Apib denuncia retrocessos no Congresso e no STF e convoca mobilização nacional em defesa dos direitos territoriais indígenas
Com a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 717/2024 no Senado Federal, que suspende a demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), maior referência do movimento indígena brasileiro, convoca para a próxima segunda-feira, 9 de junho, uma mobilização nacional.
Em Brasília, os povos indígenas irão se concentrar a partir das 12h para um ato no Museu Nacional. A Apib convida organizações indígenas regionais e movimentos parceiros a somarem na luta contra o desmonte dos direitos indígenas no Congresso Nacional e a Câmara de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), que discute a Lei do Genocídio Indígena (Lei nº 14.701/2023).
O PDL foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e no plenário do Senado em caráter de urgência no dia 28 de maio. Apresentado pelo Senador Esperidião Amin (Progressistas), o texto também prevê a suspensão do art. 2º do Decreto nº 1775/1996 que regulamenta o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas no Brasil. O projeto alega que os decretos não observaram as novas regras impostas pela Lei nº 14.701, como a participação de estados e municípios no processo demarcatório.
Porém, a Apib ressalta que esta legislação altera o art. 231 da Constituição Federal e institui a tese do marco temporal. A tese limita o direito à demarcação apenas às comunidades que ocupavam seus territórios até 5 de outubro de 1988 e já foi declarada inconstitucional pelo plenário do STF em 2023. Na Corte, a Apib protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e solicitou que a Lei do Genocídio Indígena, como é conhecida.
O PDL 717 segue para votação na Câmara dos Deputados. O departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil aponta quatro riscos com aprovação do projeto: violência e conflitos fundiários, retrocesso jurídico e político, descumprimento da constituição e tratados internacionais e ameaça ao meio ambiente. Saiba mais aqui.
Após a aprovação do texto, a Apib registrou uma denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e na Organização das Nações Unidas (ONU). Nos documentos enviados à CIDH e ONU, a Apib alerta que a decisão dos senadores susta atos concretos do Presidente da República, o que é inconstitucional, e compromete a segurança jurídica dos povos indígenas em todo o país.
Mais ameaças
Além do PDL, outra ameaça apontada pelo movimento indígena é a continuidade da Câmara de Conciliação do Supremo e o Projeto de Lei nº 6.093/2023. As atividades da câmara encerrariam em abril, mas foram adiadas até o dia 25 de junho. Em agosto do ano passado, a Articulação deixou a câmara pois o considera ilegítimo e inconstitucional.
Para a Apib o espaço de negociação foi instituído sem a devida consulta aos povos indígenas, o que viola artigo 6º da Convenção 169 da OIT. A câmara também ignorou recursos e denúncias apresentados ao longo do tempo pela organização, reconhecida por sua legítima representação indígena.
“Mais uma vez, reiteramos a preocupação com o andamento das audiências conduzidas pelo ministro Gilmar Mendes. Sob a justificativa de reunir sugestões e buscar alternativas de “meio-termo” entre os interesses dos povos indígenas e do agronegócio, seu gabinete extrapolou os limites do papel de relator, ultrapassando o escopo da Lei nº 14.701/2023 e dos debates travados na Comissão Especial”, diz nota da organização indígena.
Já o Projeto de Lei nº 6.093/2023, propõe uma série de mudanças no procedimento administrativo de demarcação de terras. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto é de autoria da deputada federal Coronel Fernanda (PL/MT), e prevê a instituição da tese do marco temporal, a retirada da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) da coordenação dos processos demarcatórios e quer submeter a homologação das terras ao Congresso Nacional.
PL da devastação
Somando às ameaças já apontadas, o Projeto de Lei nº 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação, representa um ataque direto aos direitos dos povos indígenas e à proteção ambiental no Brasil. O projeto propõe a flexibilização do licenciamento ambiental, permitindo o autolicenciamento e dispensando análises técnicas prévias, o que pode resultar em obras de alto impacto sem avaliação adequada dos danos ao meio ambiente, à saúde e aos modos de vida das comunidades.
Especificamente para os povos indígenas, o PL restringe a participação de órgãos de proteção aos direitos indígenas ao licenciamento de atividades apenas sobre as terras indígenas já homologadas, gerando insegurança jurídica para inúmeras comunidades que ocupam tradicionalmente suas terras. Além disso, o projeto ignora o direito à consulta livre, prévia e informada, assegurado pela Convenção 169 da OIT, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, desrespeitando compromissos internacionais e fragilizando ainda mais a proteção dos direitos coletivos indígenas.