Por Tatiana Scalco, especial para os Jornalistas Livres

Aumenta o nível de tensão no Território Indígena Tupinambá de Olivença, localizado na região do baixo sul da Bahia, entre Ilhéus, Una, Buerarema. Na última semana, homens armados “visitaram” o território, especialmente no entorno da aldeia Cajueiro. Ameaças, destruição de cercas, destruição de casas em construção foram alguns dos resultados. 278 famílias indígenas que utilizam o território e estão impactadas, principalmente àquelas das aldeias Aldeia Cajueiro, Acuipe de Baixo e Lagoa dos Mabaços.

A situação se intensificou no final do mês de julho, após a publicação da decisão da juíza federal substituta, Leticia Daniele Bossonario, suspendendo o processo de reintegração de posse até “o julgamento do Tema 1.031 pelo Supremo Tribunal Federal, ressaltando a cassação da liminar deferida nestes autos” (19.07.2021).

“não é para ter medo, é para ter respeito”

Desde o dia 1ª de agosto, “a gente vêm sofrendo ataques e sofrendo ameaças”, informa o cacique Val. E comenta que “fui ameaçado no domingo, né. Eles no carro, numa Hilux, e que veio tirar foto minha e falando que ele viu que a gente não ia construir nada, que eu ia receber taca se continuasse ocupando aquela área e que eu retirasse todos os índios que moram naquela redondeza”. O Cacique denuncia que as ameaças foram proferidas pelo Sr. Lau Sabino. E complementa que o Sr. Lau disse que “não tinha medo” e o Cacique respondeu: “não é para ter medo, é para ter respeito”

Cacique Val, Valdonisio Pereira dos Santos, é cacique das aldeias Acuipe de Baixo, Cajueiro, Acuipe de Baixo e Lagoa dos Mabaços do Território Tupinambá de Olivença. Sua luta em prol da defesa dos direitos dos povos originários deixou-o exposto e sob ameaças. Atualmente ele é uma das 53 lideranças indígenas da Bahia que são assistidas pelo Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), por estarem sob diversos tipos de ameaças, inclusive de morte.

Segundo o Cacique Val, o preposto, “gerente da Ilhéus empreendimentos, conhecido como Lau Sabino, sempre circulou pela área”. E continua dizendo que já haviam feito denúncia junto à Polícia Federal, porque “ele sempre andou com policiais à paisana armados, policiais civis, policiais militares, da redondeza”.

Roselito Cares De Sousa, conhecido como Lau Sabino, foi candidato à vereador nas eleições 2020 pelo PSL, ficando como Suplente na vereança no munícipio de Ilhéus- BA. Em 2016 também foi candidato a vereador, pelo PSB, e também ficou como suplente. Mais informações no site do TSE 

O site Informe Cadastral apresenta a ILHEUS EMPREENDIMENTOS S/A, CNPJ 09.023.508/0002-60, com filial no endereço Fazenda Cajueiro, S/N, Una/BA – CEP 45690-000. Já no site sobre empresas na Bahia, a empresa apresenta-se como tenod sua atividade econômica principal Incorporadora. Interessante que o endereço apresentado está dentro do TI Tupinambá de Olivença.

Desde no domingo, todos os dias, o Sr. Lau e sua equipe tem ido à Aldeia Cajueiro, ameaçando e coagindo os indígenas, “escorraçando o pessoal das casas, derrubando os piquetes, derrubando as cercas, cortando arames”.

Ameaças aos indígenas

Três dos indígenas da aldeia tiveram que sair correndo do local – Érico, Ednaldo e Adelson Barbosa – e foram ameaçados de que seus carros e motos seriam apreendidos.

Ednaldo, um dos indígenas ameaçados comenta que “ninguém sabe se eles são policiais, se eles são pistoleiros”. E continua dizendo que “eu sei que o Seu Lau deixou eles aqui, fazendo ronda aqui” e na sequência eles iniciaram as ameaças e agressões. Ednaldo denuncia que o carro dele está parado lá, sem poder retirar, e continua “eles me agrediram” e tiraram fotos.

Ednaldo passou a tirar fotos daqueles que o estavam ameaçando. Os homens questionaram porque ele estava tirando as fotos, e ele respondeu “porque vocês estão tirando a minha (foto)”. Os homens continuaram ameaçando prender o carro e solicitaram sua habilitação. Ednaldo não entregou, falando que eles não eram polícia, pois se fossem polícia, que apresentassem sua identificação. Eles não quiseram se identificar, mas continuaram as ameaças.

“seis cidadão, com uniforme bege, dizendo que é da polícia (…) disseram que era para parar e saíram chutando tudo”

O indígena Adelson Barbosa do Nascimento denuncia que na segunda-feira, dia 2 de julho, ele estava na Aldeia Mangaba “aterrando o meu terreno, (…) e chegou seis cidadão, com uniforme bege, dizendo que é da polícia”. Eles disseram que “era para parar” e saíram “chutando tudo”, e também tentaram levar sua moto.  Adelson clama por “providencias, porque ali é terra indígena”. E continua dizendo que estão ameaçando pessoas; local que tem muitas crianças, senhores de idade. Complementa dizendo que “estão aterrorizando lá, bateram em três rapaz e ameaçaram uma família que estava lá e já morava lá há muito tempo, ameaçaram tocar fogo na casa do pessoal”.

Adelson finalizando pedindo “por favor, alguém tome alguma providência”.

“um carro da cor vinho está rondando a área indígena”

O indígena Érico Santos dos Reis, Tupinambá de Olivença, denuncia que “um carro de cor vinho está rodando a área indígena, impedindo as pessoas de trabalharem, até mesmo batendo em algumas pessoas”. E continua dizendo que “ derrubaram uma parede da minha construção e a noite, quanto eu estava dormindo tentaram abrir a porta. Foi quando eu liguei a lanterna do celular”. Então, saíram depressa.  Érico conclui dizendo que “um rapaz conhecido como Lau estava nesse carro”.

Lau diz que “isso aqui é dele”

Outra das lideranças da comunidade comenta que Lau tem passado pela manhã e tarde na comunidade. Fala que “todo dia ele (Lau) vem aqui e esculacha os caras que estão construindo, manda parar a obra aqui”, dizendo que “isso aqui é dele”. Completa que “eles ficam aqui com um policial à paisana amedrontando todo mundo” e pede providências ao cacique Val.

Cacique Val informa também que um ancião da Aldeia Cajueiro que vive num barraco de tábua foi ameaçado. Disseram para ele que “se não sair, eles vão queimar com ele (o ancião) dentro”. Já a casa do ancião Pedro, 76 anos, também foi violada, quebraram o telhado e abriram buracos na parede.

No dia 05 de agosto, quinta-feira, mais casas foram derrubadas na aldeia Cajueiro.

“As Lideranças gravaram vídeo mostrando as casas derrubadas, sendo entre as imagensa construção destruída pelos homens do Sr. Lau e falando que eles estão “pagando de polícia”. O Dr. Marcelo Bloizi, advogado sócio do escritório “Pataxó e Bloizi Advogados” , professor de direito e um dos defensores da comunidade, comenta que:

 “ a conduta do Lau Sabino, que se apresenta como preposto da Ilhéus Empreendimentos, é reflexo de uma escalada de violência contra as comunidades e povos tradicionais, (…), principalmente porque esses indivíduos não têm respeitado decisões judiciais que determinam suspensão de processo no nosso país. Eles desafiam a autoridade do Poder Judiciário.”

Eles desafiam a autoridade do Poder Judiciário

Dr. Bloizi continua e destaca que “esse senhor Lau Sabino é da mesma linha do presidente da República”. Observa que Lau Sabino é filiado e concorreu pelo PSL nas últimas eleições a vereador de Ilheus, não tendo se elegido. E explica que o Sr. Lau “mantém o mesmo discurso agressivo do presidente da República, contra os povos indígenas e as comunidades tradicionais no geral”, sendo reverberado por todo o país.

Comenta ainda que as pessoas que seguem o que o presidente da república diz, “agem com a violência própria do discurso do presidente”, o que leva a essas medidas diárias de violência contra a comunidade indígena tupinambá de Olivença, liderada pelo Cacique Val. Ameaças que passam pelos crimes de dano e violência com lesão corporal contra agricultores, com o objetivo de intimidar a comunidade.

Nossa Terra é um lugar sagrado

O Cacique Val reforça que a área em questão, é “um bem natural, histórico e também um bem cultural, porque ali os nossos antepassados sobreviveram e a gente sobrevive até hoje e é um lugar sagrado que a gente pratica nossos rituais. É um lugar sagrado por a gente ter os rios, o mangue, a mata e o mar. E com isso estamos pedindo as autoridades, a imprensa e aos demais colaboradores, que venham fazer justiça, para que a gente não pague mais com a vida, nesse momento que a gente está passando de ameaça”.

A comunidade seguirá firme na luta pela garantia de seus direitos

Dr. Bloizi declara que a “comunidade seguirá firme na luta pela garantia de seus direitos, que não se furtarão a fazer valer, por meio de todas as vias institucionais, a garantia da manutenção de decisão do STF, que é quem dá a palavra final no nosso país. E conclui, declarando que “não vai ser um preposto de uma empresa que está aí iresignada com a decisão judicial que vai dar a última palavra neste caso. Quem dá a última palavra neste caso é o STF e a gente vai recorrer para a força das instituições no nosso país.”

Cronologia das ameaças recentes

Dia 1 de agosto de 2021| Lideranças e membros da comunidade estavam em reunião na área da aldeia Cajueiro e “foram coagidos e ameaçados pelo Sr. Lau Sabino, preposto da Ilhéus Empreendimentos, acompanhados por homens, entre eles um identificado como sendo policial da Companhia de Canavieiras e guardas municipais de Una”. Eles ameaçaram e disseram que (eu) tinha que tirar todos os índios da área, informa Cacique Val.

Dia 2 de agosto | Os mesmos homens retornaram, tiraram os piquetes, quebraram alvenaria das casas construídas e cortaram cercas na Aldeia Cajueiro.

Dia 4 de agosto | Os homens voltaram de novo, invadiram a área, colocaram os indígenas para correr, derrubaram mais cercas, alvenarias, ameaçaram levar as motos dos indígenas e deixaram recado que pegariam todos e dariam surra nos indígenas que lá continuassem.

No mesmo dia, 4 de agosto, esses homens pegaram três jovens agricultores que moram na região e os surraram. Os jovens não foram à delegacia denunciar por medo. Segundo Cacique Val, “eles (os jovens agricultores) estão todos quebrados”.

Dia 6 de agosto| Mais uma vez retornam a terra indígena. Ameaçam. Destroem casas. Quebram telhado e abrem buracos na parede da casa do ancião Pedro, 76 anos.

Entenda o caso

O TI Tupinambá de Olivença é uma das 17 terras indígenas que tiveram seus procedimentos administrativos devolvidos do Ministério da Justiça para a FUNAI para se adequarem ao Parecer 001/AGU (o qual encontra-se suspenso por força de decisão do STF até que seja julgado o processo de repercussão geral – RE 10.17365).

2009

1 –  Foi Publicado o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, em 47.376 hectares. Desde aquele momento não havia impedimentos administrativos ou jurídicos para obstar o andamento do procedimento de demarcação. Até o hoje aguarda-se a emissão da sua portaria declaratória pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

2017

2 –Em julho de 2017, a Advocacia Geral da União (AGU) publicou o Parecer Normativo 001/2017, que determinou que toda a administração pública federal adotasse uma série de restrições à demarcação de Territórios Indígenas (Tis). Entre elas, estão as condicionantes do caso da TI Raposa Serra do Sol (RR), de 2009, e a tese do chamado “marco temporal”, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem comprovadamente sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Na prática, o Parecer 001/2017 serve para inviabilizar e rever demarcações, mesmo aquelas já concluídas ou em estágio avançado. A tese legitima as invasões, expulsões e a violência que vitimaram os povos indígenas antes da promulgação da Constituição Federal, quando eram tutelados pelo Estado e sequer podiam reclamar seus direitos na Justiça. A medida é considerada inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF) (link nota técnica MPF: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/NotaParecerAGU1.2017.pdf)

2018

3 – Em junho de 2018, a nota 00100/2018/COAF/PFE/PFE-FUNAI/PGF/AGU, assinada pelo Procurador Federal Marcelo Luis C. Rodopiano de Oliveira informa que o processo relativo à identificação e delimitação do TI Tupinambá de Olivença está pronto e cumpre todos os requisitos para que o Ministro de Estado da Justiça emita a portaria declaratória da Terra Indígena Tupinambá de Olivença (link arquivo notaPFE.pdf)

2019

4 – Em outubro de 2019, o Intercept Brasil publicou reportagem informando sobre pressão da Embratur junto à Fundação Nacional do Índio (Funai) para transformar a terra indígena Tupinambá de Olivença em Hotel de Luxo na Bahia. Em ofício, a presidência da Embratur solicita que a Funai que “a demarcação de sua terra indígena, no sul da Bahia, fosse “encerrada” para que um hotel de luxo da empresa Vila Galé, de Portugal, fosse construído na área”. 

 Link para a reportagem: https://theintercept.com/2019/10/27/documento-revela-pressao-da-embratur-sobre-a-funai-para-transformar-terra-indigena-em-hotel-de-luxo-na-bahia/

5– Em Novembro de 2019, os Tupinambá de Olivença foram à Brasília pedir investigação sobre o projeto de hotel de luxo português em seu território, em específico no entorno da aldeia Cajueiro. Protocolaram carta de denúncia. Fizeram reuniões com órgãos federais, na embaixada de Portugal e na sede da Delegação da União Europeia no Brasil. Também denunciaram a situação em reuniões com parlamentares, integrantes do Ministério Público Federal (MPF), com a Comissão Nacional de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Para saber mais veja em CIMI (https://cimi.org.br/2019/11/povo-tupinamba-olivenca-pede-investigacao-projeto-hotel-luxo-territorio/)

6 – Também em Novembro de 2019, após as denúncias dos Tupinambá de Olivença, o grupo hoteleiro português Vila Galé anunciou que iria cancelar a construção de um resort de luxo no litoral da Bahia. 

2020

7 – Em 6 de maio de 2020 o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin determinou a suspensão nacional de todos os processos e recursos judiciais que tratem de demarcação de áreas indígenas até o final da pandemia da Covid-19 ou até o julgamento final do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.031).

8 – Em 04 de setembro de 2020, a empresa ILHEUS EMPREENDIMENTOS S/A peticionou na Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Ilhéus-BA, solicitando reintegração de posse de parte do território indígena Tupinambá de Olivença, em especial na região da Aldeia Cajueiro, numa disputa pela posse de aproximadamente 30 lotes, justificando que a Terra Indígena em questão ainda está pendente de demarcação. A empresa alega ter a posse destas terras desde 1965.

9 – A FUNAI informou no processo que os estudos técnicos necessários à demarcação do Território Tupinambá de Olivença haviam sido realizados e devidamente aprovados pelo Presidente da FUNAI e pendente apenas da publicação da portaria declaratória

10 – A Comunidade Indígena Tupinambá de Olivença manifestou-se no processo a área do Loteamento Canto das Águas é de aproximadamente 616,9980 hectares, sendo que 326,2050 hectares, ou seja, 52,8% desse empreendimento incide sobre a Terra Indígena em questão, tradicionalmente ocupadas por indígenas. Observou também que os finalizados os estudos técnicos necessários à demarcação devidamente aprovados pelo Presidente da FUNAI e pendente apenas da publicação da portaria declaratória.

11 – Em 07 de dezembro de 2020, a Juíza Federal Substituta, Leticia Daniele Bossonario, defere a liminar e decide pela reintegração de posse em favor da ILHÉUS EMPREENDIMENTOS S/A e dá prazo de 20 dias para saída dos indígenas do seu território tradicional, em descumprimento da determinação do STF de maio de 2020.

2021

12– Em 29 de março de 2021, o CIMI entre com reclamação (Reclamação nº 45260) com pedido de liminar de suspensão da decisão proferida pela Juíza bossonario, junto ao STF. A reclamação foi distribuída para o Ricardo Lewandowski

13 –  No mesmo, 29 de março de 2021, o Ministro do STF  Ricardo Lewandowski defere o pedido do CIMI e suspende a decisão liminar de reintegração de posse.

14 – Em 22 de abril de 2021, a Defensoria Pública da União entra no processo, e junto aos defensores da comunidade indígena recorre ao STF, apresentando reclamação, solicitando a suspensão de liminar proferida pela Juíza Bossanario e cumprimento da decisão de maio de 2020.

15 – Em 19 de julho de 2021, a juíza federal substituta, Leticia Daniele Bossonario, suspende o processo até “ojulgamento do Tema 1.031 pelo Supremo Tribunal Federal, ressaltando a cassação da liminar deferida nestes autos”.

16 – Em 01 de agosto de 2021, o Sr. Laurindo acompanhado por homens que se identificaram como policiais militares e guardas municipais aumentam o nível do assédio e violência junto aos indígenas. Amplia-se a violência contra os Tupinambá de Olivença.