Eloy Terena defendeu a tese O Campo Social do Direito e a Teoria do Direito Indigenista, nesta quarta-feira, 27. Este é o segundo doutoramento do representante jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A análise faz um panorama do período pós constituinte e a erosão dos direitos indígenas, articulando o direito indigenista e os princípios doutrinadores da categoria Direito Indígena Originário.
No texto ele faz a defesa de um campo do direito público voltado para os indígenas, passando pela constitucionalização do direito indígena para além do indigenismo, a adoção da hermenêutica indígena na jurisdição constitucional e destaca a importância do processo de reconhecimento de um estado pluriétnico, em que os povos tenham a garantia da representação própria diante das instituições.
Isto porque há um processo de tutelamento do Estado, no qual durante quase um século os povos originários do Brasil foram alijados da representação autônoma diante da justiça, enquanto a Fundação Nacional do Índio (Funai) assumia a intermediação dos conflitos territoriais. A Funai e a Advocacia-Geral da União (AGU), que são órgãos projetados para fazer a defesa dos povos, não poderiam atuar contrariamente aos seus direitos, no entanto esta representação não está isenta das contradições políticas presentes no governo.
Por isso, a eficiência desta representatividade fica à mercê do campo político que é eleito para a gestão do estado brasileiro. O exemplo mais atual é a atuação anti-indígena da Funai sob o governo Bolsonaro, uma prática deliberadamente a favor do agrobanditismo, militarista, que persegue quem defende os direitos indígenas e é conivente com o extermínio dos povos.
Eloy cita ao menos 14 princípios constitutivos do direito indígena originário, entre eles, a autodeterminação dos povos, a diversidade cultural, o sentimento de pertença, a vinculação territorial, a cidadania cultural, o diálogo intercultural, entre outros. O marco jurídico da elaboração está no caso vyraroká, dos Guarani e Kaiowá. A presença da comunidade indigena no julgamento foi negada, levando à perda da causa. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reabriu o caso e os indígenas conseguiram reverter a perda.
Estiveram presentes na banca a orientadora Profa. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro, da Universidade Federal Fluminense, a Profa. Dra. Gizlene Neder (UFF), como examinadora Interna e os convidados Prof. Dr. José Geraldo de Sousa Júnior (UnB), Prof. Dr. Carlos Frederico de Souza Filho (Puc-PR), Profa. Dra. Eloísa Machado de Almeida (FGV-SP), Prof. Dr. Antonio Carlos de Souza Lima (UFRJ). Para o Dr. José Geraldo, a nova categoria jurídica “representa uma ação concreta de descolonização”.
Outro convidado, o jurista Carlos Marés, do Instituto Socioambiental, ressaltou que só tem sentido pensar o direito originário e a posse indígena se for coletiva, uma contraposição basilar às teses civilistas colonizadoras fundamentadas no direito individual e na propriedade privada. “Existe um novo sujeito na praça, que é o sujeito coletivo, não só indígena, mas de vários coletivos que se organizaram não só pela soma de individualidades, mas pela sua auto-organização e identidade. Claro que os indígenas fomentaram com mais força esse reconhecimento. Isso rompe com a tradição civilista e, portanto, rompe com a constituição do direito moderno que é individualista. Isto está se discutindo na américa latina inteira desde os anos 40. As coisas são muito mais dialéticas do que pensa a vã filosofia europeia”, afirmou.
A tese foi amplamente aplaudida pela banca. A categoria do Direito Indígena Originário representa mais uma vitória da luta dos povos no Brasil e na América Latina, um passo para o reconhecimento da plurietnia territorial, a existência dos povos pré-colonização e a constituição do estado brasileiro.