Nesta quarta-feira, 30 de março, o coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena, faz nova sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF), por ocasião da ADPF 760. Em seu pronunciamento, o advogado indígena destaca a função essencial de regulação climática das terras indígenas, e o risco iminente de genocídio de povos indígenas isolados no país.
Assista:
Sustentação oral – Dr. Luiz Eloy Terena ADPF 760 – STF, 30/03/2022
Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente Luiz Fux,
Excelentíssima Senhora Ministra Relatora Cármen Lúcia,
na pessoa de quem eu saúdo os demais ministros e ministras Douto Representante do Ministério Público Ocupo esta Tribuna para falar em nome da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, e quero em rápidas palavras, trazer a voz dos povos indígenas. Esta Suprema Corte mais uma vez é chamada a cumprir seu papel de Guardiã da Constituição.
Quando estamos diante de violações flagrantes a preceitos fundamentais que impactam a sociedade brasileira, acreditamos e confiamos nesta Corte Constitucional para invocar a força normativa da Constituição e não permitir retrocesso de direitos. Os povos indígenas estão sendo atores ativos no sistema de justiça, em todas as suas instâncias, para lutar em defesa dos direitos indígenas reconhecidos na Carta de 1988. A ADPF 760 é uma iniciativa necessária por parte de diferentes segmentos da sociedade civil, em defesa de um dos biomas que é nossa morada: a Amazônia.
Ainda que a floresta não seja a casa de todos os brasileiros, um dado é certo: sem ela, não há vida na Terra como conhecemos hoje. E isso impacta todos os brasileiros sem exceção. Temos destacado com frequência, aqui e na comunidade internacional, que os povos indígenas e seus territórios são agentes indispensáveis para a solução da crise climática. Nossa existência é parte da solução para a manutenção da vida. Exemplo disso é que entre os anos de 2004 a 2012, tivemos o melhor índice de redução do desmatamento na Amazônia Legal, chegando a 83% de redução. Também foi nesse período que tivemos 100 Terras Indígenas demarcadas.
As Terras Indígenas e as Unidades de Conservação são bens da União que funcionam como barreiras territoriais contra o desmatamento. São essas áreas de segurança climática que, ao serem efetivamente protegidas, garantem de forma significativa que o Brasil cumpra as metas assumidas diante da comunidade internacional. O compromisso normativo e ético para combater as mudanças climáticas é uma tarefa de responsabilidade global. O Brasil pode voltar a ser exemplo para o mundo na execução efetiva de políticas públicas de Estado para proteção socioambiental, respeitando sua própria história institucional.
O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – o PPCDAm – foi a maior e mais eficiente política pública de Estado para redução do desmatamento. Ele já existe, é essencial para o resguardo dos preceitos fundamentais objeto da ação, está em vigor e precisa que sua execução seja retomada. O que está em risco é a defesa de patrimônios públicos da União, como as Terras Indígenas e as UCs. É a sobrevivência das matas, dos rios, da morada dos povos indígenas. É o direito à vida (Art. 5º, caput), à saúde (Art. 196), ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225), à dignidade para as gerações que virão depois de nós (Art. 227), e aos direitos originários reconhecidos aos povos indígenas (Art. 231). O futuro já chegou. E por quanto tempo permaneceremos nele? Os povos indígenas alertam cotidianamente que não se come moeda.
É preciso que a Floresta Amazônica esteja em pé, para que nós também estejamos junto com ela. Se ela queima, São Paulo arde junto em seca, e o dia pode até virar noite, como testemunhamos há pouco tempo. Sem a Amazônia Legal, não há povos indígenas isolados. O Brasil reconhece o registro de 114 povos isolados. Entre eles, apenas um povo, os Avá-Canoeiro, está fora da Amazônia Legal. Todos os outros estão em território amazônico. A Terra Indígena Vale do Javari, localizada no extremo oeste do Estado do Amazonas, possui a maior concentração de povos isolados do mundo. O abandono de políticas públicas de Estado como o PPCDAm os colocam sob risco iminente de extermínio, fazendo com que povos e culturas desapareçam da Terra. Para os povos isolados, o tipping point já foi alcançado. O chamado “ponto de não retorno” aniquila as condições de vida em um ambiente antes ecologicamente equilibrado. Sem o compromisso normativo, responsável e ético das instituições públicas com o combate às mudanças climáticas, a sociedade brasileira vivenciará esse estado permanente de vulnerabilidade, que só se intensificará.
Para concluir, invoco as palavras do líder Yanomami Davi Kopenawa, que em seu livro intitulado a “A Queda do Céu”, nos alerta:
“A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la. Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar no calor. A terra ressecada ficará vazia e silenciosa. Os espíritos xapiri, que descem das montanhas para brincar na floresta em seus espelhos, fugirão para muito longe. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los e fazê-los dançar para nos proteger. Não serão capazes de espantar as fumaças de epidemia que nos devoram. Não conseguirão mais conter os seres maléficos, que transformarão a floresta num caos. Então morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar”.
Muito Obrigado.