Análise do Inesc revela que houve uma queda de 9% no valor autorizado da ação de “Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena” entre 2019 e 2020 na gestão Bolsonaro. Votação de vetos a projeto de lei que prevê plano emergencial para comunidades indígenas e tradicionais está prevista para esta quarta no Congresso
O governo federal investiu menos recursos na saúde indígena no primeiro semestre de 2020, marcado pela pandemia do novo coronavírus, do que no mesmo período de 2019, de acordo com uma análise inédita do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) a pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
O levantamento mostra que os gastos com saúde indígena diminuíram 9% nos primeiros seis meses de 2020, em plena pandemia. O orçamento para caiu de 725,9 milhões de reais no primeiro semestre do ano passado para 708,8 milhões no mesmo período deste ano. Nos meses de abril e maio, quando a Covid-19 começou a ameaçar até os povos isolados, os valores destinados à saúde indígena ficou abaixo dos recursos investidos em 2019: caíram de 236,4 milhões para 173,3 milhões de reais em abril, e diminuíram de 159,2 milhões para 54,8 milhões em maio.
O documento foi divulgado nesta quarta-feira, 19, quando o Congresso fará a votação dos vetos ao Projeto de Lei 1142/20 – que prevê um plano emergencial de enfrentamento à Covid-19 para povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. A derrubada dos vetos é importante para viabilizar ações emergenciais para essas comunidades diante da omissão do governo na assistência a essas populações.
De acordo com a análise do Inesc, na gestão Bolsonaro, houve uma queda de 9% no valor autorizado da ação de “Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena” entre 2019 e 2020. A análise considera uma queda de 5% entre 2018 e 2019, totalizando um corte de 14% na comparação do orçamento autorizado entre 2018 e 2020.
“Apesar da chegada do novo coronavírus, não houve recomposição orçamentária nem mesmo por créditos extraordinários, o que seria tanto justificado pela vulnerabilidade indígena diante da pandemia como autorizado pelo regime fiscal especial decorrente da emergência sanitária. Os investimentos em Saúde Indígena seguem uma tendência de queda em 2020”, afirmam as autoras da análise, Leila Saraiva e Alessandra Cardoso, assessoras políticas do Inesc.
Diante dos efeitos devastadores na pandemia entre povos indígenas, a queda dos valores empenhados, liquidados e pagos entre o primeiro semestre de 2019 e o primeiro semestre de 2020 é um contrassenso. Nos meses em que a pandemia já estava instaurada nos territórios indígenas, os valores liquidados em 2020 são significativamente menores que os liquidados em 2019. Em abril e maio, a queda chega à casa dos R$ 100 milhões. É apenas em junho que esse quadro se reverte, o que indica demora para a efetivação de uma atuação robusta para conter o vírus.
A nota técnica apresenta, a título de exemplo, a análise dos gastos realizados pelos dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) mais afetados pela pandemia: DSEI Leste-RR e DSEI-Rio Tapajós. As assessoras constataram que não houve aumento significativo de gastos em itens essenciais para o enfrentamento do novo coronavírus nos meses em que a pandemia já estava instaurada nas comunidades. É o caso, por exemplo, dos gastos com táxi-aéreo, utilizados para transporte de paciente no âmbito do DSEI-Rio Tapajós, cujos valores foram mais altos em janeiro do que os meses de abril, maio e junho somados – quando a pandemia já estava instaurada.
Em julho, questionado sobre os gastos, o secretário especial de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva, em audiência iterativa realizada pela Comissão Externa do Coronavírus, afirmou que a queda dos valores liquidados se explicava pela paralisação das obras. No entanto, a análise do Inesc demonstra que o Plano Orçamentário referente às obras é pouco relevante nos gastos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a queda orçamentária ocorreu nas atividades que dizem respeito ao atendimento à população indígena.
O resumo da nota técnica pode ser lido aqui e o documento completo aqui
Contaminação alastra-se por territórios
Os casos de contaminação e mortes se alastram nos territórios indígenas. Depois das regiões do Amazonas, Roraima, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, o estado de Rondônia pediu socorro para conter a contaminação que atinge a Terra Indígena Sete de Setembro, localizada na região de Cacoal.
São nove óbitos e 304 infectados registrado pelo DSEI de Vilhena. Os indígenas pediram imediata instalação de Hospital de Campanha com UTIs, contratação de profissionais para os DSEIs e postos de saúde indígena, equipamentos de proteção individual, testes, divulgação diária da situação da Covid-19 aos povos indígenas, assim como a criação de um Comitê de Diálogo composto por representantes indígenas, organizações parceiras e profissionais de saúde.
No Tocantins, em menos de 24 horas, a aldeia Santa Isabel do Morro, do povo indígena Karajá, na Ilha do Bananal, teve três membros de uma mesma família mortos pela Covid-19. São as consequência de uma pandemia sem controle nas terras indígenas que sobrevivem com o mínimo apoio de organizações parceiras e das próprias comunidades indígenas que tentam através de campanhas online conseguir itens básicos de enfrentamento à pandemia.
Na segunda-feira, em carta à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a ONU contestou os vetos do governo ao PL 1142 e afirmou que o estado brasileiro deve adotar “medidas afirmativas concretas” para lidar com grupos vulneráveis e se diz “preocupada” diante da recusa do Executivo em assegurar orçamento.
Ao sancionar o projeto, o presidente Bolsonaro vetou, ao todo, 22 dispositivos, entre eles os que dizem respeito à oferta de água potável, leitos de UTIs e recursos extras para a assistência a essas populações. O veto, de número 27, será apreciado na sessão desta quarta-feira do Congresso, 19, a partir das 10h. Até o horário da votação, haverá uma intensa mobilização da sociedade civil e de parlamentares que, desde o mês de julho, pedem a derrubada dos 22 vetos ao projeto de lei.
Segundo dados do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, o Brasil contabiliza a trágica marca de 689 indígenas vítimas da Covid-19, mais de 26 mil contaminados e 154 povos atingidos. Entre os quilombolas, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) contabiliza mais de 4 mil casos confirmados e 153 óbitos.