* Na foto, Sônia Guajajara da APIB entrega o manifesto em evento com presença de autoridades brasileiras.

 

Na terça-feira (14/11), aproveitando um encontro ontem durante a COP 23, em Bonn, entre representantes do governo do Brasil, Alemanha e Noruega, do Banco Nacional de Desenvolvimento/Fundo Amazônia, do setor privado e da sociedade civil para discutir os desafios e as oportunidades do desenvolvimento sustentável na Amazônia, lideranças indígenas, organizações ambientalistas e de defesa dos direitos humanos, junto com representantes da Frente Parlamentar Ambientalista, lançaram o manifesto para denunciar esses retrocessos e pedir medidas que interrompam esta trajetória rumo ao passado. O documento segue abaixo:

 

O Brasil na contramão: retrocessos internos comprometem metas do clima

Lideranças indígenas, organizações ambientalistas e de defesa dos direitos humanos, juntamente com representantes da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, uniram-se em Bonn, Alemanha, para protestar contra a contradição entre o discurso do Brasil na 23ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP 23) e a agenda de retrocessos em curso no país.

O grupo reconhece o esforço da diplomacia brasileira para sair deste encontro com um desenho progressista do livro de regras do Acordo de Paris. Porém o país, um importante ator nas negociações, está com a credibilidade internacional abalada por sucessivas medidas domésticas que impõem retrocessos, não só na agenda climática, mas também – e principalmente – na agenda de direitos humanos, que impactam toda a sociedade brasileira, atual e futura.

Os desafios internos para cumprir os compromissos brasileiros com as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) são enormes. As emissões nacionais de gases- estufa estão em alta. Dados do Observatório do Clima mostram que o Brasil emitiu em 2016 2,2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente a um aumento de 8,9% em relação ao ano anterior. É a maior alta em 13 anos e o maior valor desde 2008.

Mesmo com a redução recente da taxa de devastação na Amazônia, o Brasil está longe de cumprir sua meta climática doméstica. Só em 2017, o desmatamento no bioma foi de 6.624 km2. Este número é 70% maior do que o que determina a lei nacional do clima, segundo a qual, o Brasil não poderia chegar em 2020 com mais de 3.900 km2 desmatados. Ou seja, para cumprir a meta, seria necessário uma queda inédita na taxa de desmatamento nos próximos três anos.

Na área de energia, o país também caminha na contramão do que deve ser feito. O Plano Decenal de Energia (2017-2026) prevê que 70,5% de todos os recursos destinados à investimentos em energia na próxima década vá para combustíveis fósseis, em especial para a exploração do pré-sal. O setor ainda pode receber mais um incentivo do governo e do Congresso: está para ser votada no Plenário da Câmara uma Medida Provisória, a 795, que amplia o subsídio às petroleiras, gerando uma renúncia fiscal de até R$ 1 trilhão em 25 anos.

É notória a lista de retrocessos socioambientais computados nos últimos meses, ancorada na aliança entre o Palácio do Planalto e a bancada ruralista, que articula reformas que impõem perdas ambientais e sociais, em uma série de medidas que tem aumentado os conflitos no campo, assassinatos de ativistas, desmatamento e emissões. Entre elas, destacamos:

 

  • A Lei da Grilagem – A Lei 13.465/2017 anistia invasões de terras públicas feitas entre 2004 e 2011 e libera para regularização grandes propriedades de até 2.500 hectares.
  • O marco temporal – O governo está adotando medidas que materializam uma tese ruralista que retira os direitos de índios e quilombolas que foram expulsos de suas terras antes da promulgação da Constituição de 1988. Centenas de processos de demarcação estão sendo afetados.
  • Corte orçamentário – No bastasse a imposição da Emenda Constitucional 95 – que congela os investimentos públicos por 20 anos, e sucessivos cortes orçamentários que atingem frontalmente os órgãos de fiscalização e programas sociais, a proposta orçamentária para 2018 reduz ainda mais a capacidade do Estado de promover as políticas públicas. Isso compromete, entre outros, as atividades fundamentais da Funai, Incra e ICMBio, distanciando o Brasil dos compromissos no Acordo de Paris e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
  • Trabalho escravo – Nosso país, que obteve reconhecimento internacional no combate ao trabalho escravo, em outubro deu outro passo atrás. O governo baixou uma portaria mudando o conceito de trabalho escravo de forma a dificultar a fiscalização e autuação deste crime.
  • Arrendamento em Terras Indígenas – O governo, atendendo a mais um pleito ruralista, anunciou que enviará ao Congresso uma proposta de arrendamento de Terras Indígenas para o agronegócio. A medida, em afronta à Constituição, vai aumentar o desmatamento, a desagregação social e os conflitos.
  • Criminalização e assassinato de ativistas – O Brasil é o país que mais mata lideranças indígenas, trabalhadores rurais, ambientalistas e defensores de direitos humanos. Os casos não contam com investigações aprofundadas e poucos criminosos chegam a ser indiciados. A bancada ruralista conduziu uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Funai e Incra com o claro objetivo de criminalizar lideranças e defensores dos direitos indígenas e quilombolas, membros do Ministério Público Federal e da academia.

 

Além disso, há outros retrocessos iminentes tramitando no Congresso: a flexibilização do licenciamento ambiental e do registro de agrotóxicos, a desregulamentação do setor de mineração e o enfraquecimento das unidades de conservação. O conjunto desses retrocessos e ameaças aos direitos conquistados enfraquece a posição brasileira nas negociações do clima. Nós, lideranças indígenas, parlamentares e sociedade civil, denunciamos essa incoerência. Demandamos que cessem o uso da agenda socioambiental como moeda de troca para a manutenção do governo. Exigimos:

  • Que a Medida Provisória 795 seja retirada do Congresso;
  • Que tanto a da Lei da Grilagem quanto a portaria do trabalho escravo, sejam revogadas;
  • Que o orçamento dos órgãos de fiscalização e apoio às comunidades tradicionais e agricultura familiar seja recomposto.
  • Repudiamos também todo e qualquer ato do Executivo, Legislativo ou Judiciário que atentem contra os direitos constitucionais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, e seus modos de vida.

 

Entendemos que, sem reverter esses retrocessos, o Brasil não terá condições de cumprir os acordos internacionais. Mas, muito pior do que isso, ao jogar fora ativos fundamentais, como sua diversidade biológica, e desprezar sua sociodiversidade, o país está fechando diante de si a melhor oportunidade de construir uma agenda real de desenvolvimento no século marcado pelos desafios das mudanças climáticas.

Assinam este manifesto:

  • Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
  • Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme)
  • Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste) Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul)
  • Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (Amaaic)
  • Associação Terra Indígena Xingu (ATIX) Aty Guassu
  • Centro de Trabalho Indigenista (CTI) Comissão Guarani Ywyrupa
  • Comissão Pro-índio do Acre (CPI-AC) Conselho das aldeias Wajãpi (Apina) Conselho Indígena de Roraima (CIR) Conselho Terena
  • Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) Coordenação do Observatório do Clima
  • Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)
  • Frente Parlamentar Ambientalista
  • Greenpeace
  • Hutukara Associação Yanomami (HAY)
  • Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) Instituto Socioambiental (ISA)
  • Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiac) Organização Geral Mayuruna (OGM)
  • Rede de Cooperação Amazônica (RCA)
  • SOS Mata Atlântica
  • Uma Gota no Oceano
  • Wyty-Catë – Associação dos Povos Indígenas Timbira