Número expressivo de terras indígenas passariam a estar desprotegidas e vulneráveis à grilagem no estado
Em decisão nessa segunda-feira (23), o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a suspensão dos efeitos da Instrução Normativa (IN) 09/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Roraima. A determinação atende manifestação do Ministério Público Federal (MPF) que, além de defender o direito dos indígenas às suas terras, alerta para acirramento de conflitos fundiários e da grilagem de terras no estado.
A decisão do desembargador federal Souza Prudente indeferiu recurso interposto pela Funai e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contra liminar da Justiça Federal de Roraima, por considerar, entre outros fundamentos, a possibilidade de efeitos irreversíveis ou de difícil reversão. A IN 09, editada em abril deste ano, permite que estados interfiram em processos demarcatórios em curso para autorizar a regularização fundiária, ou seja, a medida desprotege juridicamente terras indígenas que ainda estão em processo de homologação.
Para o MPF, ao retirar terras indígenas cujo processo de demarcação ainda não foi concluído dos sistemas de gestão fundiária (Sigef) e de cadastro ambiental rural (Sicar), a normativa traria significativos riscos ao estado de Roraima, pois é expressivo o número de terras indígenas que passariam a estar desprotegidas e vulneráveis à grilagem, exploração de recursos naturais, conflitos fundiários e danos socioambientais.
O estado conta com 25 terras reivindicadas, 1 terra em estudo, 31 terras regularizadas e 1 terra em estudo de ampliação, as 32 últimas já reconhecidas como tradicionalmente habitadas por indígenas e as 26 primeiras com potencial reconhecimento dessa condição. A IN 09 representaria risco, segundo levantamento do MPF, a mais de 10 milhões de hectares de territórios tradicionais, pois poderia gerar disputas com proprietários de imóveis rurais que estivessem sobrepostos a essas áreas.
Na prática, no estado de Roraima, o órgão ministerial constatou a existência de 560 ocupações com inscrição no cadastro ambiental rural em áreas sobrepostas a terras indígenas. Dessas, 29 estão sobre a terra dos Waimiri-Atroari e 31 sobre a terra dos povos isolados Pirititi, apesar de haver estudos para ampliação e identificação dessas áreas. Ou seja, além de efeitos lesivos aos direitos territoriais dos indígenas, a IN prejudicaria a própria segurança jurídica da gestão fundiária e dos negócios imobiliários, incentivando também a grilagem de terras.
A liminar deferida pela primeira instância e agora também ratificada pelo Tribunal determina que a Funai considere, na emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites, as terras indígenas que ainda estão em processo de demarcação e mantenha os dados no Sigef e Sicar. Da mesma forma, voltam aos cadastros e ficam proibidos os cadastros sobrepostos de particulares, as terras indígenas não homologadas, nas situações indicadas pelo MPF. E como gestor do Sigef, o Incra tem de providenciar os meios técnicos para o imediato cumprimento da decisão judicial.
Também está mantido o prazo de 72 horas para o cumprimento das ações sob pena de multas diárias que vão de R$ 20 mil a R$ 2 milhões por ato contrário à decisão.
Atuação do MPF – Quando da publicação da IN 09/2020, em abril deste ano, o MPF encaminhou recomendação à presidência da Funai para que a normativa fosse anulada e, ao Incra, para que não a cumprisse. A recomendação, assinada por 49 procuradores e procuradoras da República de 23 estados da federação, não foi acatada pelos órgãos citados. Com isso, foi ajuizada uma série de ações civis públicas para anular os efeitos da normativa nos estados que enfrentam a situação.
Leia a íntegra: Decisao 1031626-54.2020.4.01.0000