam ser exercidos.

Por fim, conclui-se que a proposta do Ministro Alexandre de Moraes prejudica a proteção do Direito Constitucional Indígena. Além do mais, coloca sob os Povos Indígenas o peso de suportar os erros históricos cometidos pelo próprio estado brasileiro, na medida em que a garantia dos Direitos Fundamentais dos Povos Indígenas sob suas Terras de ocupação Tradicional passarão a depender da existência de recursos financeiros por parte do estado brasileiro.

Se prevalecer a proposta feita pelo Ministro Alexandre de Moraes, os Povos Indígenas “ganham, mas não levam”. Ou, na linguagem popular, trata-se de “passar gato por lebre”, vez que ao mesmo tempo em que o Ministro Alexandre de Moraes se diz contrário ao “marco temporal”, ele apresenta impedimentos, que irão dificultar muito a demarcação das Terras Indígenas.

DESDE 2021 ACOMPANHANDO O JULGAMENTO DO MARCO TEMPORAL

SOBRE

O MARCO

TEMPORAL

O futuro das terras indígenas está nas mãos do STF.

O que está em jogo?

A retomada do julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal, tese anti-indígena que restringe o direito dos povos à demarcação de suas terras, está prevista para o dia 7 de junho de 2023. A tese, considerada inconstitucional, afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

O julgamento trata de uma ação envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Aqui você poderá entender um pouco mais sobre o histórico, a tese do marco temporal e como o resultado desse julgamento, com status de repercussão geral, servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.

a tese

O Marco Temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando essas terras em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil. Segundo essa tese, as terras que estavam desocupadas ou ocupadas por outras pessoas naquela data não podem ser demarcadas como terras indígenas. Esses territórios podem ser considerados propriedade de particulares ou do Estado, e não mais dos povos originários que a habitam.
A tese tem sido defendida por setores ruralistas e políticos contrários aos direitos dos povos indígenas, que argumentam que a falta de uma data definida para a ocupação das terras pelos indígenas gera insegurança jurídica e conflitos fundiários. Porém, é amplamente criticada por juristas, organizações indígenas, movimentos sociais e ambientalistas, que apontam que a tese é um retrocesso aos direitos dos povos indígenas e uma afronta à sua dignidade e sobrevivência. Além disso, muitas comunidades indígenas foram expulsas de suas terras durante a ditadura militar e só conseguiram retornar após a data estabelecida pela tese, o que pode resultar em graves violações dos direitos humanos desses povos.

Início da discussão no judiciário

No âmbito do judiciário, a discussão quanto ao marco temporal surge em 2009, no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3.388). Tal julgamento, ao mesmo tempo que reconheceu a demarcação das terras indígenas, impôs, naquele caso específico, uma série de condicionantes chamadas de “salvaguardas institucionais”, entre elas, o critério do Marco Temporal. Baseando-se nas condicionantes desse julgamento, foi realizada uma série de instrumentos anulando a demarcação de terras indígenas e determinando o despejo de comunidades inteiras.

Diante disso, tanto as comunidades e organizações indígenas quanto o Ministério Público Federal recorreram, buscando com isso, uma nova manifestação da Corte, para definir se as condicionantes se estendiam automaticamente às outras terras ou não. Instaurou-se o debate sobre se essas “salvaguardas” ou “19 condicionantes” deveriam ser seguidas em todos os processos de demarcação de terras indígenas, até que no ano de 2013, o STF analisou os recursos, decidindo que as condicionantes do julgamento Raposa Serra do Sol “não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas (…). A decisão vale apenas para a terra em questão”. O que não impediu que o argumento continuasse sendo utilizado por parlamentares e juristas que advogam para os interesses do agronegócio e do capital.

O Golpe de Michel Temer contra os direitos indígenas

A partir de 2016, com o golpe contra o Governo Dilma e a ascensão de Michel Temer à presidência da república, iniciou-se um acelerado retrocesso dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Foi nesse contexto que no dia 20 de julho de 2017 foi publicado no Diário Oficial da União o Parecer n. 01/2017/GAB/CGU/AGU que obrigava a Administração Pública Federal a aplicar as 19 condicionantes que o STF estabeleceu no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, institucionalizando a tese do Marco Temporal.
Os efeitos foram extremamente negativos, porque imediatamente a Funai começou a reanalisar vários procedimentos de demarcação de terras indígenas de todo o país e mesmo os processos que já estavam na Casa Civil e Ministério da Justiça em estágio avançado, foram devolvidos para a Funai para serem reanalisados. Sem dúvida, este parecer gestado pelo setor ruralista, no âmbito do governo de Michel Temer, trouxe sérias consequências aos direitos e interesses dos povos indígenas. Tal parecer foi editado justamente no momento que Michel Temer precisava do apoio da bancada ruralista para impedir a admissibilidade de denúncia contra si no parlamento brasileiro. A APIB chegou a protocolar representação na Procuradoria Geral da República, mas o caso foi arquivado.

O caso Xokleng e a Repercussão Geral

O Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365, que está na agenda do STF, é um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada da TI Ibirama-Laklanõ. O território em disputa foi reduzido ao longo do século XX e os indígenas nunca deixaram de reivindicá-lo. A área já foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.

O que é Repercussão geral

O Recurso Extraordinário com Repercussão Geral é uma espécie de recurso que, uma vez reconhecida a sua repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tem seus efeitos estendidos para todos os casos semelhantes que tramitam nas instâncias inferiores do Poder Judiciário. Em decisão publicada no dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a repercussão geral do julgamento do RE 1.017.365. Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do judiciário.

Repercussão geral no Legislativo

Há muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre terras tradicionais que se encontram, atualmente, judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, o STF reconhece, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

Entenda o STF

O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. É composto por onze Ministros, e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Alerta Congresso: Início da discussão no legislativo

No âmbito do legislativo, é importante citar o Projeto de Lei (PL) 490/2007 (Dep. Homero Pereira), que tem por objetivo alterar o “Estatuto do Índio” (Lei n° 6.001/1973) propondo que as terras indígenas sejam demarcadas por lei, ou seja, que a demarcação passe pela aprovação do legislativo. Em 15 de maio de 2018, o Dep. Jerônimo Goergen apresentou parecer na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania, propondo a instituição do marco temporal por meio de lei. Também nas discussões da PEC 215/2000, verificou-se de forma reincidente os parlamentares valerem-se do argumento do marco temporal para capitanear apoio à aprovação dessa proposta. Tais ações são uma clara iniciativa da bancada ruralista de tentar implementar o marco temporal pela via legislativa.

Nota técnica Jurídica

Nota técnica do setor jurídico da Apib sobre o PL 490. Acesse aqui

Entenda a PEC 215/2000

A PEC 215/2000 consistiu em uma proposta de emenda à Constituição Brasileira que visa transferir a competência para a demarcação de terras indígenas do Poder Executivo para o Congresso Nacional. Em outras palavras, a PEC 215 propõe que a demarcação de terras indígenas seja feita por meio de um projeto de lei a ser aprovado pelo Congresso, em vez de ser uma atribuição exclusiva do Poder Executivo, como é atualmente. Atualmente a proposta está arquivada, no entanto, a PEC 156/2003, que estava apensada à 215, passou a tramitar de maneira autônoma, e há diversas outras apensadas, muitas delas com o mesmo teor da PEC.

Direito originário

Os Povos Indígenas vivem sob a lei dos não indígenas, mas todos vivem sobre nossas terras.

teoria do indigenato

A teoria do indigenato foi desenvolvida por João Mendes Junior.

Essa teoria expressa o instituto do indigenato como sendo um direito originário, anterior ao próprio Estado e anterior a qualquer outro direito. Nas palavras do professor José Afonso da Silva: “o indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si, não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem”.

Neste sentido, a Constituição de 1988 adotou a teoria do indigenato ao reconhecer o direito originário dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas.

Em recente julgamento ocorrido em 16 de agosto de 2017, o STF discutiu o tema e nos votos é possível extrair pontos importantes que deixam claro que o instituto do indigenato possui validade Constitucional.

A Constituição de 1988 adotou a teoria do indigenato ao reconhecer o direito originário dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas.

Direito originário sob os marcos legais

Entre 1600 e 1700 já se traduziam em marcos legais os direitos originários. Data de 1680 o alvará de 1º de abril que afirma “Os gentios… são senhores de suas fazendas [nos aldeamentos] como o são no sertão, sem lhes poderem ser tomadas […] direito dos índios, primários e naturais senhores delas […]”. Além disso, em 1686 o Regimento das Missões, decretado por Pedro II, Rei de Portugal, garantiu aos indígenas o direito de se recusar a sair de suas terras.

Mais recentemente, a Constituição Federal de 1988, em vigor até hoje, no capítulo VIII- Dos Índios, artigo 231, reconhece aos indígenas seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As terras indígenas, segundo o texto, são aquelas habitadas em caráter permanente, utilizadas para atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar de seus ocupantes e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Indígenas têm a posse e usufruto exclusivo dessas terras, que são inalienáveis, e não podem ser removidos dali senão em casos de riscos excepcionais — devendo retornar assim que cesse o risco, de acordo com o texto.

Em 1989 foi publicada a Convenção n. 169 sobre os Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho. Hoje, essa é a principal convenção internacional que diz respeito aos povos indígenas. O texto diz que povos indígenas devem ser consultados em iniciativas e projetos que dizem respeito a suas terras.

Histórico dos principais marcos legais sobre direitos indígenas

1600 - 1700

1680 | O alvará de 1º de abril declarou: “Os gentios… são senhores de suas fazendas [nos aldeamentos] como o são no sertão, sem lhes poderem ser tomadas… nem serão obrigados a pagar foro ou tributo algum das ditas terras [de aldeamentos], ainda que estejam dadas em sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito dos índios, primários e naturais senhores delas […]”. O alvará será citado e renovado em 1755 e 1758.

1686 | O Regimento das Missões, decretado por Pedro II, Rei de Portugal, garantiu aos indígenas o direito de se recusar a sair de suas terras. Aldeamentos para “civilização dos índios”, nesse contexto, foram feitos dentro das terras originais dos índios.

1700 - 1800

1755 | A lei pombalina sobre os indígenas determinou que “[os índios têm] inteiro domínio e pacífica posse das terras […] para gozarem delas per si e todos os seus herdeiros”.

1758 | O Diretório Pombalino do Maranhão e Grão-Pará estabeleceu que o direito dos índios nas povoações elevadas a vilas prevalece sobre o de outros moradores, os índios “são os primários e naturais senhores das mesmas terras”.

1800 - 1900

1822 | Em 17 de julho, o regime de sesmaria no Brasil foi extinto.

1833 | Cumulativamente com o governo imperial, as províncias passaram a legislar sobre os indígenas, o que deu início a um longo período de esbulho (retirada forçada) de terras originais.

1850 | A Lei das Terras n.601 determinou que as terras indígenas não são devolutas nem precisam de legitimação. Escreve João Mendes Jr.: “As terras possuídas por hordas selvagens estáveis não são consideradas devolutas… [são] originariamente reservadas de devolução nos expressos termos do Alvará de 1 de Abril de 1680, que as reserva até na concessão de sesmarias; não há (neste caso) posse a legitimar, há domínio a reconhecer…”. A mesma Lei das Terras recomenda que se reservem terras para aldeamentos com o propósito da “civilização dos índios”.

1854 | O decreto 1.318 de 30 de janeiro regulamentou a Lei de Terras aprovada em 1850. O texto define, em seus artigos 72 e 75, que os indígenas têm escolha de não sair de suas terras, sendo os aldeamentos instalados em seus territórios originais. As terras dos aldeamentos instalados fora dos territórios tradicionais foram garantidas e consideradas inalienáveis, destinadas à posse exclusiva dos indígenas, que receberiam títulos de propriedade quando “assim o permitir seu estado de civilização”.

1855 | Legislação garante que indígenas que habitam aldeamentos extintos passam a ser proprietários de suas posses. A medida foi reiterada pelo menos em 1857 e 1870.

1887 | Os aldeamentos extintos passam às Províncias.

1889 | No início da República, os Estados poderão legislar e deverão promover a catequese e civilização dos indígenas.

1900 - 2000

1906 | A lei n. 1.606 de 2 de dezembro definiu que só a União é responsável pela política indigenista. A área ficou na alçada do recém criado Ministério da Agricultura.

1908 | Pela primeira vez, o Brasil foi acusado internacionalmente de genocídio pelas chacinas de indígenas, por ocasião da ocupação de colonos alemães na região Sul.

1910 | O decreto 8.072, aprovado no governo Nilo Peçanha, criou o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, em 1918 renomeado Serviço de Proteção aos Índios, e prescreve em seu artigo 2, parágrafo 12: “[deve-se] promover, sempre que for possível, […] a restituição dos terrenos que tenham sido usurpados [aos índios]”. O SPI passaria em 1930 do Ministério da Agricultura para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, iria em 1934 para o Ministério da Guerra e voltaria para a pasta da Agricultura em 1939. Ali ficaria até sua extinção, em 1967.

1934 | A Constituição Federal determinou, no artigo 129, que “será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”.

1936 | O decreto 736 define no artigo 3 que o Serviço de Proteção aos Índios é incumbido de “impedir que as terras habitadas pelos silvícolas sejam tratadas como se devolutas fossem, demarcando-as, fazendo respeitar, garantir, reconhecer e legalizar a posse dos índios”.

1937 | A nova Constituição no artigo 154 não diferiu substancialmente do documento de 1934 no tema indígena.

1946 | A Constituição recém aprovada definiu que a União legisla sobre “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional”. Seu conteúdo é também semelhante ao da carta de 1934.

1967 | Início do governo militar Artur da Costa e Silva
A Constituição recém aprovada definiu que a União legisla sobre a “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” (artigo 8) e que as terras ocupadas por eles são patrimônio da União (artigo 14). O domínio ou propriedade das terras indígenas passou a ser do Estado, enquanto a posse e usufruto exclusivos continuaram a ser dos indígenas. A lei n. 5.371 extinguiu o Serviço de Proteção aos Índios após um escândalo de corrupção e de crimes contra indígenas revelados pelo chamado Relatório Figueiredo e criou a Funai (Fundação Nacional do Índio) na alçada do Ministério do Interior. A pasta é a mesma que liderou a ocupação da Amazônia a partir de 1970, quando muitos povos indígenas foram forçosamente contatados e desalojados de seus territórios.

1969 | Início do governo militar Emílio Garrastazu Médici
A emenda constitucional 1, artigos 4 e 8 reiteram 1967. Definiu que: “as terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis” e reconheceu-lhes o direito ao usufruto exclusivo de suas riquezas naturais. O artigo 198 determinou também a nulidade e extinção de efeitos jurídicos que tivessem “por objeto o domínio, a posse ou a ocupação” das terras indígenas, sem direito a indenização para os ocupantes.

1973 | O Estatuto do Índio (lei n. 6.001) estabeleceu as regras para demarcação de terras indígenas, determinando que deveriam ser administrativamente demarcadas até 1978.

1974 | Início do governo militar Ernesto Geisel

1976 | O decreto n. 76.999 determinou que os encaminhamentos de demarcação ficassem nas mãos do Poder Executivo, levando a arbítrios.

1979 | Início do governo militar João Figueiredo

1983 | O decreto n. 88.118 definiu que a delimitação de terras indígenas é responsabilidade da Funai e o decreto homologatório é emitido pelo presidente da República.

1985 | Início do governo civil José Sarney

1987 | O decreto n. 94.945 criou procedimentos especiais para as terras indígenas situadas na faixa de fronteira.

1988 | A Constituição Federal, em vigor até hoje, no capítulo VIII- Dos Índios, artigo 231, reconheceu aos indígenas seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As terras indígenas, segundo o texto, são aquelas habitadas em caráter permanente, utilizadas para atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar de seus ocupantes e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Indígenas têm a posse e usufruto exclusivo dessas terras, que são inalienáveis, e não podem ser removidos dali senão em casos de riscos excepcionais — devendo retornar assim que cesse o risco, de acordo com o texto. Nas disposições transitórias, consta que a União deveria concluir a demarcação de todas as terras indígenas até 1993.

1989 | Publicada a Convenção n. 169 sobre os Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho. Hoje, essa é a principal convenção internacional que diz respeito aos povos indígenas. O texto diz que povos indígenas devem ser consultados em iniciativas e projetos que dizem respeito a suas terras.

1990 | Início do governo Fernando Collor de Melo
A Funai passou para a alçada do Ministério da Justiça.

1991 | O decreto n. 22 alterou o decreto 94.945, de 1987, e adaptou o procedimento de demarcação de terras indígenas ao texto da Constituição Federal. Antes, as regras de demarcação não estabeleciam a consulta prévia ou o possível protagonismo do povo no processo, mantendo a iniciativa exclusivamente nos órgãos federais.

1992 | Início do governo Itamar Franco
A Convenção da Diversidade Biológica foi assinada no Rio de Janeiro. O texto realça conhecimentos tradicionais de povos indígenas e tradicionais e sua participação nos benefícios.

1995 | Início do governo Fernando Henrique Cardoso

1996 | O decreto n. 1.775 alterou o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas. A Funai tem o poder de demarcar terras indígenas; impossibilidade de autodemarcação, excessiva burocracia, reconceituação de terra indígena.

2000 - 2020

2003 | Início do governo Luís Inácio Lula da Silva

2007 | Foi aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que reconhece e afirma os direitos fundamentais universais desses povos, no âmbito de suas próprias culturas, tradições e instituições.

2011 | Início do governo Dilma Rousseff

2012 | O decreto n. 7.747 de 5 de junho de 2012 instituiu a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
A portaria n. 303 da Advocacia-Geral da União visou impedir que novas demarcações de terras indígenas fossem feitas e, especialmente, que fossem ampliadas áreas anteriormente mal demarcadas.

2016 | Início do governo Michel Temer
Foi aprovada a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas da Organização dos Estados Americanos.

2017 | O parecer n. 001 da Advocacia-Geral da União reestabeleceu a eficácia da portaria n. 303/AGU e vedou a ampliação das terras indígenas já demarcadas. Instituiu também o chamado marco temporal, segundo o qual indígenas que não estavam de posse de suas terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, perdem seus direitos sobre essas terras.

2018 | A nota técnica n. 2 da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal sobre o parecer da AGU de 2017 concluiu que há “manifesta nulidade do parecer normativo” e que o “governo brasileiro se utiliza de artifícios para sonegar os direitos dos índios aos seus territórios”.

2019 | Início do governo Jair Bolsonaro
A medida provisória 870, em 1º de janeiro, transferiu a competência de demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura. O Congresso determinou, depois, que as demarcações permanecessem no Ministério da Justiça.

2020 | O parecer n.1 da Advocacia-Geral da União que instituiu o “marco temporal” foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal por decisão do ministro Edson Fachin.
A instrução normativa n. 9 da Funai de 22 de abril de 2020 eximiu a União de suas responsabilidades para com terras indígenas ainda não homologadas e as excluiu do Sistema de Gestão Fundiária, órgão do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que passou a poder certificar propriedades privadas dentro dos limites de terras indígenas ainda não homologadas, estimulando invasões.

Fonte: Projeto “Diagnóstico Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais no Brasil: contribuições para a biodiversidade, ameaças e políticas públicas”

IMPACTOS DO MARCO TEMPORAL

A quem interessa o Marco Temporal?

Agronegócio

A tese do marco temporal nasceu praticamente encomendada pelo setor ruralista, que com grande influência econômica conseguiu ao longo dos anos aumentar sua bancada no Congresso Nacional e assumir um papel anti-direitos quanto à demarcação de terras indígenas e quilombolas. O setor tem como política a conversão do meio ambiente em mercadoria para o capital e entidades ligadas ao agronegócio.

Recursos naturais

Grande parte do lobby e mobilização a favor do Marco Temporal afirma que a demarcação das terras indígenas interfere em direitos individuais e em questões relacionadas com a política de segurança nacional na faixa de fronteiras, política ambiental e assuntos de interesse dos Estados da Federação e outros relacionados com a exploração de recursos hídricos e minerais.

Exploração do ouro

Destaca-se aqui a exploração das Terras Indígenas Yanomami, Munduruku e Kayapó afetadas diretamente pelo garimpo ilegal nos últimos anos.

O Marco Temporal impacta TODAS as Terras Indígenas

Caso o Marco Temporal seja aprovado, todas as TIs, independente da situação e da região em que se encontram, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando as 1393 terras indígenas sob ameaça direta.

FONTE:
Relatório Violência Contra
os Povos Indígenas no Brasil
Dados de 2021, CIMI

Povos isolados

Os povos isolados e de recente contato do Brasil estão diretamente ameaçados caso o julgamento seja desfavorável. Isso porque, em muitos casos, seria difícil ou até impossível comprovar a presença desses grupos em 5 de outubro de 1988 nas terras onde hoje habitam, o que inviabilizaria a demarcação de seus territórios.

O Estado brasileiro até hoje desconhece a existência dessas comunidades. Não é razoável exigir que, numa data específica, esses povos estivessem reivindicando formalmente o reconhecimento e regularização de seus territórios. Por outro lado, a comprovação de que se encontravam em situação de conflito deflagrado tampouco é tarefa fácil em vista da perseguição e ocultação de sinais da sua presença por invasores e da omissão do Estado em protegê-los

Dos 115 registros da presença de indígenas isolados no Brasil, 86 ainda não foram confirmados – ou seja, caso sua existência venha a ser confirmada, ainda não se sabe ao certo qual é o território tradicionalmente ocupado por esses grupos.

Terras e Povos Indígenas são reservas de futuro para a humanidade”

Cientistas do mundo todo seguem demonstrando como as terras ocupadas tradicionalmente pelos povos originários são as áreas com maior biodiversidade e vegetação mais preservadas. Ou seja, demarcar as Terras Indígenas e mantê-las protegidas de invasores ilegais, garimpeiros, madeireiros e o avanço do agronegócio é garantir que o estoque de carbono nessa área seja mantido e os direitos dos povos indígenas respeitados.

O mapeamento mostra que a maior parte das áreas desmatadas estão destinadas a pastagens para criação de gado (para exportação de carne e de couro) e a produção de soja, mas também destacam plantações de cana, arroz, eucalipto ou algodão, entre outras commodities.

FONTE:
IPAM e APIB com dados MapBiomas Coleção 7
e base de dados de terras indígenas da Funai.

29% do território ao redor das TIs está desmatado, enquanto dentro das mesmas só tem 2% de desmatamento.

Alerta Congresso

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) aldeou a Política com a Campanha Indígena para fortalecer as políticas públicas voltadas para os povos indígenas e enfrentar a agenda genocida, que existe no Congresso Nacional. Mais de 30 projetos anti-indígenas e anti-ambientais estão em análise na Câmara dos Deputados e no Senado, impulsionados majoritariamente por setores do agronegócio. As propostas ameaçam e destroem a vida dos povos indígenas e perpetuando a violência institucional praticada há séculos pelo Estado. Destacamos aqui alguns projetos que representam uma grave ameaça aos nossos direitos. Compreenda o que está em jogo, compartilhe e pressione, junto ao movimento indígena, para que esses projetos não sejam aprovados pelo Congresso Nacional.

PL 490/2007 E PL 2903/2023 - Marco Temporal

Estabelece que as terras indígenas serão demarcadas através de leis. Busca reverter as proteções constitucionais às Terras Indígenas e transforma em lei o Marco Temporal

PL 191/2020 - Exploração Geral

Visa permitir a mineração industrial e artesanal, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas Terras Indígenas, removendo o poder de veto dessas comunidades sobre as decisões que impactam suas terras.

PL 2633/2020 e PL 510/2021 - Grilagem de terras

Embora a bancada ruralista tentem argumentar que os projetos serão benéficos para pequenos produtores, ambos os projetos de lei não trazem benefícios para combater a grilagem e o desmatamento, aumentam o risco de regularizar áreas em conflitos e incentivam a  continuidade de invasão de terras públicas.

PL 3729/2004 (agora no senado como PL 2159/2021) - Licenciamento ambiental

Tramita em conjunto do PL 2633/2020 e do PL 510/2021 e enfraquece os requisitos para o licenciamento ambiental e permite o “auto-licenciamento” para uma série de projetos. Se aprovado, poderá resultar na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho (MG), no total descontrole de todas as formas de poluição, com graves prejuízos à saúde e à qualidade de vida da sociedade, no colapso hídrico e na destruição da Amazônia e de outros biomas.

PDL 177/2021 - Denúncia da Convenção 169 da OIT

Visa retirar o Brasil da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, principal instrumento de direito internacional para a proteção dos direitos indígenas. A justificativa é de que a legislação brasileira nessa matéria não precisaria ser complementada por norma internacional. Também sustenta que as restrições estabelecidas pela Convenção à atuação do Estado nos territórios desses povos inviabilizam o crescimento econômico do Brasil.

Histórico de mobilizações

Enquanto vidas e territórios indígenas estão ameaçados de extinção, os povos indígenas continuam resistindo. Aqui estão algumas das mobilizações convocadas recentemente:

2023

Novamente acompanhando o julgamento, os Povos Indígenas ocuparam Brasília entre os dias 5 a 8 de junho de 2023 mobilizados contra o Marco Temporal. Mesmo com o pedido de vista, o movimento continua em permanente mobilização das bases e acompanhamento do processo.

2021

Quando um governo foi mais perigoso que um vírus, os povos indígenas não puderam se calar. Assim, frente a um Congresso que avançou em uma agenda anti-indígena e para se mobilizar contra o Marco Temporal, os povos indígenas, os primeiros desta terra, seguiram, em junho de 2021, para a capital federal soando os maracás e entoando seus cânticos, com o Levante pela Terra.

 A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deu início ao acampamento Luta pela Vida, em Brasília, no dia 22 de agosto, e reforçou a mobilização até o dia 2 de setembro de 2021 para lutar pelos direitos indígenas. A mobilização Luta pela Vida

Participe da Mobilização

Apoie e defenda os direitos originários dos Povos Indígenas do Brasil e some com a mobilização contra o Marco Temporal.

Você pode apoiar de diferentes maneiras:

Nos territórios

Em sua aldeia, comunidade, território, município ou estado, você pode organizar e realizar manifestações contra o Marco Temporal. Produza cartazes, faixas e gritos de guerra com os dizeres “Não ao Marco Temporal”, “Demarcação Já” e “Chega de genocídio”, por exemplo. Não deixe de realizar também rodas de conversas, assembleias e exposições. 

Utilize esse e outros materiais da APIB como base para seus debates, marque a @apiboficial nas redes sociais e compartilhe sua mobilização com a gente!

Nas redes

 Faça fotos, vídeos e textos sobre a importância da derrubada da tese do Marco Temporal.

Você pode contar ou convidar uma liderança para falar como a tese pode impactar o seu território e a vida dos povos indígenas.

Não esqueça de marcar a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (@apiboficial) e/ou suas organizações regionais:

@apoinme_brasil
@coiabamazonia
@arpinsuloficial
@cons.terena

@atyguasu
@yvyrupa.cgy
@arpinsudestesprj

Antes de confirmar a publicação do material, não deixe incluir tags. Elas são importantes para que os conteúdos cheguem em mais pessoas!

Confira algumas sugestões:

#MarcoTemporalNão!

#ParecerAntidemarcaçãoNão!

#Parecer001Não!

#VidasIndígenasImportam

#NossoDireitoÉOriginário

#IsoladosEmRisco

#Muitaterraprapoucofazendeiro

#Muitaterraparapoucolati

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