Foto: @tukuma_pataxo | APIB
O Supremo Tribunal Federal iniciou, em 15 de dezembro, o julgamento virtual conjunto da ADC 87 e das ADIs 7582, 7583 e 7586, com previsão de término em 18 de dezembro, que discutem a (in) constitucionalidade da Lei nº 14.701/2023, relativa à demarcação de terras indígenas. Até o momento, votaram os Ministros Gilmar Mendes (Relator), Flávio Dino, Cristiano Zanin e Luiz Fux.
O Ministro Gilmar Mendes, relator, afastou a tese do marco temporal e reconheceu a omissão inconstitucional da União quanto ao cumprimento do art. 67 do ADCT – que dava o prazo de 5 anos, contados de 05 de outubro de 1988, para a União concluir a demarcação das terras indígenas. Seu voto estabeleceu o prazo de 10 anos para o Estado brasileiro concluir a demarcação das terras indígenas. Porém não trouxe que mecanismos estruturantes serão adotados para tanto – como abertura de crédito extraordinário, dotação de recursos humanos e outras medidas para o fortalecimento institucional da Funai.
Além disso, o voto introduz condicionantes ao procedimento de demarcação que fragilizam diretamente os direitos territoriais indígenas, como a possibilidade de remoção dos povos indígenas para terras ditas “alternativas”, a criminalização das retomadas – ao colocar no final da fila da demarcação os povos que delas participem e ao autorizar a retirada imediata, independentemente de decisão judicial, de indígenas que realizem retomadas -, além da substituição do rito demarcatório pela desapropriação por interesse social após o julgamento, a submissão da revisão de perímetros demarcados por erro estatal a critérios de proporcionalidade entre extensão territorial e população indígena, a participação de interessados e de entes federados no processo administrativo antes mesmo de saber o perímetro da terra indígena e, por fim, a ampliação das hipóteses de indenização aos não indígenas.
O Ministro Flávio Dino acompanhou o relator com ressalvas importantes à defesa dos direitos indígenas, reconhecendo de forma expressa os direitos indígenas como cláusulas pétreas, divergindo da aplicação de regras de impedimento e suspeição do processo civil aos estudos antropológicos, além de defender a prevalência da posse indígena em casos de sobreposição com unidades de conservação e de considerar inconstitucional a flexibilização excessiva da exploração econômica por terceiros não-indígenas, o que fere o usufruto exclusivo dos povos indígenas.
O Ministro Cristiano Zanin acompanhou o voto do relator com ressalvas similares àquelas apresentadas pelo Ministro Flávio Dino, reforçando a centralidade do art. 231 da Constituição, o caráter originário dos direitos indígenas e a obrigatoriedade da consulta nos termos da Convenção nº 169 da OIT. Ressaltou, ainda, a inadequação de transpor lógicas restritivas do processo civil aos antropólogos que realizam os trabalhos de campo e a necessidade de compatibilizar prazos com a capacidade institucional da Funai, alargando para 180 dias para a adoção de providências iniciais determinadas sobre as demarcações em curso.
Por fim, o Ministro Luiz Fux acompanhou integralmente o voto do relator, de modo que não apresentou um voto próprio tecendo suas contribuições.
Apesar das diferentes ressalvas apresentadas ao longo do julgamento, há convergência entre os votos no reconhecimento dos direitos originários dos povos indígenas nos termos do Tema 1031 , de modo que compreendem que tais direitos integram o rol de cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, estando protegidos em relação a retrocessos apresentados na forma de Propostas de Emenda à Constituição (PECs).
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB segue atuando no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional em defesa dos direitos indígenas, para que não haja nenhum retrocesso aos Arts. 231 e 232 da Constituição – conquistados por muita luta dos nossos parentes – e, nesse sentido, solicita a declaração de inconstitucionalidade integral da Lei do Genocídio Indígena (Lei 14.701/2023).