Desde segunda-feira, 2, uma comitiva de lideranças indígenas da terra indígena Raposa Serra do Sol e do Conselho Indígena de Roraima estão em Brasília para cumprir uma agenda de apresentação dos avanços e conquistas após a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, homologada pela Presidência da República em 2005 e reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal(STF), em 2009. A agenda termina nesta sexta-feira, 6.
Para a agenda, as lideranças indígenas elaboraram um dossiê titulado “Raposa Serra do Sol um projeto de vida para os povos indígenas da Amazônia e do Brasil” que apresenta os avanços e conquistas após a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, um dos casos de demarcação e homologação mais simbólico e histórico já visto no Brasil. É possível baixar o dossiê aqui – Dossiê Raposa Serra do Sol_LM2 – FINAL
Como uma das principais atividades, as lideranças indígenas cumpriram agenda por dois dias, 3 e 4, no Supremo Tribunal Federal (STF), onde entregaram o dossiê a nove dos onze ministros da Suprema Corte, Dias Toffoli, Celso de Melo, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Rosa Webber, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Morais foram os únicos que receberam a comitiva, e a agenda com a Presidente do Supremo, Cármen Lúcia, ficou para confirmar hoje ainda.
Durante a visita, a Comissão composta pelas lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol, Jacir José de Souza, Eldina Gabriel, Pedro de Souza Silva e Irani Barbosa dos Santos, acompanhados pelo Vice-coordenador do Conselho Indígena de Roraima, Edinho Batista de Souza, pelo Assessor Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Luis Henrique Eloy e Assessora de Comunicação do CIR, Mayra Wapichana, prestaram agradecimento pelo reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas do Brasil, conforme reafirmado no ato histórico de homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol.
Edinho Batista de Souza, um dos porta-vozes da Comitiva, na recepção do Ministro Gilmar Mendes, na noite do dia 3, manifestou a importância da comitiva de apresentar aos Ministros os resultados após a homologação. “É importante a nossa comitiva de lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol está em diálogo com o senhor e entregar um documento que mostra a nossa real situação, depois de dez anos que a terra indígena Raposa Serra do Sol foi confirmada em área contínua pelos senhores neste Supremo” destacou Edinho.
“Por isso senhor Ministro, em nome dos povos indígenas da terra indígena Raposa Serra do Sol queremos agradecer o seu voto que deu a favor dos povos indígenas e dizer que a decisão da terra indígena foi uma decisão importante para os povos indígenas que diante de tantos sofrimentos e massacres, nos garantiu o direito de vivermos bem dentro do nosso próprio território” acrescentou.
Edinho também apresentou ao Ministro as principais conquistas alcanças nos últimos anos na área da educação, saúde e principalmente, no contexto de gestão territorial e ambiental, conforme também apontado no dossiê. “Atualmente, senhor Ministro, com a garantia do nosso território indígena Raposa Serra do Sol, estamos vivendo bem, graças as nossas comunidades indígenas que estão conseguindo se organizar cada vez mais, temos bastantes escolas indígenas, indígenas com mestrado e doutorado, alunos, agentes indígenas de saúde, técnicos indígenas, postos de saúde, temos 7 PGTAs (Plano de Gestão Territorial e Ambiental), e temos ainda, produção que além de nos alimentar bem, também estamos comercializando toneladas de produtos para a CONAB, órgão do Governo Federal” pontou Edinho falando sobre a produção comercializada à Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), que desde 2010 vem comprando alimentação para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
O dossiê aponta que segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) em 2010 a agricultura familiar do município do Uiramutã e Normandia, basicamente formada de famílias indígenas, vendeu um total de 98 toneladas de alimentos para o programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Em 2015 somente a associação de pais e mestres da escola do Maturuca vendeu para CONAB quatro toneladas de alimentos, entre abóbora, mandioca, feijão, milho, e outros produtos. Em 2010, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, os municípios de Normandia e Uiramutã somavam 26.400 cabeças de bovinos.
Os dados apontados no dossiê trazem à tona informações sobre a produção sustentável das comunidades indígenas da terra indígena Raposa Serra do Sol bastante criticada nos últimos tempos, quando manifestações políticas e até de Ministros, como o caso do Ministro Gilmar Mendes durante o julgamento no dia 16 de agosto no Supremo Tribunal Federal (STF), manifestando que Raposa Serra do Sol tinha sido um erro de demarcação e que os índios estariam passando fome, no lixão de Boa Vista, prática antiga de ataque contra os direitos dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol.
Com o cenário atual de avanços e conquistas, Edinho ainda reafirmou ao Ministro que a decisão do Supremo de reconhecer a demarcação e homologação da TI Raposa Serra do Sol não foi um erro, e sim, uma decisão certa. “Com isso, senhor Ministro, queremos mostrar que a decisão que o Supremo tomou em reconhecer a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol em área contínua foi uma decisão certa. Portanto, é preciso que o Poder judiciário reforce essas argumentações de que foi uma decisão correta e que está beneficiando os povos indígenas do Brasil” pontou Edinho.
Atualmente, uma das maiores preocupações do movimento indígena no Brasil tem sido em relação ao Marco Temporal, uma tese jurídica que começou com o voto do Ministro Carlos Ayres Brito dentro do processo da Raposa Serra do Sol onde discutia a constitucionalidade da demarcação em área contínua. Um dos levantamentos, estudos apresentados pelo Ministro foi de que Marco dos direitos começaria a partir da Constituição Federal, promulgada no dia 5 de outubro de 1988, efeito de onde surgiu a discussão da chamada Tese do Marco Temporal que, entre as suas definições, está o marco de reconhecimento de demarcação das terras indígenas a partir de 1988.
Uma tese que claramente vem ferindo os princípios dos direitos dos povos indígenas que é o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, um direito que, inclusive, foi defendido pelo próprio Ministro Carlos Ayres Britto ao votar favorável à demarcação em área contínua da Raposa Serra do Sol, também foi um dos principais pontos argumentados pelo vice-coordenador no final do encontro com o Ministro Gilmar Mendes e no ato também reforçou a não aplicação do Marco Temporal e as 19 Condicionantes no caso Raposa Serra do Sol aos demais processos de demarcação de outras terras indígenas no Brasil. “E por fim, senhor Ministro, em nome dos povos indígenas do Brasil de modo especial da terra indígena Raposa Serra do Sol, mais uma vez queremos agradecer o senhor e pedir o seu apoio para sensibilizar os demais Ministros para que não apliquem a tese do Marco Temporal e as 19 Condicionantes no caso Raposa Serra do Sol em outras terras indígenas do Brasil que ainda estão em processo de demarcação” concluiu Edinho.
As 19 Condicionantes reforçada pelo Parecer 001/AGU, assinado pelo Presidente da República, Michel Temer, tem sido uma das maiores ameaças aos direitos originários que tenta impedir qualquer ampliação de terra e tem sido, de forma inconstitucional, utilizada pelo próprio Poder Judiciário nas decisões dos processos demarcatórios.
A audiência com Ministro Gilmar Mendes, uma das mais aguardadas pela Comitiva pela oportunidade de levar até ele as informações verídicas dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol, não durou mais do que 10 minutos, após duas horas de espera e não teve nenhuma manifestação, como era de se esperar, apenas o gesto de receber a Comissão no seu gabinete. Na ocasião foi entregue o dossiê e o convite para a Feira Regional das Serras, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol no próximo dia 24 de novembro.
Ontem, 4, a Comitiva foi recebida pelo Ministro Alexandre de Moraes, onde também foi entregue o dossiê e o convite para a Feira Regional. Ao contrário da recepção do Ministro Gilmar Mendes, Alexandre de Morais recebeu a Comitiva com postura de um Ministro e ouviu atentamente as manifestações do Vice – coordenador, do líder tradicional Jacir José de Souza e Eldina Gabriel que até cantou um dos cantos tradicionais do povo Macuxi, como gesto de gratidão pela reafirmação dos direitos indígenas reafirmados pelos Ministros no último julgamento, dia 16 de agosto, da Ação Civil Ordinária 362 e 366, que resultou na soma de 8×0, a favor dos direitos originários, entre eles, o voto de Alexandre de Moraes.
Diante do cenário de ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil, medidas executivas, legislativas e até judiciarias, a peregrinação nos corredores do Supremo Tribunal Federal (STF) analisada como positiva pela Comissão indígena, serve para reforçar a luta, a união e resistência dos povos indígenas diante dos seus diferentes problemas, mas que focam em uma única causa, a defesa dos direitos originários garantidos na Constituição Federal Brasileira de 1988, promulgada hoje, 5 de outubro.
Para o líder tradicional Jacir José de Souza, 65 anos, uma das lideranças combatíveis na luta em defesa dos direitos dos povos indígenas do Brasil, especialmente, da Raposa Serra do Sol, uma luta que durou mais de 30 anos até ser efetiva, analisou o momento na Suprema Corte, ocasião que o fez relembrar das inúmeras vezes que estiveram ali, como ele diz, “batendo em porta e porta”, como um momento de explicar a situação do povo indígena frente as diversas formas de tentativas de desprezo da luta, principalmente, das conquistas quando contrários aos direitos dos povos indígenas espalham inverdades sobre a vida, a cultura e os direitos dos povos indígenas. “Analiso que o momento é de explicar a situação dos povos indígenas, porque sempre falam para nós que somos preguiçosos, mas nós entregamos as fotos da nossa produção, e isso é verdade. Então, acredito que isso também vai fortalecer a luta dos nossos companheiros de outras terras indígenas que não tem terra demarcada, porque a luta é exatamente para fortalecer todos os povos do Brasil” reforçou Jacir ao lembrar das outras terras indígenas em processo de demarcação.
Jacir ainda fez um chamado aos povos indígenas do Brasil. “Quero união de todos os indígenas do Brasil, para nós conversamos com as autoridades, porque se não unirmos, nós vamos perder a nossa terra” pediu Jacir.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) tem sido uma das organizações mais fortes no enfrentamento desses ataques constantes contra os direitos dos povos indígenas do Brasil. O Advogado indígena Luís Henrique Eloy, do povo indígena Terena, do estado de Mato Grosso do Sul acompanhou a Comissão de lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol nas audiências ao Supremo.
Luis Eloy avaliou ser válida a presença da delegação indígena, especialmente, por ser da terra indígena Raposa Serra do Sol. “Avalio ser muito válido a presença da delegação indígena, especialmente, por ser da Raposa Serra do Sol, que é um caso paradigmático que chegou ao Supremo Tribunal Federal e que até hoje repercute em todas as terras indígenas do Brasil. Então, vocês estando hoje, trazendo um dossiê de como está a situação das terras indígenas hoje, após o processo de demarcação é sem dúvida mais um marco no processo de luta pela terra, isso porque ouvimos muito nos últimos anos, pessoas falarem pela Raposa Serra do Sol, inclusive, pessoas que nunca foram à Raposa Serra do Sol e hoje as lideranças vem trazer esse dossiê e entregaram para cada ministro trazendo a realidade dessas comunidades indígenas” destacou Eloy,
Concluiu que a visita serviu para reafirmar os direitos dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol, assim como reafirmar os direitos das demais comunidades indígenas de outras terras do Brasil. “Essa visita é um passo importante de reafirmação dos direitos dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol, mas também dos direitos de todas as comunidades indígenas do Brasil, tendo em vista que foi um caso que impactou na vida de muita gente, concluiu Eloy.
A agenda da Comissão finalizou o dia de ontem, 4, com a realização do Seminário Raposa Serra do Sol e os direitos dos povos indígenas” realizado na Universidade de Brasília(UnB). Hoje, 5, participaram da abertura do Seminário Nacional dos 5 anos da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas(PNGATI)
À tarde, às 14h30, a Comitiva participa do lançamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, promovido pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Ascom- CIR