Foto: Hellen Loures/Cimi
Apib denuncia contexto crítico e de violação do direito constitucional que envolve, em alguns casos, até cerco armado
A falta de segurança nos territórios aliada à falta de transporte gratuito durante o primeiro turno das Eleições 2022 impediu o exercício do direito ao voto a muitas comunidades indígenas distantes dos respectivos colégios eleitorais. Diversas denúncias e relatos vêm sendo recebidos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) após avaliação sobre a votação do último dia 02 de Outubro.
Ameaças relacionadas à disputa de território, anteriores ao período eleitoral, culminaram em intimidações ao ponto de algumas comunidades evitarem sair de suas terras para votar. O transporte insuficiente e, na maioria dos casos, inexistente, também contribuiu para o alto índice de abstenção no 1º turno, nessas localidades.
Na última quarta-feira, 20.10, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para confirmar a decisão do ministro Roberto Barroso que autoriza a administração municipal a fornecer transporte público gratuito no dia das eleições, sem que isto configure crime eleitoral. Conforme a decisão, será possível também oferecer linhas especiais para regiões mais distantes dos locais de votação. Prefeitos poderão usar ônibus escolares para essa finalidade.
No entanto, a decisão não torna o ato obrigatório, ficando a critério do gestor público, conforme as condições orçamentárias. Em alguns casos, essa prerrogativa abre margem para decisões de cunho ideológico. A Apib declarou apoio ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva nessas eleições.
“Estamos solicitando providências junto aos órgãos responsáveis para que haja maior fiscalização quanto a tentativas de coação e de impedimento ao exercício legal do voto, diminuindo assim o número de abstenção e fazendo prevalecer o direito dos povos indígenas de participar, com dignidade, do processo democrático do País”, afirmou o coordenador executivo da Apib, Kleber Karipuna.
A organização está oficiando o Tribunal Superior Eleitoral, bem como os Tribunais Regionais Eleitorais sobre a necessidade da garantia de transporte para localidades distantes, bem como denunciando crimes eleitorais.
No município de Guajará-mirim (RO), região com maior número de indígenas do Estado, uma população de 4.721 indígenas que vive em 32 aldeias, muitos indígenas foram cooptados a votar no candidato que ofereceu transporte aos que tinham dificuldades de deslocamento. A denúncia foi confirmada pelo advogado Ramires Andrade, que atuou na Campanha Indígena no Estado.
“Infelizmente é bastante comum e nessa eleição em Rondônia não foi diferente. Aliás, bem mais agravada, principalmente para os indígenas da região do município de Guajará Mirim. Além de elevar bastante o número de abstenções, existe essa situação de transporte ilegal”, afirmou.
A falta de transporte comprometeu, segundo ele, principalmente os povos Wari, Canoé, Oro Mon e Jabuti, que vivem em situação de extrema vulnerabilidade. Os povos indígenas de Guajará Mirim representam 10% da população total da cidade, de 46.556 pessoas, segundo o IBGE. O município registrou índice de abstenção de 25,52%, o equivalente 7.225 do total de 28.308 aptos a votar, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em Tocantínia (TO), boa parte do povo Xerente ficou sem votar por conta da insuficiência de transporte. A comunidade manifestou o desejo de que o transporte fique sob a tutela da Justiça Eleitoral, a fim de que não se repita o ocorrido no primeiro turno.
“Disponibilizaram uns micro-ônibus e acabou que não deu para todo mundo ir votar então agora no segundo turno, isso se torna preocupante para a gente porque a gestão é Bolsonaro E aí a gente tem quase certeza que não vai conseguir”, afirma Vanessa Xerente, candidata a deputada federal pela Bancada Indígena.
A cidade teve um índice de abstenção de 15,70%, o equivalente a 765 do total de 4.874 eleitores aptos a votar.
O nível abstenção em todo o País foi de 20,91%, sendo a região Sudeste (21,96%) com maior índice, seguida do Centro-Oeste (21,34%); Norte (20,93%), Nordeste (19,52%) e Sul (19,34%).
De acordo com a provocação do partido Rede Sustentabilidade junto ao STF, que originou a decisão do último dia 19.10, o elevado índice de abstenção no primeiro turno estava associado à crise econômica e à pobreza, o que impacta no direito do voto dos mais vulneráveis. Por isso, requereu o transporte gratuito e universal no segundo turno.
No Amazonas, mais de 400 indígenas do povo Yanomami, que se deslocaram de barco à sede de Barcelos estão sem combustível para retornar às aldeias, desde o dia 02.10. Eles conseguiram gasolina por conta própria para exercer o direito ao voto, depois de terem solicitado que seções eleitorais voltassem a funcionar no território. O pedido foi negado e os indígenas afirmam que esperavam receber o apoio de órgãos públicos, especialmente da Prefeitura, para retornarem para casa. Em alguns casos, a viagem pode chegar a cinco dias, dependendo do tipo de motor utilizado.
Cerco armado
No oeste do Paraná, onde já existem conflitos territoriais no dia a dia das comunidades indígenas, os ataques e ameaças se intensificaram durante o período eleitoral com a propagação de áudios intimidando as comunidades ao ponto de fazer com que eles sequer cogitassem votar.
“Com os Avá-Guarani, foram muitas ameaças e pressões, muitos tiveram muito receio de sair de suas comunidades para votar. Além disso, a região é muito vulnerável socialmente. Estamos tentando acionar os cartórios eleitorais para o apoio ao deslocamento, que todos os anos teve. Este ano, estamos enfrentando uma retaliação por parte dos municípios porque sabem que o povo indígena está com Lula. A gente sentiu muito isso”, afirma Marciano Rodrigues, coordenador institucional da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul).
A situação dos Avá-Guarani é complexa pelo número de comunidades espalhadas na região em grupos que variam de 100, 50 famílias até acampamentos menores, com dez, todos localizados em pontos distantes, todos improvisados. Eles foram desterritorializados para a construção da hidrelétrica de Itaipu.
No município de Prado (BA), onde vivem seis mil indígenas, cidade com maior número proporcional de indígenas da Bahia, a abstenção foi de 27,84%. De acordo com denúncia registrada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além de coação houve fechamento de passagens em estradas para impedir a votação de indígenas. Algumas comunidades registraram cerco armado por pistoleiros e fazendeiros.
A denúncia foi ouvida durante a I Caravana Intercultural Indígena, que passou pela região entre os dias 15 a 17 de outubro. A iniciativa foi idealizada justamente para conter o contexto de violência e violações, por meio da reivindicação de proteção e justiça para os povos originários junto às autoridades.