Avaliação da APIB destaca conquistas históricas, mas cobra ambição territorial e mecanismos vinculantes para o futuro climático.

A 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém entre 10 e 22 de novembro, marcou um momento inédito ao colocar territórios, vozes e propostas dos povos indígenas no centro do debate climático global. O movimento indígena chegou com uma agenda clara, sintetizada nas NDC’s Indígenas, fruto de anos de articulação multilaterais com governos, filantropia, fundos, dentre outros atores. Segundo a APIB e suas sete organizações regionais, as conquistas resultam de luta e articulação política, não de concessões voluntárias.

“Nesta COP, houve grandes avanços na pauta indígena, especificamente no reconhecimento territorial e nas demarcações como política de mitigação. Esta é uma demanda dos povos indígenas que pautou o Governo Federal através das NDCs. É importante ressaltar que esses avanços não foram entregues ou dados, mas sim resultado de luta, construção e diálogo para que essas manifestações ocorressem”, Dinamam Tuxá, coordenador executivo da APIB pela APOINME.

A APIB registrou a maior participação indígena da história das COPs: cerca de 5.000 indígenas presentes em Belém, mais de 4 mil brasileiros, e mais de 900 credenciados na Zona Azul, superando Dubai. As marchas foram centrais, especialmente a Marcha Global Indígena – A Resposta Somos Nós, que reuniu mais de 3 mil pessoas cobrando demarcação e proteção territorial.

“Houve um avanço significativo na participação na zona azul, com delegações indígenas engajadas em debates importantes sobre a crise climática. Sabemos que ainda não é o número ideal de participação que desejamos para os povos indígenas, mas já representa um progresso”, Alberto Terena, coordenador executivo da APIB pelo Conselho Terena.

A principal demanda — reconhecimento da demarcação e proteção de territórios indígenas como política climática — teve avanços com 10 portarias declaratórias, quatro homologações e seis estudos finalizados. Porém, o ritmo segue insuficiente: 93 Terras Indígenas estão prontas para demarcação e aguardam conclusão.

Entre os avanços institucionais, destaca-se o anúncio do Programa de Proteção de Terras Indígenas (PPTI), estruturado em três pilares: demarcação e segurança jurídica; gestão territorial protagonizada por indígenas; e fortalecimento das organizações com mecanismos financeiros próprios. A APIB defende governança co-decisória no programa. 

“Esta COP 30 teve a maior participação dos povos indígenas, e embora tenhamos tido alguns avanços nas demarcações, gostaríamos que fossem mais amplos, especialmente em territórios com maior número de violências”, Luana Kaingang, coordenadora da Arpinsul. 

Outras conquistas foram: inclusão de Povos Indígenas, Comunidades Locais e Povos Afrodescendentes no texto final; reconhecimento da Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e Contato Recente no Programa de Trabalho da Transição Justa; apresentação da NDC Indígena como única proposta não estatal; e prêmios internacionais recebidos pela APIB durante a Cop30.

No campo financeiro, houve anúncios concretos. Durante a COP30, o Grupo de Financiadores sobre Florestas e Posse da Terra (FTFG) anunciou seu segundo compromisso global de apoio aos direitos territoriais de povos indígenas, comunidades locais e afrodescendentes — reconhecendo o papel central na proteção das florestas, da biodiversidade e no enfrentamento da crise climática. O novo compromisso prevê um investimento de US$ 1,8 bilhão entre 2026 e 2030.

A APIB, por meio da Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC) e de sua Plataforma Shandia, para que esse anúncio se concretizasse e para garantir que os recursos não ficassem restritos aos ecossistemas florestais, mas contemplassem todos os biomas, reconhecendo a presença indígena em todo o território.

Além disso, mais de US$ 6,6 bilhões foram anunciados para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), que definiu que 20% dos pagamentos destinados a cada país serão direcionados diretamente a organizações indígenas e de comunidades locais. A APIB decidiu se engajar ativamente no processo de co-desenho do TFFF em fevereiro de 2025, por entender que a iniciativa representa uma oportunidade concreta de transformar a arquitetura do financiamento climático.

Desafios para a COP31

Apesar dos avanços, o acordo final da COP30 ficou aquém do necessário. Não houve a inclusão do Mapa do Caminho para a saída dos combustíveis fósseis e nenhum avanço para zerar o desmatamento até 2030. A APIB denuncia que o reconhecimento da importância dos povos indígenas não foi acompanhado por mecanismos vinculantes:

  • Os direitos territoriais precisam aparecer na parte operacional do texto, e não apenas em parágrafos introdutórios.
  • A Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) precisa se tornar uma obrigação operacional nos mecanismos climáticos, garantindo consentimento vinculante, e não apenas consultas simbólicas.
  • Não foram garantidas Zonas de Exclusão livres de mineração e extrativismo destrutivo nos territórios de PIIRC.
  • A Lei 14.701 (Marco Temporal) continua limitando a efetividade das demarcações e impondo insegurança jurídica.

Rumo à COP31, a APIB seguirá com a campanha “A Resposta Somos Nós”, cobrando a implementação da NDC Indígena, consolidação do PPTI, defesa do fim dos fósseis e garantia de espaços democráticos para pressão social. Para a APIB, não haverá ambição climática real sem ambição territorial.

Confira o relatório de avaliação da COP30 aqui: https://apiboficial.org/2025/11/27/avaliacao-da-articulacao-dos-povos-indigenas-do-brasil-apib-sobre-a-cop30/