Nós, discentes da graduação e pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, viemos por meio desta manifestar nosso pleno e integral apoio ao curso de graduação Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica (LII), bem como aos estudantes indígenas que estão regularmente matriculados no mesmo.
Sabemos que este curso, criado nesta Universidade em 28 de abril de 2010, a partir da Resolução n. 004/CEG/2010, consiste num importante fruto do longo processo de luta dos povos indígenas Guarani, Kaingang e Laklãnõ/Xokleng juntamente com a CIESI – Comissão Interinstitucional de Educação Superior Indígena (composta por pesquisadores, técnicos da Secretaria de Estado da Educação – SED, membros de entidades indigenistas como CIMI, COMIN e CAPI), visando assegurar e garantir o direito à educação superior diferenciada, específica, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária (conforme destacam o Capítulo VIII, Art. 231, da CF 1988; a Lei 9.394, de 1996 – LDB; as Resoluções CNE/CBE n.03/99 e 05/12, do PNE; a Parte VI da Convenção 169 da OIT).
A demanda desses povos do Sul do Brasil por formação superior indígena na UFSC refere-se, prioritariamente, aos seus direitos garantidos constitucionalmente e surge da necessidade de qualificação dos professores indígenas para atuarem nas respectivas comunidades e escolas, respeitando sua organização social e política, identidades, territorialidades, histórias, costumes, línguas, cosmovisões, tradições e processos próprios de ensino-aprendizagem. Por essa razão, a criação da Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica consiste num importante passo da Universidade Federal de Santa Catarina no que se refere à garantia deste direito à educação superior dos povos indígenas e reconhecimento de sua importância no passado, presente e futuro do desenvolvimento deste país, no qual têm sido historicamente excluídos e vêm sofrendo os mais diversos tipos de violência e genocídio por séculos, em diferentes contextos de contato interétnico com a sociedade não-indígena.
Até o momento, a LII já formou 79 professores indígenas, oriundos da primeira turma iniciada em 2011, e estão em fase de conclusão 41 estudantes, integrantes da segunda turma, de 2016, pertencentes aos povos Guarani, Laklãnõ/Xokleng e Kaingang. A permanência dos indígenas nos cursos é garantida pelas Políticas de Assistência Estudantil Emergencial/PAEP, e pelas políticas conduzidas pela Pró-reitoria de Assistência Estudantil/PRAE, via alojamento e isenção no Restaurante Universitário, ações de responsabilidade da UFSC que devem ser mantidas e ampliadas. Reivindicamos, de forma emergencial, que seja mantida a continuidade do curso da LII com a abertura de seleção para ingresso de nova turma em 2020, garantindo de forma prioritária as políticas de acesso e permanência.
Apesar de institucionalizado, o curso, embasado na pedagogia da alternância (tempo universidade e tempo comunidade), ainda não conta com entradas regulares anuais ou bianuais, a serem viabilizadas com aporte financeiro da UFSC. Hoje a LII funciona na UFSC a partir de: edital aprovado em 2009, com recursos parciais do MEC e da colaboração de professores de vários departamentos, pois não tem corpo docente próprio, contratado via concurso. Consideramos de suma importância que a UFSC adote como prioridade a disponibilização de vagas específicas para contratação, por concurso público, de docentes indígenas e não indígenas para o curso da LII e que também possam ministrar aulas em outros Cursos de Licenciatura para atender à Lei 11.645/2008.
Compreendemos ser de suma importância que a UFSC reafirme seu compromisso histórico com os povos indígenas e assuma as responsabilidades acima descritas, a fim de viabilizar a efetiva continuação da LII, honrando com a histórica vanguarda da instituição no cumprimento e garantia do direito constitucional à educação superior diferenciada, específica, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária.
O contexto atual de desmonte da Universidade e da Educação Pública incide diretamente com a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão/SECADI, do MEC, por meio do Decreto nº 9.465, de 2 de janeiro de 2019, secretaria responsável pelos programas e projetos de educação diferenciada como o Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas/PROLIND, ao qual estão vinculadas as licenciaturas interculturais indígenas no país. O orçamento anual previsto de 3 milhões de reais para atender os programas voltados para educação do campo, indígena e quilombola, que se apresentava já insuficiente, foi submetido à um corte drástico de 95%, inviabilizando a execução plena dos programas e projetos. Estas ações ferem a Constituição Federal na medida em que impossibilitam o cumprimento das garantias constitucionais acima apontadas.
Dessa forma, nos posicionamos publicamente em prol da continuidade e permanência digna da LII nesta Instituição Federal de Ensino Superior, conjuntamente com entidades e segmentos sensíveis à causa que se somam neste movimento de luta pelas garantias mínimas de exercício da Universidade Pública autônoma, gratuita, diversa, inclusiva e de qualidade.
Assinam,
Discentes do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social PPGAS/UFSC.
Discentes do Curso de Graduação em Antropologia Social/UFSC.
Centro Acadêmico Livre de Antropologia (CALANT).
Núcleo de Estudos de Povos Indígenas – NEPI.
Florianópolis, 01 de Outubro de 2019.