O levantamento feito pelo projeto MapBiomas sobre os níveis de desmatamento no Brasil em 2023 mostrou que as Terras Indígenas continuam sendo as áreas mais preservadas do país. De acordo com os dados da pesquisa, fomentada pelo Observatório do Clima, cerca de 90% das áreas degradadas ocorreu em menos de 1% das propriedades rurais, indicando que os maiores focos estão em grandes propriedades. 64% do total desmatado se localiza em áreas privadas e a agropecuária é responsável por 97% dessa devastação no Brasil.

Enquanto isso, as Terras Indígenas apresentaram 27% de redução na perda da vegetação nativa em relação ao ano passado e contabilizam apenas 1,1% do total de desmatamento no Brasil.

A novidade é que o Cerrado ultrapassou o bioma Amazônico no índice de desmatamento pela primeira vez. No Cerrado foram perdidos 3.042 hectares de vegetação nativa por dia. Enquanto na Amazônia, se contabilizou 1.245 hectares por dia ou cerca de 8 árvores por segundo. Os estados do Maranhão, Tocantins e Bahia são os mais devastados, correspondem a quase metade de todos os hectares.

O foco está na região chamada de Matopiba, onde estão os 10 municípios com maiores índices. O Matopiba é a região de fronteira entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, amplamente anunciada como nova fronteira do agronegócio.

Os conflitos relacionados ao território e meio ambiente no local não começaram no ano passado. O Maranhão, por exemplo, foi o estado brasileiro líder em número de hectares de fazendas sobrepostas a áreas de Terra Indígena e em assassinatos no campo em 2021.

Invasão e devastação em Terra Indígena

A Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apãnjekra está localizada no Matopiba, na área de maior incidência de desmatamento em território indígena, onde empresas e fazendeiros invadiram e constituíram latifúndios, registrados como propriedade durante o governo Bolsonaro. O que foi possibilitado pela Instrução Normativa nº 9/2020 da Funai, que liberou o registro no Sigef de imóveis rurais sobre terras indígenas em processo de demarcação.

A transnacional de origem chinesa e suíça, Syngenta, é dona de um quarto do mercado global de agrotóxicos e foi uma das invasoras desta TI. A empresa aparecia como dona, até 2021, da Fazenda Olho D’Água, no município de Fernando Falcão (MA), um imóvel de 900,87 hectares inteiramente sobreposto à área demarcada para ampliação da Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apãnjekrá*.

O território Memortumré e a TI Porquinhos dos Canela-Apãnjekra foram os territórios mais afetados pelo governo anti-indígena. Mais de 117 mil hectares de fazendas foram registradas nas duas TIs. Entre 2008 e 2021 foram devastados 34.131,81 hectares nas TIs Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, Kanela Memortumré e Bacurizinho — as três em processo de reestudo para ampliação da demarcação original – o que totaliza 72% do desmatamento em TIs.

Marco Temporal gera desmatamento

A aprovação do Marco Temporal pelo congresso colocou em vigor a lei 14.701/23, que mesmo sendo inconstitucional, se tornou um obstáculo à demarcação da Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apãnjekra. Isso ampliou os conflitos locais e a devastação do bioma, visado para a produção de soja e a agropecuária.

Os dados apontam como a região do Matopiba vem sendo palco de uma disputa territorial entre o agronegócio e as populações originárias. O avanço do capital financeiro no campo sobre as Terra Indígena resulta em números de devastação a cada ano maiores. O lobby no Congresso para aprovação do Marco Temporal beneficiou os investidores das áreas sobrepostas e a lei atual se impõe como mais um obstáculo para o avanço da demarcação e a preservação do bioma Cerrado.

*Dados do relatório Os Invasores I, do De Olho nos Ruralistas.