Vítima histórica da banalização do preconceito e da violência, o Brasil indígena testemunha os efeitos do desmonte da política ambiental e da perspectiva integracionista que contaminou a política indigenista. Alimentados pela retomada do discurso de ódio que recrudesceu entre os segmentos mais atrasados da sociedade brasileira, a intolerância e o preconceito contra os indígenas têm se traduzido num aumento alarmante dos casos de violação dos direitos, sem uma resposta efetiva daqueles que têm a obrigação de proteger e promover tais direitos.
Em meio ao cenário de pandemia que se instalou no mundo e no Brasil, urge que a sociedade brasileira exija a aniquilação do vírus da violência que se espalha pelas terras indígenas, forçando o governo federal e segmentos atrasados a renunciarem ao discurso preconceituoso e integracionista; sob pena de testemunharmos uma reedição do triste legado da expansão colonial nas Américas: o maior genocídio da história da humanidade, que culminou com o extermínio de pelo menos 70 milhões de indígenas.
Análises preliminares do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) explicitam como esse contexto de intolerância e preconceito se manifesta no cotidiano do Brasil indígena. Tais análises denotam que só nos primeiros seis meses de 2019 ocorreram nada menos que 160 casos de invasão, em 150 terras diferentes, produzindo crimes que vão desde homicídios, grilagem de terras públicas, extração ilegal de ouro a exploração ilegal de madeira e outros recursos naturais.
É fato que a omissão do Estado, o preconceito e a intolerância têm sustentado a política de extermínio que ainda ceifa a vida de lideranças indígenas, especialmente daquelas que seguem denunciando e cobrando que o Estado brasileiro assuma uma política de proteção eficiente aos territórios e aos direitos indígenas; a exemplo do que vinham fazendo Zezico Guajajara e Ari Uru-Eu-Wau-Wau, assassinados em 31 de março e 18 de abril respectivamente.
Para pôr fim nessa política de extermínio, é imperativo conter a disseminação do vírus da violência que segue impondo a perda de vidas e de biodiversidade nos territórios indígenas, bem como comprometendo a eficiência das medidas sanitárias que buscam conter a disseminação do coronavírus pelo Brasil indígena.
Mais do que recursos financeiros, o que se cobra é que aqueles que juraram cumprir a Constituição e as leis do país, para além das conveniências políticas e impressões pessoais, rompam com a inércia e a omissão que têm levado ainda mais desespero ao Brasil indígena, e atuem com energia em desfavor das redes criminosas que atuam de forma organizada contra as terras indígenas brasileiras.
Sônia Guajajara é coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e Danicley de Aguiar é membro da Campanha da Amazônia do Greenpeace Brasil