A elaboração de um plano do Governo Federal que atenda as necessidades de proteção integral dos povos originários se arrasta por quase um ano. Na quarta versão, o plano apresentado continua ignorando considerações de especialistas sobre problemas estruturais nos territórios.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib se manifestou sobre a quarta versão do “Plano Geral de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas Brasileiros”, apresentado pela Governo Federal, no contexto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 709 que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A elaboração de um plano que atenda as necessidades de proteção integral dos povos originários se arrasta por quase um ano.
Na petição encaminhada ao ministro do STF Luís Roberto Barroso, relator da ADPF 709, a Apib alerta para o flagrante descaso do Estado brasileiro com os povos originários: “Enquanto os povos indígenas esperam um provimento judicial que dê proteção concreta aos povos e comunidades, o vírus avança sobre os territórios indígenas.” Além disso, a organização pede a não homologação do plano, tendo em vista que o plano apresentado segue ineficaz e insuficiente. Um exemplo são as medidas indicadas para conter invasões aos territórios indígenas que, ao ser tratada de forma superficial no plano, demonstram o menosprezo pela gravidade da situação.
Enquanto, por um lado, o processo da ADPF 709 se estende por ineficiência e falta de vontade política do Governo Federal em garantir a devida proteção dos povos originários durante uma crise sanitária global, por outro lado, a Funai publica a Resolução Nº 4, cujo objetivo é “definir novos critérios específicos de heteroidentificação que serão observados pela FUNAI, visando aprimorar a proteção dos povos e indivíduos indígenas, para execução de políticas”, violando direitos dos povos indígenas que possuem respaldo na Constituição e em tratados internacionais. A justificativa da resolução, na prática, sustenta apenas os critérios racistas que excluem a totalidade da população indígena no Brasil do Plano Nacional de Imunização contra Covid-19, que seria a medida mais efetiva para conter o avanço do vírus.
A quarta versão do plano também segue sem atender às considerações de cunho técnico feitas pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Fiocruz, e ainda ignora críticas e sugestões da Defensoria Pública da União (DPU), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Procuradoria Geral da República (PGR).
De acordo com a petição da Apib, a União, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), tenta camuflar a situação nos territórios, as tensões e violências crescem: “Lideranças indígenas morrem, o garimpo e o desmatamento avançam diariamente e a máquina pública, por meio de seus agentes que não possui compromisso com os princípios republicanos, que por determinação constitucional deveriam proteger os povos originários, trabalham para baixar expedientes que facilitam a apropriação das terras indígenas.”
As recorrentes ações do Governo que impedem a implementação de uma ação de enfrentamento da pandemia da Covid-19 entre os povos indígenas não são surpresa. Na ocasião da aprovação do projeto de lei 1142/2020 que criava o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas, o presidente Jair Bolsonaro vetou 22 trechos que, se aprovados, impedia a implementação de medidas que salvariam vidas. No entanto, 16 vetos foram derrubados pelo Congresso Nacional. Ao final do processo de aprovação da lei, que durou cerca de 4 meses, mais de 700 indígenas já haviam falecido devido a complicações do novo coronavírus, incluindo lideranças históricas.
Dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena registrou, até a última terça (16), 48.678 casos de contaminação e 965 óbitos em decorrência do novo coronavírus. Mais da metade dos 305 povos indígenas do país e os Warao, originários da Venezuela e refugiados no Brasil, foram diretamente impactados pela Covid-19. “Não são números, são vidas. Quantos indígenas precisam morrer para implementar um plano emergencial?”, questiona Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib, diante da incapacidade de garantir o direito à vida dos povos indígenas.