O documento tem o objetivo de firmar o posicionamento do movimento indígena sobre emergência climática. As organizações também indicaram uma série de obrigações para os Estados.
No dia 18 de dezembro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e o Conselho Terena enviaram um parecer inédito para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre povos indígenas e crise climática. O documento tem como objetivo firmar o posicionamento dos indígenas brasileiros sobre a emergência climática, além de aprofundar e colaborar com o debate perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Além da Apib, Apoinme e Conselho Terena, organizações parceiras como Instituto Socioambiental, Justiça Global e Associação Interamericana para Defesa do Ambiente também assinam o documento.
O parecer também apresenta obrigações estatais essenciais para garantir e proteger direitos humanos frente à crise climática. Dentre essas obrigações, as organizações do movimento indígena brasileiro defendem que os Estados reconheçam e valorizem a importância dos territórios indígenas, realizem a demarcação de terras indígenas em tempo hábil em todos os biomas, e estabeleçam programas de formação continuada. Esses programas devem oferecer informações acessíveis nas línguas indígenas, abrangendo as políticas nacionais e internacionais sobre mudanças climáticas e dialogando com as diversas realidades dos povos originários.
O parecer é dividido em seis tópicos: 1. Impactos locais da mudança climática sofridos pelos povos indígenas brasileiros; 2. Construção de grandes empreendimentos próximos aos territórios indígenas; 3. Defensoras e defensores do meio ambiente; 4. REDD+ e povos indígenas; 5. Demarcação de terras indígenas para garantia de direitos humanos vinculados à emergência climática; e, por fim, 6. Obrigações estatais que o movimento indígena brasileiro considera essenciais para se garantir e proteger direitos humanos frente à crise climática.
Leia o parecer completo aqui: https://apiboficial.org/files/2023/12/Minuta-OC-Clim%C3%A1tica.docx.pdf
No documento, as organizações indígenas ressaltam a importância de pautar a demarcação de terras indígenas e ações que fortaleçam a gestão ambiental e territorial no debate climático. Isso porque as terras indígenas são consideradas a última barreira contra o desmatamento e a degradação florestal e os povos indígenas os verdadeiros guardiões das florestas.
“Não existe justiça climática sem demarcação e proteção dos territórios indígenas. O parecer deixa isso muito claro e nós, do movimento indígena, vamos continuar incidindo para que todos os parentes tenham o direito garantido ao seu território. Isso é um direito originário, garantido pela Constituição e pelo Supremo Tribunal Federal”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib e coordenador jurídico da Apoinme.
Por meio da conexão com os bens ambientais e da relação íntima com os territórios ancestrais, os povos indígenas protegem 80% da biodiversidade do planeta, como demonstram estudos das Nações Unidas. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo o MapBiomas. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas.
Há, ainda, estudos que comprovam a relação da demarcação de terras indígenas com o regime de chuvas e com o resfriamento de determinadas regiões. O Parque Indígena do Xingu (PIX) é emblemático neste sentido. Estima-se que as chuvas que abastecem as fazendas de soja ao redor do PIX tem origem nas florestas protegidas pelos indígenas do Xingu, onde a média da temperatura chega a ser oito graus celsius menor do que nas áreas próximas impactadas pelo desmatamento. Para as organizações isso mostra que a atividade agropecuária da região é dependente dos serviços ambientais prestados gratuitamente pelos indígenas.
Dificuldades
Apesar disso, o parecer também aponta um subfinanciamento dos planos de gestão territorial e ambiental. Exemplo disso é que a Rainforest Norway Foundation identificou que, entre 2011 e 2020, apenas 1% da Assistência Oficial ao Desenvolvimento para Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas foi destinado à garantia de direitos e gestão territorial e ambiental de povos indígenas e comunidades locais de países de florestas tropicais.
De cerca de 2,7 bilhões de dólares, apenas 17% dos recursos foram destinados para organizações indígenas ou projetos que as mencionavam diretamente – dos quais 11% tiveram por objetivo garantir a segurança da posse das comunidades indígenas.
Além disso, Apib, Apoinme e Conselho Terena também apontam a extinção do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), em 2019, como prejudicial para as políticas territoriais e ambientais brasileiras. Considerada pelo movimento indígena como um dos maiores avanços na gestão autônoma e sustentável dos territórios indígenas, a PNGATI foi criada com o objetivo de conectar a implementação das políticas de mudança do clima com a política indigenista.
Para Dinamam Tuxá, a extinção do Comitê Gestor da PNGATI inviabilizou a participação indígena no monitoramento e execução da política pública. “A PNGATI enfrentou diversos desmontes, sobretudo no desgoverno Bolsonaro, até ser extinta. Isso representa um autoritarismo e não condiz com o Estado Democrático de Direito e nem com a própria história de construção da PNGATI, que envolveu mais de mil indígenas em todo o Brasil”. O Comitê Gestor da PNGATI foi reinstalado somente em junho de 2023 pelo Ministério dos Povos Indígenas, criado no Governo Lula.
O coordenador também lembra que a manutenção da Lei nº 14.701/2023 e da tese do marco temporal no Brasil podem dificultar o processo de demarcação de territórios indígenas e levar à revisão das TI’s já demarcadas. Estimativas recentes apontam que, somente na Amazônia, com o avanço da grilagem e da fronteira agrícola sobre as TI’s poderá ocorrer um aumento expressivo do desmatamento de 55 milhões de hectares nos próximos anos, o que resultaria na emissão de 7,6 a 18,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera.
No dia 14 de dezembro, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701/2023, e transformou a tese ruralista do marco temporal em lei. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que ‘Direitos não se Negociam’ e como resposta ao resultado da votação vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena.