Por Walter Casagrande*

Trabalho com as lideranças indígenas já faz um bom tempo, mas os meus principais contatos são a Sônia Guajajara e a Célia Xakriabá. Estamos organizando alguns eventos esportivos e culturais para chamar a atenção para as causas dos povos indígenas, que são muitas.

Conversamos sobre tudo e, desde o início do nosso contato, me comprometi a dar visibilidade a essas causas e aos indígenas do Brasil. Inclusive, haverá um jogo em 23 de setembro, em uma área indígena próxima de Brumadinho (MG), em que vamos chamar a atenção para a destruição das florestas e a degradação do meio ambiente.

Durante o debate para presidente da República, no último domingo (29), promovido por UOL, Folha, Band e Cultura, fiquei esperando entrar essa pauta. Quero saber o que os candidatos pensam sobre os povos indígenas e quais propostas eles têm para resolver a questão da demarcação de terras indígenas, proteção aos povos, às florestas, acabar com o desmatamento e com o garimpo ilegal.

Nada disso foi discutido e, em vez de eu escrever sobre isso, pedi para uma indígena fazer um texto sobre as dificuldades deles. Afinal, eu posso apoiar, mas não sei o que eles passam.

Abaixo está o posicionamento de uma grande liderança indígena, uma mulher pela qual tenho muita admiração e respeito. Célia Xakriabá é uma educadora indígena e uma ativista do povo Xakriabá. Doutoranda em Antropologia pela UFMG, foi a primeira mulher indígena a integrar a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais. Foi uma das representantes que compareceram à 26ª Conferência da ONU sobre Mudança Climática, a COP26. É candidata a deputada federal pelo PSOL-MG.

Com a palavra, Célia Xakriabá:

“No domingo, tivemos o primeiro debate presidencial dessas eleições. Mais do que as pautas levantadas e como elas foram tratadas, me chama a atenção a ausência. O racismo da ausência. Muito foi debatido, por exemplo, sobre o Meio Ambiente. Nada foi falado sobre os povos indígenas.

Durante o debate, foi pautada a preservação do Meio Ambiente, mas a partir de um viés de privatização. Não foi debatida a demarcação das terras indígenas, o garimpo ilegal nos territórios indígenas, o desmatamento que é realizado com aval da máquina pública pelo agronegócio e, principalmente, a pauta ambiental com um viés cultural e não apenas com um olhar econômico e internacional.

Somos 5% da população do mundo e garantimos mais de 80% da preservação da nossa diversidade. Já está mais do que comprovado que são os povos indígenas, os verdadeiros guardiões das nossas riquezas naturais. Falar de Meio Ambiente, de desmatamento, falar de florestas é falar dos povos originários.

E esse apagamento é proposital. Enquanto alguns falam em privatizar a política ambiental, outros defendem abertamente o agronegócio e uns ainda piores dizem que tem mesmo é que passar a boiada. Nós não estamos sendo citados.

Mas já sabemos o que fazer. Se, nesse debate, só vimos jornalistas, candidatos e candidatas brancas, para o legislativo, neste ano, estamos nos colocando na disputa. Colocando nossos corpos, nossa história e garantindo que levaremos para o Congresso o nosso compromisso com a mãe Terra.

Decidimos criar a Bancada do Cocar porque sabemos como salvar o planeta. Sabemos cuidar. E lutamos desde sempre do lado de fora. Agora, vamos lutar e resistir do lado de dentro. Ocupando a política institucional e impedindo que a ausência apague o debate. Os povos indígenas deveriam ser a centralidade, e não o agronegócio.

O Brasil não é do agronegócio, o Brasil é indígena.”.

* O texto é uma reprodução da Coluna de Walter Casagrande, publicado no dia 30 de agosto, no UOL Esporte