A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), diante da criação da Agência Brasileira de Apoio à Gestão do Sistema Único de Saúde (AGSUS), por meio do Decreto presidencial de nº 11.790, de 20 de novembro de 2023, em consonância com a Lei Federal nº 13. 958 de 18 de dezembro de 2019, alterada pela Lei nº 14.621, de 2023, considerando os seus potenciais e graves impactos negativos sobre a gestão e efetividade do Subsistema de Saúde dos Povos Indígenas, vem a pública questionar e manifestar as suas reivindicações a propósito da estrutura e finalidades desta instituição.
1. A AGSUS, “pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos” e cuja finalidade “é promover, em âmbito nacional, a execução de políticas de desenvolvimento da atenção à saúde indígena, nos diferentes níveis, e da atenção primária à saúde, em caráter complementar e colaborativo com a atuação dos entes federativos”, foi concebida e instituída sem que o governo Lula assegurasse o direito de consulta aos povos e organizações indígenas do país, assegurado pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), toda vez que o Estado adote “medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.
2. Nos preocupa bastante, pois não fica muito transparente e meio dúbio a proposta desse novo modelo de gestão da saúde indígena, que o Governo propõe, que implica na descentralização da execução/prestação do serviço de atenção básica à saúde dos Povos Indígenas, portanto de uma política pública, ou se pretende atuar somente para a efetivação da força de trabalho da saúde indígena. Dessa maneira, uma parte importante da execução dos serviços oferecidos pelo subsistema de saúde indígena deixam de ficar sob a autoridade hierárquica direta da Secretaria Especial de Atenção a Saúde Indígena – SESAI e do Ministério da Saúde, que passa a ter um papel de órgão fiscalizador.
3. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), conquistada pelos nossos povos e organizações com muita luta, principal responsável pela coordenação e execução da Política Nacional de Atenção Básica e da gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nesse novo modelo tenderá a ser fragilizada, diante uma estrutura paralela desenhada praticamente com as mesmas atribuições. E pior, a proposta governamental, sinaliza perspectivas já ensaiadas durante o governo de Dilma Rousseff, por meio da figura de um Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), que dentre outros propósitos, além de burlar a participação e controle social dos nossos povos, pretendia a municipalização da saúde indígena.
4. Alertamos ainda para a falta de garantia de resolutividade da situação problemática dos trabalhadores existente até hoje na saúde indígena, pois entende-se que a AGSUS também utilizará exatamente o mesmo regime de contratação celetista que atualmente é utilizado pelas conveniadas e que é um dos principais pontos de discussão quando se trata sobre o formato de contratação da força de trabalho para a saúde indígena.
5. Preocupa-nos gravemente o fato de que os três Diretores Executivos que serão responsáveis pela gestão da AGSUS são cargos eminentemente políticos, que serão indicados pelo Presidente da República, sem qualquer exigência de capacidade técnica ou de conhecimento sobre a saúde indígena. Este será um fator há mais de fragilização da gestão da saúde indígena, haja vista que deixa as ações a cargo de indicações políticas; e consequentemente gera grave risco de loteamento de cargos entre partidos políticos sem comprometimento com os Direitos dos Povos Indígenas e contra a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI).
É lamentável que o Governo do Presidente Lula, com este formato, traga de volta as velhas práticas de politicagem que tanto prejudicaram a saúde indígena durante a gestão da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e que motivou a luta dos nossos povos e organizações para essa conquista histórica que é a Sesai.
6. Fase a estes motivos, que contrariam as nossas expectativas e demandas manifestadas antes e durante o governo de transição a respeito do fortalecimento da Sesai, garantindo orçamento condizente com as atribuições do órgão, reiteramos as nossas reinvindicações:
6.1. Quaisquer políticas públicas de desenvolvimento da atenção à saúde indígena devem necessariamente implicar no fortalecimento institucional da Secretaria Especial e não no seu esvaziamento ou substituição.
6.2. Num governo que veio para resgatar a democracia e o Estado social reafirmamos que a participação dos nossos povos e organizações na tomada de decisões que afetam nossas vidas é fundamental, sob pena das decisões governamentais resultarem em políticas públicas inadequadas para o enfrentamento e superação dos problemas de saúde que atingem os nossos povos e comunidades. O direito a sermos consultados é assegurado por lei, e não apenas para esta questão específica da saúde, mas para todas as políticas públicas que nos dizem respeito. Cabe ao governo entender que fazemos parte do processo democrático.
6.3. Aceitamos fazer parte do governo de transição com o propósito de termos condições para nortear o monitoramento e a nossa incidência na formulação e implementação da política indigenista do atual governo, visando superar a omissão e o descaso histórico de sucessivos governos com relação â proteção e promoção dos nossos direitos originários e fundamentais assegurados pela Carta Magna de 1988. É essa determinação que nos move a exigir do governo maior comprometimento com a defesa e respeito aos nossos direitos, em quaisquer medidas que venha adotar, em esta ocasião especial em relação à saúde dos nossos povos, e especialmente no tocante à essa discussão sobre a AGSUS e que deve ser debatida amplamente, seja no âmbito do Grupo de Trabalho constituído para esse fim, seja no âmbito do Controle Social para a Saúde Indígena, nos espaços dos Conselhos Locais, Distritais e Fórum de Presidentes dos Condsi´s, seja no âmbito do movimento indígena.
Brasília – DF, 26 de fevereiro de 2024.
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB