O povo Pataxó continua ameaçado pela violência nos territórios indígenas de Barra Velha e Comexatibá, localizadas no extremo-sul baiano. As medidas tomadas pelo Estado, como a criação de um gabinete de crise pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o envio de uma brigada militar pelo governo da Bahia se mostraram ineficientes. Diante da situação crítica, o departamento jurídico da Apib reforçou as denúncias feitas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), relatando novos casos de ataque no território.
A nova manifestação destaca que, apesar da resolução 25/2023 da CIDH, que concedia uma medida cautelar, solicitando que o Estado brasileiro adotasse as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do povo indígena Pataxó, a escalada de violência continua. A CIDH constatou que os indígenas destas áreas estão em “grave e urgente risco de dano irreparável aos seus direitos”.
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Novos ataques
No dia 30/09, cerca de 100 homens, vestidos de preto e armados, participaram do ataque na entrada da Aldeia Gitai. Os criminosos buscavam líderes da comunidade, alegando represália à suposta colaboração deles na contenção do tráfico local. As informações iniciais indicam que não houve registro de feridos. Uma vez que não encontraram as lideranças, os criminosos abriram fogo contra as residências dos líderes e os habitantes da aldeia, causando danos materiais, incinerando carros e motocicletas e disseminando o pânico entre a população.
O Cacique Suruí já havia relatado as ameaças que vinha sofrendo. Sua residência foi o alvo principal. O ataque foi realizado após a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) realizar a audiência pública que tratou do tema “Violação de Direitos dos Povos Indígenas no Estado da Bahia”.
Os depoimentos locais atribuem o ataque a uma quadrilha suspeita de liderar o tráfico de drogas na região, que se estabeleceu na aldeia Xandó, vizinha a Caraíva, através da invasão por pessoas não indígenas. Há uma escancarada corretagem ilegal de terrenos, que incluem áreas de demarcação indígena na região. Devido à investida dos criminosos em busca de controle sobre a área indígena, a violência na região aumentou consideravelmente.
Já a Terra Indígena Comexatibá é atualmente o local com maior quantidade de contestações administrativas no seu processo de demarcação (mais de 150). Logo, esta situação de conflituosidade está associada tanto com a morosidade do poder público em garantir efetivamente a demarcação quanto com a violência. No dia da conclusão do julgamento da tese do Marco Temporal pelo STF (27/09), quando também ocorreu a aprovação do PL 2903 no Senado, houve a ocorrência de focos de incêndio na Terra Indígena Comexatibá. De acordo com o relato de uma liderança, há indícios de atuação criminosa , conforme se vê:
“[…] Este incêndio, é o quarto foco registrado, somente no dia de hoje, no entorno da vila de Cumuruxatiba. Segundo informaram agentes da “Brigada anti-incêndio” do PND/ICMBio, nos grupos de whatsapp da comunidade, de onde operam e moram. Este último que se alastra com os fortes ventos e a alta temperatura, está acontecendo entre a aldeia Kaí e o rio do Peixe. Além de ameaçar avançar sobre as moradias nos arredores, há outros focos. Que, avançam em direção ao Parque Nacional do Descobrimento, às reservas de Mata Atlântica e às aldeias sobrepostas. A gravidade da situação, além dos prejuízos gerados, está no que aparenta ser fruto de uma ação criminosa. Ou uma terrível coincidência, diante da simultaneidade do mesmo dia, em locais de uma mesma área, distrito e Terra Indígena. Gravidade que se multiplica quando concluímos que todos os focos de incêndio ocorreram no território Pataxó, a TI Comexatibá. [….]”
Histórico do conflito
Há anos, o povo Pataxó aguarda pela conclusão da demarcação das duas terras. Em junho de 2022, como forma de proteger seu território e resistir à pressão do agronegócio, do setor hoteleiro e da especulação imobiliária, os Pataxó deram início a um processo de autodemarcação. Desde então, têm sofrido com uma violência intensa, contínua e desproporcional, sendo alvo de ameaças, cercos armados, tiroteios, difamação e campanhas de desinformação.
Entre setembro de 2022 e janeiro de 2023, três jovens Pataxó foram vítimas do conflito na região. Gustavo Silva da Conceição, de apenas 14 anos, foi assassinado com um tiro nas costas durante um ataque de pistoleiros em setembro, na TI Comexatibá. Em outubro, o corpo do Pataxó Carlone Gonçalves da Silva, de 26 anos, foi encontrado, depois dele ter desaparecido na TI Barra Velha. Em janeiro, Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e o adolescente Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, foram perseguidos e executados por pistoleiros numa estrada próxima a uma retomada realizada pelos Pataxó na TI Barra Velha do Monte Pascoal. As investigações mostram que os crimes contaram com a participação de policiais.
Em 20 de janeiro, foi criado um Gabinete de Crise com a finalidade de acompanhar as situações de conflitos relacionadas aos Pataxó região da Bahia. O objetivo primordial do Gabinete era pensar em respostas rápidas e ações sobre os conflitos que estão acontecendo com as comunidades Pataxós.
Porém, as medidas de enfrentamento vão para além da competência e atribuição do Ministério, motivo pelo qual a Apib qualifica a atuação do gabinete de crise como ineficiente. Tal descaso na construção da resposta por parte do Estado é de extrema preocupação, pois sinaliza, inclusive, a falta de articulação interinstitucional do governo brasileiro para responder satisfatoriamente às demandas formuladas pela CIDH para proteção do povo.
Demarcação
Na semana em que o Congresso aprovou o PL 2903, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, enviou ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, dez novas terras indígenas que estão prontas para ter andamento no processo de demarcação, dentre as quais figura a TI Barra Velha do Monte Pascoal.
A solicitação é de que seja feita a portaria declaratória, cuja competência é da pasta de Dino, e também que se dê prosseguimento com a homologação, fase final, sob responsabilidade da Presidência. Este é o segundo aceno do Ministério dos Povos Indígenas de que a portaria declaratória deste território será assinada ainda neste ano, no entanto, até que seu processo demarcatório seja concluído, as consequências desta insegurança ainda serão sentidas pelas comunidades Pataxó e por todos os habitantes dali.