A Funai (Fundação Nacional do Índio) está levando adiante um plano de localização de indígenas em contexto de isolamento na terra Ituna-Itatá, no Pará, o que preocupa indigenistas e contraria recomendações do MPF (Ministério Público Federal) e do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos).
A portaria que interditou a área tem prazo de validade até janeiro próximo, quando precisa ser reeditada pelo governo federal por mais três anos. Se a Funai declarar que supostamente não localizou os indígenas, isso poderá ser usado pelos adversários políticos da terra indígena para questionar a interdição da área. Por outro lado, um contato pode levar doenças e colocar em risco a vida do grupo isolado, ainda mais no contexto da pandemia do coronavírus.
O país tem hoje 114 registros de indígenas em contexto de isolamento em diversos estados, mas não há notícia de outras expedições com a envergadura da que está sendo organizada para Ituna-Itatá.
A Funai elaborou um processo administrativo com mais de 70 páginas cujo assunto é “Plano de localização de índios isolados (registro no 110- Igarapé Ipiaçava), Terra Indígena Ituna-Itatá”.
Em 13 de abril último, o presidente da Funai, o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, assinou um despacho pelo qual aprovou o plano de trabalho e um cronograma para a ação que ganhou o nome de “Expedição Locus”. Ele escreveu sobre “a necessidade de concluir sobre a existência ou não de indígenas isolados na referida área”.
Uma tabela produzida pela Funai mostra que a operação primeiramente seria desencadeada em quatro etapas entre o final de 2020 e o início de 2021 ao custo preliminar de R$ 200 mil. O plano foi adiado no ano passado mas, segundo apurou a coluna, já foi retomado.
A Terra Indígena Ituna-Itatá, com cerca de 142 mil hectares, é localizada nos municípios de Altamira e Senador José Porfírio, ambas no Pará. Ela foi interditada pela primeira vez em 2011, já que a proteção a indígenas isolados na região era um dos condicionantes para a licença de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. A cada três anos, a portaria de interdição precisa ser renovada.
As invasões na terra indígena recrudesceram nos últimos anos e o desmatamento atingiu “níveis alarmantes” a partir de 2016, segundo um relatório da Funai, levando o local ao “ranking das terras indígenas mais desmatadas do Brasil em 2019”. Naquele ano, primeiro do governo de Jair Bolsonaro, a terra indígena “passa a ser a terra indígena mais desmatada do país”, com aumento de 700% na taxa de desmatamento em um ano. Em 2020, foi desmatada uma área equivalente a mil campos de futebol.
A interdição da área, contudo, é alvo de pressões de políticos do Pará. Em setembro de 2019, o senador e pastor evangélico Zequinha Marinho (PSC-PA) encaminhou uma carta ao então ministro-chefe da Segov (Secretaria de Governo) da Presidência da República, o general da reserva Luiz Eduardo Ramos. Ele chamou de “grave equívoco” a portaria que, em janeiro de 2019, reeditou a interdição da terra Ituna- Itatá por mais três anos e pediu a anulação da decisão.
Senador pediu expedição para localizar os isolados
Na carta, senador pediu que fosse realizado “um levantamento in loco na região para constatar a existência, ou não, desses índios, que até hoje ninguém daquelas localidades conheceram”. A Funai deu à sua operação o nome de “Locus” (lugar específico), que lembra a expressão in loco usada pelo senador.
Meses depois da carta, o senador gravou um vídeo de apoio a garimpeiros ilegais do Pará que protestavam contra uma operação doIbama que reprimia crimes ambientais no Estado.
Em nota à coluna do UOL em novembro de 2020, o senador afirmou que “caso seja comprovada a existência de índios isolados, aquela área será corretamente decretada como Terra Indígena, caso não se comprove a existência de indígenas, a terra deverá ser finalmente desbloqueada, amenizando os conflitos rurais na região”.
Em novembro passado, depois que o UOL revelou que a Funai trabalhava com a possibilidade de reduzir a Ituna-Itatá quase à metade, o MPF de Altamira (PA) recomendou que o órgão se abstivesse de realizar qualquer operação de localização de indígenas isolados na região. A paralisação, segundo o MPF, deveria durar até que o governo federal providenciasse a retirada de invasores, madeireiros e grileiros e a regularização fundiária da área.
Na mesma época, a organização não governamental OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) divulgou um relatório de 81 páginas que revelou a “movimentações de atores públicos para a redução da Terra Indígena Ituna-Itatá”. A OPI procurou o MPF.
No relatório, a OPI manifestou preocupação sobre operação de localização de isolados, ainda mais no contexto da pandemia do coronavírus. “As informações levantadas pela equipe da Frente de Proteção Etnoambiental do Médio Xingu formam um conjunto coerente sobre a presença dos isolados, tanto do ponto de vista geográfico (mobilidade através de um corredor situado nas cabeceiras dos igarapés) como do ponto de vista histórico (relação das informações recentes com os registros historiográficos sobre a ocupação indígena)”, aponta o relatório.
Em maio último, o CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) aprovou um relatório pelo qual recomendou à Funai “abster-se de dar prosseguimento nas atividades de localização dos indígenas isolados da TI Ituna/Itatá até que todos os invasores da Área de Restrição de Uso sejam retirados, promovendo a integridade física e territorial dos isolados e garantindo a segurança mínima necessária para a atuação da equipe de campo da Funai”.
Em resposta de dezembro de 2020 à recomendação do MPF, o diretor do DPT (Departamento de Proteção Territorial) da Funai, Cesar Augusto Martinez, respondeu que “não caberia, em nosso entendimento, falar em processo de desintrusão da TI Ituna-Itatá, por ser esse um procedimento posterior à homologação do território devidamente identificado como de ocupação tradicional de povo ou grupo indígena isolado”.
No ofício, Martinez disse ainda ao MPF que entendia “ser essencial que a Funai mantenha a realização da Expedição de Localização, uma vez que se trata de trabalho cuja continuidade e aprofundamento se configura como único mecanismo possível para a efetiva verificação da possível existência de indígenas isolados na TI Ituna-Itatá, partindo, claramente, do pressuposto de garantia de condições de segurança não só pela Funai, mas pelo Estado brasileiro e suas forças de segurança”.
Funai diz que expedições “têm caráter reservado”
Em nota enviada à coluna nesta quinta-feira (29), a Funai disse que, “por meio de sua Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), vem realizando, periodicamente e de forma sistematizada, expedições para esclarecer e consolidar com provas (positivas ou negativas) os registros de índios isolados, bem como realizar o monitoramento e proteção das áreas onde existem tais registros”.
Indagada se recebeu pedidos da Presidência da República ou do senador Zequinha Marinho para realizar a expedição, a Funai respondeu: “Como as expedições têm caráter reservado, visando à proteção de tais comunidades indígenas, a Funai não informa as datas nem o local de sua realização. A fundação esclarece ainda que as expedições são planejadas e realizadas pela CGRIIC com base em critérios técnicos, e jamais por solicitação ou a pedido de terceiros”.
“Com relação às medidas de prevenção ao coronavírus, a Funai esclarece que, na execução dos trabalhos, cumpre todos os protocolos de saúde necessários e estabelecidos pelos órgãos sanitários. Cabe ressaltar também que a Funai, dentro dos limites legais, atende a todas as recomendações do Ministério Público Federal”, afirmou a nota.
Via Coluna – Rubens Valente do Portal de Noticiais UOL