No final da tarde da terça-feira (13), após a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas, mais de 100 representantes estaduais se reuniram na Câmara dos Deputados para a realização do seminário “Mulheres indígenas e direitos sociais”. Quem conduziu a atividade foi a co-deputada em São Paulo Chirley Pankará junto de outras lideranças.
Confira alguns destaques:
Pedagoga e doutoranda em antropologia pela USP, Chirley falou sobre a importância de ocupar os espaços políticos e da representatividade dentro das casas parlamentares. Sua fala foi complementada pela de Célia Xakriabá, também pedagoga e doutoranda em antropologia pela UFMG, que reafirmou a importância da presença de mulheres indígenas na política.
“Não basta lutar pela causa indígena, é preciso levar o corpo das mulheres à política. É necessário reconhecer as narradoras, as conhecedoras”, disse Célia.
Poucas horas depois da marcha inédita, Célia ressaltou o importante papel das mulheres nos trabalhos de base em aldeias e cidades, além de apontar para a crise de representação que sistemas políticos atuais apresentam e que levam ao descrédito frente à sociedade.
“As mulheres marcham todos os dias em suas aldeias. Quem tem território tem o quê? Tem onde voltar, tem colo, tem cura. E por isso a sociedade brasileira está doente: perdeu a capacidade de se reconectar. Do Brasil nós somos primeiros. Nós representamos ciência, conhecimento e movimento de cura”.
Quem a seguiu foi Evanilda Terena, educadora e liderança indígena do Mato Grosso do Sul, que manifestou seu completo repúdio ao ataque promovido pela Polícia Militar de seu estado contra o povo Kinikinawa, incluindo crianças e idosas, que os removeu sem ordem judicial de seu território.
“Essa comunidade vai existir e resistir até o último indígena. Se um cair, levantam mil. Não vamos parar por aqui. O povo indígena não vive sem território, o cuidado com a natureza é como se fosse com o próprio corpo”.
Os direitos indígenas vêm sendo alvo de diversos ataques no atual governo. As declarações de ódio do presidente eleito motivam ações violentas como as que ocorreu com os Kinikawa e os Wajãpi, que tiveram uma liderança assassinada. O cenário de constantes ameaças nunca mudou para as populações originárias, mas cresceu muito este ano.
“Não é fácil para quem vive na base, na luta contra os fazendeiros, madeireiros, garimpeiros… Não temos medo, os enfrentamos há muito tempo e não vai ser agora que vão nos amedrontar. Vou ser alguém para defender meu povo, meu rio, minha floresta e meu território. Jamais vou deixar destruírem o meu futuro, dos meus filhos e dos meus netos”, disse Alessandra Korap Munduruku, graduanda em direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e liderança na região do Médio Tapajós.
O evento teve apoio da Bancada Ativista e contou com a presença das deputadas Andreia de Jesus (PSOL), Áurea Carolina (PSOL), Fernanda Melchionna (PSOL), Sâmia Bomfim (PSOL) e Maria do Rosário (PT). Todas reforçaram os aprendizados que tem com as mulheres indígenas e os ensinamentos que os povos originários têm a oferecer ao povo brasileiro, como a defesa da Mãe Terra.
“Precisamos nos unir mais, deixar as diferenças de lado, independentes de preferência partidária. Quando nos encontramos com mulheres brancas e negras nos empoderamos ainda mais, porque a luta é uma só. Espero que essas parlamentares possam se unir cada vez mais olhando para os direitos das mulheres indígenas”, disse Telma Taurepang, secretária do Movimento de Mulheres Indígenas de Roraima e ex-candidata a senadora.
A relação natural dos indígenas com o desenvolvimento sustentável e a preservação do meio-ambiente é um dos principais motivos pelos quais o aquecimento global e outros fenômenos agressivos ao equilíbrio dos biomas vem sendo contidos em todo o mundo. O governo brasileiro se equivoca quando não reconhece este papel dos guardiões da floresta.
“As raízes estão nos povos originários. O mundo tem uma dívida histórica com os povos originários, o mundo só respira porque existe um pulmão protegido pelos povos originários. Estamos aqui para dizer que esse governo passará, mas nós continuaremos aqui lutando, batalhando e conquistando, porque nós mulheres estamos nascendo”, disse Kerexu Yxapyry, liderança Guarani do Morro dos Cavalos.
A pauta ambiental, entretanto, não é a única pelo qual os povos estão dispostos a lutar e reivindicar. A ocupação da Secretaria de Saúde Indígena na segunda-feira (12) demonstrou a força das mulheres que reivindicam melhoras em um sistema que, além de ineficiente, é pouco representativo em relação às medicinas tradicionais.
“Estamos aqui para lutar por demarcação, educação e saúde de qualidade. Saúde que atenda as nossas cidades, que garanta aos nossos pajés, benzedeiras e parteiras de nos acompanhar. Já temos nossas curas através de nossas plantas medicinais. Estão tirando nosso território e nossas curas”, disse Juliana Tupinambá, educadora na Bahia.
Finalmente, a primeira deputada federal indígena na história do Brasil encerrou o seminário. Joênia Wapichana aproveitou o espaço para alertar sobre o perigo da PEC 187, que será votada na semana que vem e que vai contra o artigo 231 da constituição, abrindo terras indígenas para arrendamento. A deputada integra a Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania que avalia a proposta de emenda à constituição.
Integrante da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, Joênia ressaltou a extrema necessidade de haver mais mulheres no Congresso e da importância de se levar valores indígenas para a política brasileira.
“Os povos indígenas discutem tudo coletivamente, devemos compartilhar trabalho, resultados e desafios… Temos aspirações, sonhos e muito trabalho pela frente. Que isso seja o exemplo, mas que não pare aqui. Posso ser a primeira deputada indígena no Congresso Nacional, mas não quero ser a única, nem a última”.