Povo de recente contato, os Arara pedem pela conclusão da regularização fundiária para colocar fim aos conflitos e impedir o desmatamento
Altamira (PA) – Movidos pela urgência de garantir seus direitos para preservar suas vidas e território, o povo Arara da Terra Indígena Cachoeira Seca, oeste do Pará, lança nas plataformas digitais a campanha “Povo Arara – Guardiões do Iriri”, nesta terça-feira, 16 de março, Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas. A Iniciativa da campanha é da Associação Indígena do Povo Arara da Cachoeira Seca (Kowit).
Povo de recente contato, os Arara têm sofrido há anos com a violação de seus direitos e a campanha é um chamado para sensibilizar e mobilizar a sociedade civil para apoiá-los na luta pela preservação da terra indígena. Com isso, espera-se pressionar o Governo Federal para que conclua o processo de regularização fundiária da área que, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), está há seis anos no topo da lista das terras indígenas mais desmatadas do Brasil.
Embora o Governo Federal tenha determinado a homologação e demarcação da reserva de 733 mil hectares, em abril de 2016, beneficiando com posse permanente e usufruto exclusivo o povo Arara, o território indígena é alvo constante da ação criminosa de extração ilegal de madeira. E a regularização fundiária que na fase em que está prevê a retirada dos não indígenas do território, é um passo essencial para a sua preservação.
“Nosso território está sendo muito destruído e nossos direitos estão sendo violados. Estamos aqui para lutar pelos nossos direitos. Essa campanha é para mostrar para o mundo que não estamos sendo respeitados pelo governo brasileiro e outras autoridades. Estamos pedindo pela desintrusão da nossa reserva”, explica o cacique Mobu Odo Arara da aldeia Iriri da Terra Indígena Cachoeira Seca.
Segundo um levantamento fundiário da Fundação Nacional do Índio (Funai), realizado em meados do ano 2000, 1.234 famílias não indígenas já ocupavam o território dos Arara nesta época. Mas de acordo com Timbektodem Arara, presidente da Associação Kowit, 21 anos depois, com a prática recorrente de loteamento da terra índigena, o número de invasores pode ser muito maior.
“As pessoas estão loteando a terra e vendendo. Moradores antigos estão vendendo terra para novos moradores que estão chegando. Nosso território está homologado e demarcado, só que ficou na fase da desintrusão e até agora nada”, diz Timbektodem que estima haver mais de 2.300 famílias ocupando atualmente na área de modo irregular.
Diretor do Instituto Maíra, o antropólogo Daniel Lopes Faggiano que é indigenista do povo Arara, explica que a campanha tem por objetivo contribuir com a promoção da justiça ambiental e a valorização dos direitos constitucionais do povo Arara, bem como dos não indígenas de boa-fé que ocupam a reserva.
“É uma campanha que visa construir um grande pacto de paz na região, dar um basta na violência. Todos os direitos devem ser respeitados, a gente não quer que nenhum direito seja violado, nem mais, nem menos. A proposta da campanha é juntar as pessoas para o diálogo. É importante lembrar que vivemos um momento de muitos retrocessos, estamos entrando em uma Era de catástrofes ambientais, e todos nós dependemos das florestas, dos rios, da natureza. E temos que agradecer aos Guardiões do Iriri por protegerem com a própria vida desde sempre a Terra Indígena Cachoeira Seca”, comenta.
A mobilização terá início com o lançamento oficial do vídeo da campanha “Povo Arara – Guardiões do Iriri”, às 16h do dia 16/03, nas plataformas da campanha (Youtube e Facebook). Mas estão previstas ainda projeções em prédios de cidades como São Paulo e Brasília. E durante toda a campanha serão recolhidas assinaturas em uma petição civil pública que será entregue à representantes do Governo Federal e organizações de Direitos Humanos nacionais e internacionais. O objetivo é reunir 500 mil assinaturas.
Para a realização da campanha “Povo Arara – Guardiões do Iriri”, a Associação Arara Kowit conta com a parceria do Instituto Maíra e das organização No Peace Without Justice (NPWJ) – ONG belga, a Associação Interamericana de Defesa Ambiental (AIDA), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) e Revista Xapuri.
O território indígena mais desmatado do Brasil
O povo Arara da Terra Indígena Cachoeira Seca tem um histórico de luta e resistência bastante emblemático. Impactados pela construção da Rodovia Transamazônica e pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, o grupo que se estabeleceu no final dos anos de 1980 na aldeia Iriri, à margem direita do rio de mesmo, vive em condições das mais preocupantes dentre as situações de vulnerabilidade de terras indígenas brasileiras.
É o que indica o Ministério Público Federal que afirma em nota que “a T.I. Cachoeira Seca vem sendo dilapidada, com a abertura de inúmeros ramais utilizados para extração de madeira. E a ocupação não indígena na área tem transformado significativamente o cotidiano da comunidade que vive aterrorizada.” E não à toa, já que o índice de desmatamento na T.I. tem avançado.
De acordo com o Inpe, em 2020, a T.I. Cachoeira Seca se manteve como a terra indígena mais desmatada do Brasil pelo 6º ano consecutivo. Para que se tenha uma ideia da devastação do território dos Arara, em 2018, foram desmatados 54,2 Km², seguidos por 61,3Km², em 2019, e 72,4 Km², em 2020. Ainda segundo o Inpe, entre 2008 e 2020, a TI Cachoeira Seca perdeu um total de 367,9 Km² de floresta. Devastação que corresponde a uma área maior que a cidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais (331,3 Km²).
Mobu Odo, cacique do povo Arara explica que ao caminhar pela mata é possível perceber que as invasões se aproximam. “Escutamos o barulho das motosserras e avistamos muitas picadas na mata. E as invasões estão cada vez mais perto da nossa aldeia”, diz.
A regularização fundiária da Terra Indígena Cachoeira Seca, foi uma das principais condicionantes para a construção da usina de Belo Monte, orientada por meio de parecer técnico pela Funai, que considerou o grupo vulnerável.
“Foi a própria Funai que, em 2010, afirmou que Belo Monte apenas seria viável se concluída a desintrusão da TI Cachoeira Seca. Destaque-se, ainda, que o conflito existente nessa localidade vem sendo utilizado pela concessionária Norte Energia como justificativa para a demora na construção da base de vigilância do plano de proteção do território, que, segundo a concessionária dependeria, de apoio da Força Nacional.”, afirma o MPF em nota que alerta ainda para o risco de genocídio do grupo Arara, “que se encontra desprotegido na localidade”.
Para o sertanista e indigenista Sydney Possuelo, que esteve na Frente de Atração Arara/Funai que em 1987 estabeleceu o primeiro contato com o grupo Arara da aldeia Iriri, último grupo de sua etnia a deixar o isolamento voluntário, a regularização fundiária é também uma reparação histórica. “O estado brasileiro promoveu, organizou e financiou o contato com o povo Arara. Portanto, o estado brasileiro é o responsável pela demarcação e segurança de sua terra.”
É importante ressaltar ainda que a reserva faz parte de um mosaico chamado Terra do Meio, no Médio Xingu, que abriga uma das mais importantes biodiversidades da Amazônia, a preservação da T.I. Cachoeira Seca representa a luta e resistência não apenas do povo Arara, mas uma luta universal.
“A cada ano que passa sem que seja feita a desintrusão da nossa terra, aumentam as queimadas, derrubadas, invasores e retirada da nossa madeira. E não queremos isso. Queremos a nossa floresta em pé, nossa terra viva, porque a terra é a nossa vida”, enfatiza ao completar Talem Arara, representante feminina da Associação Kowit.
Sobre a Associação Indígena do Povo Arara da Cachoeira Seca (Kowit)
A Associação Indígena do Povo Arara da Cachoeira Seca (Kowit) foi criada em 2017 para representar o povo Arara da aldeia Iriri da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará, que desde o contato, em 1987, tem um histórico de luta e resistência. A associação recebe o nome Kowit em homenagem a um de seus guerreiros que defendeu o território, mas foi preso e morreu esquartejado. Uma forma de manter viva a memória do guardião Kowit, sem jamais esquecer os problemas e as violências do passado, o que inspira o povo Arara na construção de um mundo melhor e justo pra todos.