A comissão de Anistia fará nesta terça-feira, 02/04, o julgamento de crimes cometidos pela ditadura contra povos indígenas. É a primeira vez que o órgão, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, julga um processo de reparação coletiva. Estarão em pauta casos envolvendo os povos Guarani-Kaiowá (Mato Grosso do Sul) e os Krenak (Minas Gerais).
O povo Krenak foi torturado, preso e submetido a maus-tratos, trabalho forçado e ao deslocamento compulsório de seu território. Três episódios marcaram os ataques contra eles nessa época: a criação da Guarda Rural Indígena (Grin); a instalação do Reformatório Krenak, que era um presídio para indígenas, em Resplendor (MG); e o deslocamento forçado de índios para a fazenda Guarani, no município de Carmésia (MG), que também funcionou como centro de detenção arbitrária de indígenas após a extinção do Reformatório Krenak.
Já os Guarani e Kaiowá, da comunidade indígena Guyraroká, de Caarapó, foram retirados do território pela ditadura e iniciaram a retomada em 2004. O pedido do MPF tramita desde 2015 e destaca no pedido de anistia, que a principal atividade econômica desenvolvida pelos indígenas Kaiowá é a agricultura e, quando retirados do seu território, ficaram completamente desprovidos do exercício de todas as suas atividades econômicas.
A desintegração do grupo e a ausência de acesso ao território tradicional, somada à extrema miséria, provocaram um número significativo de mortes por suicídio na comunidade. Em um grupo de 82 pessoas, registrou-se um caso de suicídio por ano entre 2004 e 2010.
O procurador do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, Edmundo Antonio Dias Netto, autor do requerimento de anistia ao povo Krenak, apresentado à comissão há nove anos, aponta o histórico de omissão do Estado brasileiro para responder às violações contra os indígenas, que sofrem até hoje as consequências do regime militar. “O Estado brasileiro precisa confrontar-se com a gravidade das violações que cometeu contra os povos indígenas no nosso país. Reconhecer esses malfeitos é o primeiro passo para uma reparação”.
A reparação coletiva defendida pelo MPF desde 2015 ficou parada durante os governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), foi indeferido na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e só se tornou possível em março do ano passado, após uma mudança no regimento interno da Comissão de Anistia, que julgava apenas casos individuais. Essa mudança na Comissão está relacionada à sua composição, que passou a contar, pela primeira vez, com uma comissionada indígena, a dra. Maíra Pankararu.
Entre os horrores cometidos neste período, estão as práticas da Guarda Rural Indígena, que transformava indígenas em militares para perseguir seu próprio povo. Um vídeo encontrado no Museu Nacional do Índio, chamado Arara, mostra a formatura da Grin, em 1970. Uma das imagens mais marcantes daquele momento mostra dois guardas indígenas marchando nas ruas de Belo Horizonte com um parente capturado, pendurado em um pau de arara.
A decisão pela anistia poderá impulsionar outras ações que o MPF move contra a União, o estado de Minas Gerais e contra o capitão Pinheiro, que cumpria o papel de chefe da Ajudância Minas-Bahia (instância da Funai que abrangia o território Krenak) e de comandante-geral da Grin. O capitão morreu em 2023, sem ser julgado na esfera criminal pelo crime de genocídio, pelo qual foi acusado. “O capitão Pinheiro submeteu o grupo étnico Krenak a condições de existência capazes de ocasionar sua destruição física total ou parcial, além de ter ensejado um processo de profunda traumatização psicossocial coletiva dos Krenak”, declarou Dias Netto.
Um grande anseio dos Krenak é destravar a demarcação do território de Sete Salões (MG), que tem valor espiritual para o povo e está com a Ação Civil Pública suspensa desde 2021, quando a Funai conseguiu junto ao Tribunal um efeito suspensivo da apelação.