No dia 18 de dezembro, moradores da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns se reuniram na comunidade de São Pedro, na região do Arapiuns, para fazer a eleição da nova diretoria da Organização das Associações e Moradores da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (Tapajoara). A equipe do Tapajós de Fato foi até a comunidade São Pedro e acompanhou a programação.
Criada em 1998, a área da Reserva é de 677.513,24 hectares, sendo a terceira maior do Brasil, em seu território há 76 comunidades e destas, 42 duas são aldeias, é território de 13500 pessoas, sendo a reserva mais populosa do Brasil, abrangendo áreas dos municípios de Santarém e Aveiro, região do Baixo Tapajós, margem esquerda do rio Tapajós.
O encontro ficou marcado pelas discussões acaloradas no segundo dia, em que a Comissão Eleitoral, escolhida no mês de agosto, conduzia o processo. Uma das pessoas que fazia parte da Comissão Eleitoral era Livaldo Sarmento, morador da Resex, Livaldo fez algumas observações sobre alguns pontos que infligiram o estatuto da Tapajoara e que já eram suficientes para que não ocorresse a votação.
Ao Tapajós de Fato, Livaldo Sarmento explicou o que aconteceu. Inicialmente é preciso saber a diferença entre Assembleia Geral e Reunião do Conselho Comunitário,pois, “segundo o estatuto da Tapajoara, a escolha ou aclamação de nova diretoria deve ser feita em Assembleia Geral. Já o conselho Comunitário, que é formado por três lideranças de cada comunidade ou aldeia, tem poder de deliberar questões administrativas, políticas e financeiras, mas não de empossar uma nova diretoria”- disse Livaldo.
Livaldo explicou também que o atual regimento eleitoral diz que “se houvesse mais de uma chapa, às eleições deveriam ocorrer nas comunidades polo no dia 12 de dezembro e a posse no dia 18 de dezembro”. Em sua fala, ele conta que o edital de convocação falava de “reunião do Conselho Comunitário”, não deveria ter ocorrido eleição, para isso era preciso fazer convocação para Assembleia Geral Ordinária, “a chapa que foi inscrita não poderia ser aclamada na reunião do lá em São Pedro”.
Segundo Livaldo, o que foi decidido na reunião do dia 18 de dezembro foi apenas “o procedimento, a metodologia” pelo qual seria feita a escolha da nova diretoria, que, no caso, o Conselho Comunitário, escolheu que fosse através de aclamação. No entanto, “a chapa não foi aclamada, muito menos empossada, bem como não foi escolhido e nem votado o Conselho Fiscal”.
Livaldo explicou também que em relação à chapa que se colocou para concorrer à diretoria, estava tudo certo, as pessoas que faziam parte da atual diretoria e que compunham parte da nova chapa, se afastaram das atividades internas, cumprindo o prazo previsto de 45 dias.
Livaldo falou também que foi inserido no regimento que “a Tapajoara iria enviar para a Comissão Eleitoral a lista de todos os associados aptos a votar até o dia 12 de novembro”, que seria um mês antes da eleição, se houvesse mais de uma chapa concorrendo. “Mas a direção da Tapajoara não deixou ninguém organizando essa lista”. Uma lista foi entregue à Comissão Eleitoral apenas no dia 27 de novembro e continha apenas o nome de 640 pessoas aptas a votar. Livaldo diz que “tinham muito mais pessoas que estavam aptas a votar” além de ser uma lista incompleta, pois não continha data de nascimento e as identificações dos documentos pessoais” e considera isto mais um descumprimento”.
Entretanto, o artigo 4º do regimento, combinado com o artigo 40, fala que “os associados admitidos a menos de trinta dias antes da data da eleição não poderão votar”, ou seja, quem foi admitido antes, se estivesse com atraso na Tapajoara, poderia quitar as mensalidades e votar na eleição.
Por conta dos diversos momentos de tensão que tiveram, que acabaram comprometendo a reunião, não houve mais nenhum encaminhamento. “A Tapajoara precisa ter uma eleição dentro que estabelece o estatuto e o regimento eleitoral”- disse Livaldo Sarmento.
O morador da Resex disse ainda que o correto era que “ no dia 18 fosse marcada uma Assembleia Geral em que os presentes não seriam representantes, seriam os associados para aclamar a chapa”. Pois a única instância que possui poder soberano é a Assembleia Geral, segundo o estatuto. “Pois reunião do conselho comunitário não tem poder para eleger chapa”
Não houve prestação de contas
Outra questão que também impossibilitaria a eleição é a não prestação de contas da última gestão. Como o período da atual gestão finda no dia 31 de dezembro de 2021, a prestação de contas deveria ter sido feita no dia 18 de dezembro, na Assembleia Geral, entretanto, não foi definido data para uma nova assembleia para fazer a prestação de contas e a partir do dia 01 de janeiro de 2022 a atual diretoria não poderá responder mais pela Tapajoara.
Ataques aos povos indígenas da Resex
Dentre as diversas falas e insultos, várias foram direcionadas aos indígenas que estavam na reunião, algumas falas que se enquadram até mesmo como crime de racismo, direcionada a grupo de indígenas que estavam na reunião.
Os indígenas foram acusados publicamente de atrapalhar a Tapajoara. Procurada pelo tapajós de Fato, Auricélia Arapiun, que é coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), que representa 13 povos da região do Baixo Tapajós, contou que esses conflitos não são recentes, eles acontecem “a partir do momento em que CITA e o STTR (Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém), pedem na justiça a suspensão de projetos de manejo madeireiro dentro da Resex, por falta de consulta prévia livre e informada aos povos tradicionais, começa os grandes conflitos”
Auricélia Arapiun disse que o que ocorre é uma intensificação dos conflitos a partir do momento em que o CITA passou a questionar, dentro do Conselho Deliberativo da Resex, vários projetos, “começamos a ser visto com outros olhos… passamos a ser visto pela coordenação da Tapajoara como inimigos do povo, inimigos da Resex”.
Auricélia falou ainda que o momento é muito tenso porque o que se quer é “que as coisas sejam feitas do jeito certo, mas infelizmente foi um momento muito conturbado, momento de muitos conflitos na própria assembleia”. A coordenadora disse que o que os indígenas gostariam é que fosse um processo em que todos pudessem participar, “um processo limpo”.
Auricélia disse que será cobrada a prestação de contas “pois não está tendo a prestação, não está tendo transparência. E sobre os ataques e até mesmo criminalização feita às lideranças indígenas, a coordenadora do CITA falou que todas as medidas cabíveis serão tomadas por meio da assessoria jurídica pois, “que não dá para aceitar as pessoas desrespeitando a população que vive dentro do território da Resex”.