A saída do ex-juiz federal Sérgio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública não deixou nenhuma saudade entre lideranças indígenas. É citado como anti-indígena, irrelevante, omisso, alheio à temática, executor fiel da ordem anti-demarcação de terras do presidente Jair Bolsonaro e que ajudou a fragilizar a já combalida Funai. Nunca se reuniu com nenhuma liderança indígena de peso nacional e devolveu 17 processos de demarcação de terras indígenas, sem assiná-los.
“O Moro não deixou qualquer legado positivo, qualquer medida essencial que pudesse ter tomado quando era o responsável. O que deixou foi continuar o desmantelamento, o enfraquecimento e o sucateamento do órgão indigenista [Funai], quando precisava ter fortalecido. Em relação aos povos indígenas, foi [uma gestão] péssima”, disse Marivelton Baré, presidente da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro).
“Ele não fez nada pelos povos indígenas. Saudade? Que saudade! Ele nem sabe que nós existimos como povos indígenas. A participação dele foi zero. Nunca nem tocou no nome da Funai. Nas demandas indígenas, pior ainda. Acho que ele nem sabe que no país dele há povos indígenas com línguas diferenciadas, culturas diferenciadas, Ele não entende nada disso”, disse a professora e escritora Eliane Potiguara.
“Para nós, povos indígenas, o ministro Moro foi também um ministro extremamente anti-indígena, que esteve o tempo todo alinhado ao discurso do presidente Bolsonaro”, afirmou o advogado Eloy Terena, assessor jurídico da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
“O que a gente percebe é que desde o início do governo há uma orientação orquestrada por parte da bancada dos ministros. No ano passado, no Abril Indígena, nunca conseguimos ser recebidos pelo ministro da Justiça, foi um dos momentos mais frustrantes para nós”,disse Célia Xakriabá, mestre em educação pela UnB (Universidade de Brasília) e uma das organizadoras da marcha das mulheres indígenas de 2019.
As primeiras impressões negativas das lideranças indígenas sobre o interesse de Moro na temática indígena remontam um ano, durante as atividades do Acampamento Terra Livre, em Brasília. Na ocasião, uma das principais pautas das lideranças indígenas era o retorno da Funai (Fundação Nacional do Índio) ao guarda-chuva do Ministério da Justiça, pois em janeiro Bolsonaro havia desmembrado o órgão indigenista em dois, entregando-o para as pastas das ministras Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Teresa Cristina (Agricultura). Os indígenas e indigenistas ainda acreditavam que, no MJ, onde esteve nos 29 anos anteriores, a política indigenista teria melhor proteção.
As lideranças indígenas formaram um comitê e tentaram uma audiência com Moro, mas nunca conseguiram falar com o ministro. Foram recebidos pelo número dois do ministério. “Talvez tenha sido a primeira gestão em que os povos indígenas não conseguiram ter acesso ao ministro da Justiça. Mesmo depois que o Congresso devolveu a Funai para o MJ. Até no governo Temer, que era extremamente reacionário, o então ministro Torquato Jardim recebeu a delegação de lideranças indígenas com suas reivindicações”, rememorou Eloy Terena.
‘Não tenho interesse’
A Funai acabou retornando ao MJ em maio, após uma decisão do plenário da Câmara. Nos onze meses em que ficou à frente da política indigenista, Moro foi uma frustração generalizada entre as lideranças indígenas. “Ele não fez diferença nenhuma para nós, foi irrelevante. Ele nem queria a Funai, não queria o tema indígena dentro da pasta do ministério. Não teremos nenhuma recordação dele. […] Também, por outro lado, não temos muito o que esperar desse governo. O que tem vindo dele, em todos os sentidos, é só um processo de retrocesso geral”, disse a indígena kaxuyana Valéria Paye, assessora política da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas Brasileiras).
Quem disse que Moro não queria o órgão indigenista no MJ foi o próprio ministro. Em 8 de maio de 2019, durante um evento no STJ (Superior Tribunal de Justiça), Moro declarou: “Eu não tenho interesse de ficar com a Funai”. Ele se dirigiu à ministra Damares, presente ao evento.
Gilmar Terena, da Ascuri (organização indígena de audiovisual), considera a gestão de Moro “a pior entre os ministros da Justiça”. “Ele efetivou a decadência da Funai em relação aos povos indígenas. Isso já começa com o golpe [impeachment de Dilma Rousseff] de três anos atrás, o governo vem desmantelando e colocando pessoas com interesses pró-ruralistas. Acho que estamos vivendo o apogeu do que eles desenharam. A Funai atuando em prol do agronegócio, das mineradoras e dos grileiros.”.
O ex-ministro Moro foi procurado pela coluna, por meio de sua assessoria, para que comentasse o balanço feito pelos indígenas, mas não houve um retorno até o fechamento deste texto. Caso se manifeste, o texto será atualizado.
Texto de Rubens Valente publicado originalmente no Portal UOL