O Povo Pataxó da Terra Indígena Comexatibá, localizada em Prado-BA, sofreu um ataque de milicianos fortemente armados na última quarta-feira, dia 1°/10. O cacique Xawã Pataxó foi baleado no braço e outro indígena levou um tiro de raspão na cabeça. A chegada da força nacional impediu que o grupo de 40 pessoas fugisse.

Ao serem interrogados, eles afirmaram que o motorista recebeu R$ 1000,00 para levar os envolvidos, enquanto os outros receberam R$ 500,00 cada, mas não sabiam o que iria acontecer. Afirmaram também que o responsável pela contratação é o presidente da Associação do Agronegócio do Extremo Sul da Bahia (Agronex), Mateus Bonfim.

Eles foram transportados por um ônibus fretado com identificação de ônibus escolar e estavam uniformizados com camisetas verdes que simulavam os símbolos de movimento social. Em nota, o presidente da Agronex afirmou que organizou uma manifestação pacífica e atribuiu o ataque aos indígenas, porém dois indígenas foram feridos, enquanto os contratados saíram ilesos.

Na sede da fazenda restaram inúmeras marcas de bala e manchas de sangue indígena nas paredes. Espalhadas pelo chão, ficaram as cápsulas de balas de fuzil que atravessaram as paredes da casa sede de um lado a outro. Um tipo de armamento que só deveria estar em poder de forças táticas da polícia militar ou do exército.

Em nota, o Conselho de Caciques do Povo Pataxó, declarou receber com estranheza e indignação as orientações do novo capitão da operação da força nacional. De acordo com os depoimentos, ele tentou liberar os agressores presos em flagrante, além de pedir que os indígenas desocupassem a área da retomada e a devolvesse aos fazendeiros.

Magnata do cacau e construtora fecharam a praia

O acesso à praia de Imbassuaba foi fechado por cerca de dois meses. Após diversas tentativas de negociação e uma promessa não cumprida de reabrir o acesso, restou aos indígenas reivindicar a área através da autodemarcação das Fazendas Imbassuaba e Portal da Magia.

De acordo com a apuração da revista Carta Capital, as fazendas estão ligadas ao empresário do cacau, Ernesto Ary Neugebauer, dono da Danke e sócio da Gencau. O registro do Sistema Nacional de Cadastro Rural mostra que ele é proprietário da Fazenda Imbassuaba e da Horto do Sol, ambas de frente para o mar.

Uma de suas empresas, a Calambrião Participações Ltda, criada em 2017 em sociedade com a filha, tem entre as atividades declaradas o loteamento de imóveis e a incorporação de empreendimentos imobiliários.

O pedido de reintegração de posse, porém, foi movido por Igor Guerra Ulhôa, sócio da construtora Horto Ltda, que teria adquirido a Fazenda Conjunto Pero Vaz (144 hectares) de Maria Katia Mascarenhas Brandão e Anibal Pedreira Brandão. No contrato de compra e venda apresentado à justiça está explícito que a maior parcela da terra (139 há) não possui escritura.

De acordo com os Pataxó, Ulhôa foi o responsável pelo bloqueio da praia com seguranças armados. Apesar de ser sócio de uma construtora, ele afirmou à reportagem da Carta Capital que procura apenas “privacidade” e que comprou a terra para “desfrutar com a família”.

Falta de demarcação fomenta o crime organizado

As fazendas Portal da Magia e Imbassuaba estão entre as 78 propriedades sobrepostas à Terra Indígena Comexatibá. O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação foi publicado pela FUNAI em 2005, mas após 20 anos de morosidade na demarcação, fazendeiros consolidaram invasões, registraram as propriedades sobrepostas e impulsionaram a especulação imobiliária na região paradisíaca, cobiçada pelo turismo predatório. Neste ínterim, a justiça recebeu 151 contestações ao processo de demarcação.

Das grilagens de terra e da inoperância do estado em se fazer cumprir os direitos constitucionais indígenas, resultou uma escalada de violência e a organização de um movimento fascista, que promove bloqueios armados e assassinatos de jovens indígenas.

Em outra retomada no mesmo território, o jovem de 14 anos, Gustavo Pataxó, foi assassinado durante uma ação da milícia do agronegócio, em 4 de setembro de 2022.

No ano anterior, a abertura de outra praia, do Calambrião, resultou em ameaças ao cacique Xawã Pataxó. Na ocasião, o grileiro Lucas Lessa jogou a Hilux sobre o cacique na estrada em frente à aldeia. O cacique se defendeu com um tacape, mas teve a moto atropelada.

Atualmente, o irmão de Lessa, João Moraes, tomou posse de uma pequena área de preservação na beira da praia e costuma publicar vídeos no Instagram e no Youtube, divulgando os “segredos para uma vida mais saudável e prazerosa”. Após o ataque nesta semana, os registros mostram os milicianos correndo exatamente em direção à esta praia.