A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (APIAM) repudiam veementemente a concessão de licença de instalação, por parte do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), para que a empresa Potássio do Brasil explore o minério na região de Autazes, onde estão localizadas as Terras Indígenas Lago do Soares e Urucurituba.
O governador amazonense, Wilson Lima, entregou a licença expedida pelo IPAAM ao presidente da empresa em um evento realizado na tarde do dia 08 de abril. A performance, claramente encenada com o objetivo de dar visibilidade política ao ato administrativo de concessão de licença ambiental, denuncia as relações espúrias entre o poder público local e as empresas que avançam sobre territórios indígenas, produzindo conflitos internos, violência e despossessão territorial.
Desde 2015, o Ministério Público Federal questiona judicialmente a legitimidade do IPAAM para realizar o licenciamento do empreendimento minerário, visto que não houve elaboração Estudo de Componente Indígena, há previsão de construção de instalações em terras indígenas em processo de demarcação e que os povos indígenas impactados não foram devidamente consultados, apesar de, atualmente, contarem com protocolo de consulta. Deste modo, de acordo com a legislação nacional, seria o Ibama, órgão federal, o responsável por levar a cabo o licenciamento do projeto Potássio Autazes.
Apesar de haver decisão judicial em primeira instância favorável às comunidades Mura atingidas pelo empreendimento, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, autorizou a continuidade do licenciamento pelo órgão estadual, o que culminou no evento político realizado pelo governo do Amazonas no dia de ontem na flagrante violação de direitos indígenas.
Há muito pelo que se lamentar frente às decisões judiciais e políticas que levaram à concessão da licença de instalação em favor da Potássio do Brasil. A empresa vem promovendo, há anos, a fragmentação social do povo Mura, acumulando diversas denúncias de assédio e cooptação de lideranças indígenas. O resultado foi a ruptura de comunidades com o Conselho Indígena Mura, organização política histórica deste povo, que, agora, à revelia de seu estatuto e de seus compromissos para com os direitos indígenas, se coloca ao lado do governo amazonense e da presidência da Potássio do Brasil no momento da entrega da licença de instalação.
O caso também desperta nossa preocupação a nível nacional, por se desenhar como um “projeto piloto” para a autorização de mineração em terras indígenas. É preciso frisar que a Constituição Federal condiciona este tipo de atividade extrativista em terras indígenas à existência de lei federal que a regule e de autorização do Congresso Nacional, requisitos que não estão presentes na situação em tela.
Este é mais um dos nefastos efeitos da vigência da inconstitucional Lei 14.701/2023, que mitiga direitos fundamentais dos povos indígenas e abre caminho para ataques e violências contra os corpos-territórios originários deste país. É nosso dever e dever de nossos aliados nos mantermos vigilantes contra aqueles que buscam fragilizar e desconstitucionalizar os direitos indígenas.
Manifestamos nosso apoio ao povo Mura, que luta pelo seu território, sua cultura e sua organização social, enfrentando com coragem e determinação os avanços do poder econômico sobre suas terras tradicionais. Nos unimos às comunidades Mura que se pronunciaram e repudiamos integralmente a concessão da licença de instalação à Potássio do Brasil e a midiatização do feito por meio do evento realizado na sede do Governo do Amazonas.
Brasília e Manaus
09 de abril de 2024