A partir de 2023, a lei passará por um período de transição de 18 meses e as empresas serão obrigadas a cumprir suas exigências somente em 2025
Na última terça-feira (06/12), a União Europeia aprovou a lei sobre importação de produtos com risco florestal (FERC – Forest and ecosystem-risk commodities) do Parlamento Europeu, mas negou a inclusão de todos os biomas na lei. Além disso, os parlamentares recuaram e não reconheceram os direitos internacionais dos povos indígenas, que tinha sido incluído na proposta durante uma votação no mês de setembro.
A lei antidesmatamento, como também é conhecida, prevê regulações sobre commodities (como carne, couro e madeira) oriundos do desmatamento e da degradação florestal. No entanto, o conceito de floresta considerado pela legislação é definido pela Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), que exclui boa parte dos biomas e áreas naturais brasileiras como o Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal, dessa forma desconsiderando também a vida dos povos originários que vivem nestes locais.
Com a aplicação da lei, apenas 15% do Pantanal, um dos biomas mais atingidos com as queimadas nos últimos anos, será protegido pela lei antidesmatamento. Situação semelhante irá ocorrer com o Cerrado, que tem apenas ¼ de sua área reconhecida como floresta pela FAO e é uma das áreas com avanço significativo do agronegócio e da pecuária.
Em junho de 2022, lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) estiveram com o Parlamento Europeu e pediram que todos os biomas fossem incluídos na proposta, bem como o respeito aos tratados e acordos internacionais que protegem os direitos humanos e indígenas. À época, os representantes afirmaram que as medidas seriam uma resposta concreta à emergência climática e aos casos de violência nos territórios ancestrais.
Além disso, no dia 16 de novembro, a Apib e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (CONAQ) lançaram a nota “Sobre proteção urgente do Cerrado e outros ecossistemas naturais”. O documento ressalta a posição das organizações em defesa de todos os ecossistemas naturais do Brasil.
“Nós instamos à União Europeia a tomar as medidas necessárias urgentes para prevenir o desmatamento importado a partir de florestas, e também o desmatamento importado de outras áreas arbóreas nativas. Isso é crucial no contexto do Cerrado, uma vez que a maior parte da soja exportada para a União Europeia é produzida neste bioma tão ameaçado”, afirma um trecho da nota.
Para Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, o Parlamento precisa ouvir quem sofre diretamente com os impactos das cadeias de produção de commodities. “Desconsiderar os biomas e os direitos internacionais é deixar os povos indígenas à mercê de governos nacionais como o de Jair Bolsonaro, que implementou uma agenda anti-indígena no Brasil e nos ataca constantemente”, afirma ele.
O coordenador também ressalta que, de acordo com um cruzamento de dados realizado pela Apib, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), cerca de 29% do território ao redor das Terras Indígenas está desmatado, enquanto dentro das TIs foi identificado apenas 2% de área de desmatada.
A lei antidesmatamento entrará em vigor em 2023, mas antes passará por um período de transição de 18 meses, ou seja, obrigando as empresas a cumprir suas exigências somente em 2025. Os parlamentares afirmam que questões não resolvidas em negociações anteriores serão decididas nas revisões da lei.
A primeira delas será em um ano, onde a UE avaliará a inclusão de outras terras arborizadas. Depois os parlamentares procurarão incluir o setor financeiro e ampliar a lista de produtos e commodities e, por último, em cinco anos uma revisão geral pretende examinar os impactos da regulação nas comunidades indígenas.
“Nós, povos indígenas, somos os verdadeiros guardiões das florestas. A proteção dos biomas não pode esperar mais tempo, isso é urgente! A Apib continuará incidindo na política internacional e lutando para que todos os biomas sejam adicionados e os povos indígenas sejam respeitados na legislação europeia”, diz Tuxá.
Sobre a Apib
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) foi criada pelo movimento indígena no Acampamento Terra Livre de 2005. A Apib é uma instância de referência nacional do movimento indígena no Brasil, que aglutina organizações regionais indígenas. Ela nasceu com o propósito de fortalecer a união dos povos, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país, além de mobilizar os povos e organizações indígenas contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas.