A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), a Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (FADDH), o Instituto Hori Educação e Cultura, a Justiça Global e a Terra de Direitos enviaram um relatório à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para esclarecer a situação de violência constante a que o povo Pataxó têm sido submetido, no extremo sul da Bahia. A CIDH recebeu o documento na sexta-feira, 24/03.
O relatório do governo enviado à Comissão afirma que “o Estado tem buscado pacificar os conflitos narrados na área em questão, investigar os crimes ocorridos e, em sede judicial, tem assegurado os direitos dos indígenas”. Porém, até o momento os esforços para conter as investidas dos fazendeiros e milicianos contra a vida dos povos indígenas da região se mostraram ineficazes. E a íntima relação de policiais da Bahia com os fazendeiros têm tornado as instituições de segurança inacessíveis e ameaçadoras para os indígenas.
Em diversas oportunidades, os caciques e lideranças Pataxó têm reiteradamente solicitado o envio urgente da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) à região, inclusive em reuniões do Gabinete de Crise do Ministério dos Povos Indígenas, na crença de que ampliar a força-tarefa diminuirá a ousadia dos fazendeiros.
Insegurança e Estado de guerra
O Estado brasileiro conduziu uma Força Tarefa, no âmbito do Sistema Estadual de Segurança Pública, para intensificar o policiamento feito pela Polícia Militar da Bahia, concluir as investigações e ações de polícia judiciária no âmbito da polícia civil da Bahia (PCBA) e do departamento de polícia técnico (DPT), assim como a fomentação da atuação interinstitucional. A medida foi tomada apenas depois que o jovem Gustavo Pataxó foi assassinado pela milícia, em 4 de setembro de 2022. Mesmo assim, em janeiro de 2023, outros dois indígenas foram assassinados às margens da BR 101.
A Força Tarefa culminou com a prisão de três policiais militares da Companhia Independente de Policiamento Especializado da Mata Atlântica (CIPE – MA / CAEMA), no dia 06 de outubro de 2022. Em janeiro, houve grande apreensão de armas e munições, reforço da Força Tarefa e o soldado autor dos últimos dois assassinatos foi preso temporariamente. Também houve a instauração de uma Força Integrada de Combate a Crimes Comuns envolvendo Povos e Comunidades tradicionais (FI/SSP) e a apresentação de um Plano de Atuação Integrada de Enfrentamento à Violência contra Povos e Comunidades Tradicionais.
Mesmo assim, a Federação Indígena das nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT), relata que as comunidades Pataxó tem enfrentado a impossibilidade de realizar denúncias oficiais, por meio de boletins de ocorrência, devido à insegurança em relação às forças de segurança pública.
Como afirma o relatório da Apib, “isso se deu justamente devido à insegurança das comunidades em relação às forças locais, devido à participação de policiais militares em grupos milicianos que, contratados por fazendeiros, atacam as comunidades, o que acaba por comprometer a lisura da Polícia Militar enquanto instituição de segurança, uma vez que muitos policiais que estão agindo à margem da Lei, usando o aparato do Estado, treinamento militar, equipamentos, estrutura e inteligência, para cometer crimes e atentados contra a vida de dezenas de pessoas indígenas vulneráveis, sem condições de defesa.”
Ataque midiático
A mídia protagoniza a guerra contra os indígenas, realizando uma ofensiva contra as comunidades Pataxó, num movimento de propaganda anti-indígena. O povo tem sido alvo de uma série de reportagens em grandes meios de comunicação que questionam a legitimidade da demarcação de seus territórios e, inclusive, a identidade indígena das comunidades envolvidas.
A emissora Jovem Pan News é responsável por circular uma notícia criminosa, no dia 21/03, que, além de trazer uma série de informações falsas, tenta deslegitimar os indígenas em luta pela demarcação de suas terras.
A notícia falsa associa as retomadas das Terras Indígenas de Barra Velha e Comexatibá ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, chama o povo Pataxó de “falsos índios” e atribui a eles crimes praticados pela milícia armada, contratada pelos fazendeiros intrusos, que têm aterrorizado a população da região. Nenhuma liderança indígena foi entrevistada pela reportagem, o que só reforça o caráter racista e calunioso da notícia.
No início de março, a emissora Band também prestou o desserviço de publicar uma matéria difamatória e racista contra o povo Pataxó. Essas e outras empresas de comunicação têm promovido uma campanha midiática contra as autodemarcações na região, que se propagam ainda mais através das redes sociais. As notícias não esclarecem os motivos reais dos conflitos e não apuram responsáveis, atribuindo supostos crimes à luta dos indígenas, ao mesmo tempo em que não reconhecem a legitimidade do povo sobre seu território.
Justiça
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski suspendeu uma decisão da Justiça de Teixeira de Freitas a favor da reintegração de posse nas retomadas de duas áreas na região, na sexta-feira, 24/03. O ministro considerou o despejo uma ofensa à decisão anterior do STF, do ministro Edson Fachin, que em 2021 suspendeu todos os processos que tratem de demarcações de áreas indígenas até o fim da pandemia de covid-19 ou do julgamento final do caso.
Os territórios de Barra Velha e Comexatibá estão delimitados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), aguardando a assinatura do presidente da república na carta declaratória, para homologação dos documentos.
A Fazenda Marie, em Itamaraju, e a Fazenda Santa Rita III, em Prado são reivindicadas como parte das Terras Indígenas e serão mantidas sob a posse do povo Pataxó. A defensoria também apresentou uma Reclamação Constitucional para impedir a retirada dos indígenas de um terceiro imóvel, a Fazenda Therezinha. A área integra a Terra Indígena Comexatibá, em Prado, mesmo local onde o jovem indígena Gustavo Pataxó, de 14 anos, foi assassinado no final do ano passado. Ainda não há resultado sobre o último pedido de suspensão de desocupação.
O Ministério dos Povos Indígenas, apesar de vigilante, ainda não apresentou propostas efetivas para a situação. O gabinete de crise que atua desde janeiro em Brasília, foi prorrogado por 45 dias, mas surtiu poucos efeitos reais sobre a violência. A chegada da comitiva ministerial ao estado é inadiável. A vida de 12 mil indígenas Pataxó não pode mais esperar a discussão de soluções dos conflitos que assolam o território. O único caminho é a demarcação das Terras Indígenas Pataxó e a prisão dos fazendeiros e milicianos criminosos.