STF retoma julgamento histórico  sobre o “marco temporal” nesta quarta, 1º de setembro

STF retoma julgamento histórico sobre o “marco temporal” nesta quarta, 1º de setembro

foto: @cicerone.bezerra

Sessão está prevista para iniciar às 14h, com a sustentações orais das partes envolvidas no processo; indígenas se mobilizam em Brasília e nos territórios para acompanhar o julgamento

Com sessão prevista para iniciar às 14h desta quarta-feira, 01 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento sobre a questão do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas (TIs), suspenso na última quinta-feira (26) após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin. Ainda na quinta, o presidente da Corte, Luiz Fux, confirmou que o caso seria retomado como primeiro item da pauta por se tratar de um assunto “muito importante” com decisão nesta semana ou nos “dias subsequentes”.

Como já foi realizado a leitura do relatório, a sessão será retomada com as sustentações orais das partes envolvidas no processo: da Advocacia-Geral da União (AGU), representando a União; dos advogados da comunidade Xokleng, da TI Ibirama-LaKlãnõ (SC), alvo da ação original; do Instituto do Meio Ambiente do estado de Santa Catarina (IMA), que propôs a ação; além da Procuradoria-Geral da República (PGR), que se manifesta obrigatoriamente em processos envolvendo a temática indígena. AGU, PGR e as partes do processo terão, cada uma, 15 minutos de fala.

Em seguida, devem ocorrer as 34 falas dos chamados amici curiae – “amigos da Corte”, pessoas ou organizações que auxiliam as partes mais diretamente interessadas no caso e oferecem subsídios aos ministros e ministras que deverão proferir seus votos na sequência do julgamento.

Estão cadastrados para falar 21 amici curiae favoráveis aos direitos dos povos indígenas, entre organizações e instituições indígenas e indigenistas, socioambientais e de direitos humanos, e 13 contrários, ligados a representações e entidades do agronegócio. Cada fala terá até cinco minutos.

“Ter iniciado com a leitura do relatório já é um elemento extremamente importante. Foi um relatório minucioso do ministro Edson Fachin, que traz as grandes questões envolvidas na disputa processual neste recurso extraordinário, ou seja, as relações de posse com relação às áreas de ocupação tradicional indígena à luz do artigo 231 da nossa Constituição Federal”, destaca Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenistas Missionário (Cimi) e advogado do povo Xokleng no caso.

A expectativa é que as sustentações orais das partes, da AGU, da PGR e dos amici curiae ocorram por quase toda a tarde de quarta-feira (1º). A seguir, o primeiro ministro a proferir seu voto deve ser o relator, Edson Fachin.

Os povos originários, organizações indígenas e indigenistas esperam que o ministro relator, Edson Fachin, que já apresentou seu voto quando o processo estava em Plenário Virtual, “traga um voto idêntico ou similar ao que já havia sido apresentado, contra a tese do ‘marco temporal’, que é repelida pelos povos indígenas, pelas organizações de apoio e da sociedade civil, artistas, intelectuais, pela sociedade como um todo, e em defesa do direito originário, da ‘tese do indigenato’, que é a vontade do constituinte originário de 1988, portanto, em defesa da nossa Constituição Federal”, reforça o advogado do povo Xokleng.

Depois de Fachin, os outros nove ministros devem apresentar seus votos. Eles ainda podem solicitar uma nova suspensão do processo para analisá-lo melhor, o chamado pedido de “vistas”.

Teses em disputa
A Corte irá analisar a reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. O caso recebeu, em 2019, status de “repercussão geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

No centro da disputa há duas teses:
A tese do chamado “marco temporal”, uma tese ruralista que restringe os direitos indígenas. Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese é defendida por empresas e setores econômicos que têm interesse em explorar e se apropriar das terras indígenas.

Oposta ao marco temporal está a “teoria do indigenato”, consagrada pela Constituição Federal de 1988. De acordo com ela, o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à formação do próprio Estado brasileiro, independe de uma data específica de comprovação da posse da terra (“marco temporal”) e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial. Esta tese é defendida pelos povos e organizações indígenas, indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos.
“A nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas”, reafirma o movimento indígena em nota divulgada no sábado (28). Os indígenas também asseguram seguir “resistindo, reivindicando respeito pelo nosso modo de ver, ser, pensar, sentir e agir no mundo”.

Mobilização indígena
Na semana passada, seis mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país estiveram presentes em Brasília, reunidos no acampamento “Luta pela Vida” para acompanhar o julgamento no STF e lutar em defesa de seus direitos, protestando também contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional, na maior mobilização indígena dos últimos 30 anos.

Após o início do julgamento e a previsão de que fosse retomado nesta quarta-feira (1º), os indígenas decidiram manter a mobilização em Brasília e nos territórios. Assim, cerca de mil lideranças indígenas, representando seus povos, permaneceram em Brasília, e o acampamento “Luta pela Vida” foi transferido para um novo local, a Funarte.

No início da tarde desta quarta-feira (1º), os povos indígenas que permanecem em Brasília devem sair do acampamento em marcha até a Praça dos Três Poderes, onde irão acompanhar o julgamento no STF.

Seguindo os protocolos sanitários de combate à Covid-19, o grupo permanecerá até o dia 2 de setembro e posteriormente unem forças com a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece entre os dias 7 e 11 de setembro.

PRIMAVERA INDÍGENA: mobilização permanente pela vida e democracia

PRIMAVERA INDÍGENA: mobilização permanente pela vida e democracia

Foto: @cicerone.bezerra

Em memória dos nossos ancestrais, que entregaram as suas vidas para existirmos. Dos encantados que nos trouxeram até aqui para dar continuidade às suas lutas em defesa dos nossos corpos, terras e territórios, a nossa identidade e culturas diferenciadas, dizemos à sociedade brasileira e internacional que estamos em mobilização permanente em defesa da VIDA e da DEMOCRACIA.

A nossa luta não é apenas para preservar a vida dos nossos povos mas da humanidade inteira, hoje gravemente ameaçada pela política de extermínio e devastação da Mãe Natureza promovida pelas elites econômicas – que herdaram a ganância do poder colonial, mercantilista e feudal expansionista – e de governantes como o genocida Jair Bolsonaro.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deu início ao acampamento Luta pela Vida, em Brasília, no dia 22 de agosto e reforça nesta carta que seguiremos mobilizados até o dia 2 de setembro de 2021 para lutarmos por nossos direitos. Hoje, essa é a maior mobilização na história dos povos originários, na Capital Federal, e reforça nosso grito: Nossa história não começa, em 1988!

Mesmo colocando nossas vidas em risco, no contexto ainda gravemente perigoso da Covid-19, estamos aqui para dizer aos invasores dos nossos territórios que não passarão, mesmo diante dos intensos ataques aos nossos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988.

Ocupamos as redes, as ruas, as aldeias e Brasília para lutarmos pela democracia, contra a agenda racista e anti-indígena que está em curso no Governo Federal e no Congresso Nacional e para acompanhar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que vai definir o futuro dos nossos povos.

Durante o mês de junho de 2021, realizamos o Levante pela Terra, dando início às nossas primeiras atividades presenciais, em Brasília, para enfrentarmos o agravamento das violências contra as vidas indígenas. A partir de então, começamos um novo ciclo de jornada de lutas, que desde março de 2020, aconteceram de forma virtual e dentro dos nossos territórios, devido à pandemia.

Por enfrentarmos muitos vírus, incluindo a política genocida de Bolsonaro, começamos a nossa ‘Primavera Indígena’ que pretende ocupar Brasília de forma constante, em 2021, além de seguirmos nas redes sociais e nos territórios mobilizados.

Afirmamos que de 7 a 11 de setembro às mulheres indígenas estarão na linha de frente para enterrar de vez a tese do Marco Temporal, durante a 2ª marcha das mulheres indígenas: as originárias reflorestando mentes para a cura da Terra.

No dia 26, o STF iniciou o julgamento que vai definir as demarcações de Terras Indígenas (TIs). Sem previsão de término, os povos indígenas seguem mobilizados para acompanhar o desfecho das votações dos ministros e ministras do Supremo.

Lutaremos até o fim para manter o nosso direito originário às terras que tradicionalmente ocupamos e protegemos. Fazendo parte deste país, mantendo a nossa condição de povos culturalmente diferenciados, mesmo que autoridades públicas e corporações privadas nos considerem empecilhos ao desenvolvimento. Desenvolvimento esse, que desde os primórdios da invasão europeia é devastador, etnocida, genocida e ecocida e que nos tempos atuais encontrou, e não por acaso, nesse desgoverno, um protótipo para perpetuar o seu projeto de dominação.

Somos filhos da Terra! E a Terra não é Nossa, somos nós que fazemos parte dela. É o útero que nos gera e o colo que nos acolhe. Por isso damos a Vida por Ela. Na nossa tradição nunca houve essa história de regulamentar quem é ou não é dono da terra, pois a nossa relação com ela nunca foi de propriedade . A nossa posse é coletiva tal qual é o usufruto. É esse o fundamento basilar da nossa existência, que a ignorância da cultura da dita civilização ocidental não entende, mesmo após 521 anos.

Essa contradição está na base das disputas que os herdeiros ou descendentes dos invasores insistem em manter conosco. Disputam incansavelmente os nossos territórios sem trégua, tanto durante as distintas fases da formação e configuração do Estado Nacional Brasileiro quanto nos dias de hoje!

As elites neocoloniais, também promotoras e beneficiárias da ditadura militar, tomaram conta da maior parte do atual Congresso Nacional e permanecem defendendo a continuidade de seu controle hegemônico, de domínio de corpos, terras e territórios e não apenas dos povos indígenas. Pretendem nos fazer crer que vão desenvolver o Brasil, quando, na verdade, estão promovendo um Projeto de Morte da Mãe Natureza – das florestas, dos rios, da biodiversidade – e de povos e culturas detentores de sabedorias milenarmente acumuladas, na contramão de pesquisas científicas. Segundo os dados mais recentes do Painel de Mudanças Climáticas da ONU, há um incontestável aumento da temperatura do planeta, de enchentes, dentre outros desastres ambientais, provocados obviamente por esse modelo de desenvolvimento.

Por conta de tudo isso é que dizemos NÃO a toda e qualquer iniciativa que venha ignorar a nossa histórica e estratégica proteção da vida, da humanidade e do planeta. Também dizemos NÃO a todos aqueles que se propõe violar os nossos direitos por meio de centenas de medidas administrativas, jurídicas, legislativas e ações judiciais.

A nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas. Por isso continuaremos resistindo, reivindicando respeito pelo nosso modo de ver, ser, pensar, sentir e agir no mundo.

Sob a égide do texto Constitucional, confiamos que a Suprema Corte irá sacramentar o nosso direito originário à terra, que independe de uma data específica de comprovação da ocupação, conforme defendem os invasores. Por meio da tese do “marco temporal”, os atuais colonizadores querem ignorar que já estávamos aqui quando seus ascendentes dizimaram muitos dos nossos ancestrais, erguendo sobre os seus cadáveres o atual Estado nacional.

Amparados por nossa ancestralidade e pelo poder dos nossos povos, da nossa espiritualidade e da força dos nossos encantados que prezam pelo Bem Viver, nosso e da humanidade, dizemos não ao Marco Temporal! E conclamamos a sociedade nacional e internacional, em especial às distintas organizações e movimentos sociais que estiveram sempre conosco, e sobretudo às nossas bases, povos e organizações indígenas para que continuemos vigilantes e mobilizados na defesa dos nossos direitos.

Brasília – DF, 27 de agosto de 2021.

Acampamento Luta pela Vida
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Mobilização Nacional Indígena – MNI

Mobilização Permanente: Indígenas seguem em luta na capital federal e nos territórios

Mobilização Permanente: Indígenas seguem em luta na capital federal e nos territórios

Foto: Matheus Alves

Em plenária, os 6 mil indígenas presentes no acampamento “Luta Pela Vida”, decidem manter a mobilização, de forma permanente, em Brasília e nos territórios em todo país, até o julgamento do Marco Temporal. Em memória a seus ancestrais e encantados, em defesa de seus corpos, terras e territórios, identidade e culturas diferentes, reafirmam a mobilização em defesa da vida.

Mobilizados na capital federal, desde o domingo 22 de agosto, um dos motivadores da decisão de estender a mobilização é o início do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a questão do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas. A sessão foi suspensa por falta de tempo, na quinta-feira, 26, após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin. O presidente da Corte, Luiz Fux, garantiu que o julgamento será retomado na quarta-feira, dia 1º de setembro.

Em carta publicada na noite desta sexta-feira, 27, o Movimento Indígena reafirma “confiamos que a Suprema Corte irá sacramentar o nosso direito originário à terra, que independe de uma data específica de comprovação da ocupação, conforme defendem os invasores”. Amparados na ancestralidade e “pelo poder dos nossos povos, da nossa espiritualidade e da força dos nossos encantados que prezam pelo Bem Viver, nosso e da humanidade, dizemos não ao Marco Temporal”, reforçam os indígenas.

Cerca de mil lideranças indígenas, representando seus povos, irão permanecer acampados em Brasília, em um novo local: na FUNARTE. Seguindo os protocolos sanitários de combate à Covid-19, o grupo permanecerá até o dia primeiro de setembro, a continuidade da mobilização Luta Pela Vida antecede a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece entre os dias 7 e 11 de setembro.

“A nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas”, assegura o Movimento Indígena. Também, asseguram seguir “resistindo, reivindicando respeito pelo nosso modo de ver, ser, pensar, sentir e agir no mundo”.

Confira o documento, que reforça a ‘Primavera Indígena’ de mobilizaçoes permanentes, em Brasília aqui

Em ato simbólico, povos indígenas denunciam agenda anti-indígena do governo federal e do Congresso

Em ato simbólico, povos indígenas denunciam agenda anti-indígena do governo federal e do Congresso

Fotos: @mvelos2 / @midianinja

No sexto dia do acampamento “Luta pela Vida”, mais de 6 mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país marcharam pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para denunciar a agenda anti-indígena do Congresso Nacional e do governo federal. O ato ocorreu na manhã desta sexta-feira (26).

Com cantos e rituais, carregando um grande caixão que simbolizava os “projetos de morte” contra seus direitos, os povos manifestaram-se em frente ao Congresso Nacional, ao Ministério da Justiça e ao Palácio do Planalto, onde o caixão foi queimado.

“Ecocídio”, “marco temporal não”, “não é só um vírus”, “fora garimpo”, “fora grilagem” e “condenação ao genocida” foram algumas das mensagens gravadas no caixão simbólico, que também trazia uma lista dos principais Projetos de Lei (PLs) que atacam os direitos dos povos indígenas.

Com um discurso abertamente anti-indígena, o governo de Jair Bolsonaro paralisou as demarcações de terras e esvaziou os órgãos de fiscalização contra crimes ambientais, favorecendo invasores, grileiros e garimpeiros que atuam ilegalmente nos territórios tradicionais. “Fora Bolsonaro, genocida!”, cobraram os indígenas, em coro, em frente à sede do governo federal.

Durante a manifestação, os povos indígenas também ocuparam o espelho d’água do Ministério da Justiça (MJ), responsável por uma das principais etapas do processo de demarcação de terras indígenas.

Sob o governo Bolsonaro, mais do que estagnar, as demarcações retrocederam: ainda em 2020, o Ministério Público Federal (MPF) identificou pelo menos 27 procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas que aguardavam a emissão da Portaria Declaratória, sob responsabilidade do MJ, e foram devolvidas à Funai para serem revisadas com base na tese do marco temporal.

Congresso anti-indígena
No Congresso Nacional, os povos manifestaram-se contra as diversas propostas legislativas que buscam restringir seus direitos. Entre elas, destaca-se o PL 490/2007, recentemente aprovado na CCJC da Câmara, que flexibiliza o usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários, garantido pela Constituição, e na prática inviabiliza demarcações de terras indígenas.

Entre as restrições às demarcações de terras indígenas que o PL 490 busca impor está a tese do marco temporal, que está sendo analisada no processo de repercussão geral que está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF). Os povos indígenas acompanham o julgamento, que iniciou ontem (26) e deve ser retomado no dia 1/09.

Além do PL 490/2007, outras propostas legislativas que buscam restringir ou retirar os direitos dos povos indígenas foram listadas como “PLs da morte” no caixão e simbolicamente queimadas junto com ele.

Um dos projetos denunciados foi o PL 191/2020, de autoria do governo Bolsonaro, que libera a mineração, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas terras indígenas.

Os PLs 2633/2020 e 510/2021, conhecidos como PLs da Grilagem de Terras, ampliam as áreas passíveis de regularização como propriedade privada – e, portanto, abrem caminho para a legalização de áreas griladas. O PL 510, além disso, pretende alterar a data limite para que invasões de terras públicas sejam legalizadas, passando o prazo de 2011 para 2014.

O PL 3729/2004, que agora tramita no Senado com o número 2159/2021, desmonta o licenciamento ambiental, ao isentar 13 tipos de atividades e permitir o “autolicenciamento” para uma série de projetos.

Também integrava a lista de “PLs da Morte” o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021, que pretende retirar o Brasil da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), principal instrumento de direito internacional para a proteção dos direitos indígenas. Entre outras coisas, a Convenção 169 garante aos povos indígenas o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada sobre projetos que afetem suas vidas, direitos e territórios.

“Esse ato representou o genocídio que está sendo causado aos povos indígenas do Brasil, com todas essas armadilhas e questões que estão tramitando dentro do Congresso que tiram os direitos dos povos indígenas à terra, à vida”, explica Paulo Tupiniquim, coordenador da Articulação dos Povos e Organizações indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

“O povo indígena sem terra, sem meio ambiente, sem floresta, não tem vida. Então significa o genocídio causado pelos poderes Legislativo e Executivo do país, que estão matando as populações indígenas”, afirma a liderança.

Após leitura de relatório, julgamento do ‘marco temporal’ no STF é suspenso; caso será retomado na quarta (1/9)

Após leitura de relatório, julgamento do ‘marco temporal’ no STF é suspenso; caso será retomado na quarta (1/9)

Análise do caso que pode definir o futuro das demarcações de Terras Indígenas seguirá com apresentação de voto do ministro Fachin

O julgamento sobre a questão do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas (TIs) foi suspenso, após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin, no final da tarde de hoje (26).

Mais de seis mil indígenas que acompanhavam o julgamento, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), tiveram de voltar ao Acampamento Luta pela Vida, instalado ao lado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, sem saber qual a decisão final do caso.

A mobilização começou na segunda e vai até o próximo sábado (28), reunindo 176 povos diferentes de todas as regiões do país. Mobilizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o acampamento é a maior mobilização indígena em 30 anos e, além de acompanhar o processo no STF, protesta contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso.

O julgamento estava marcado para ontem, mas teve de esperar a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.696, sobre a lei que prevê a autonomia do Banco Central. A discussão terminou só hoje, por volta das 16:30. Após um intervalo de descanso, só foi possível a Fachin ler seu relatório, documento que resume o histórico do processo. A sessão foi encerrada às 18h.

Antes disso, o presidente do tribunal, Luiz Fux, confirmou que o caso será retomado na próxima quarta (1/9), como primeiro item da pauta. No início da sessão de ontem, Fux já havia afirmado que ambos os assuntos eram “muito importantes” e seriam decididos nesta semana ou nos “dias subsequentes”.

O voto de Fachin foi protocolado em junho. Nele, o ministro rejeitou de forma categórica o chamado “marco temporal”, afirmando que sua existência seria o mesmo que fechar a porta aos indígenas “para o exercício completo e digno de todos os direitos inerentes à cidadania”. O ministro defendeu a chamada teoria do “indigenato” e reafirmou que o direito indígena à terra é “originário” e “fundamental”.

A teoria do indigenato é umas das teses que estão sendo discutidas no caso. De acordo com ela, o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à constituição do próprio Estado brasileiro, independe de uma data específica de comprovação da posse da terra (“marco temporal”) e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial.

Próximos passos

Na semana que vem, com o relatório do processo já lido, começam as sustentações orais: da Advocacia-Geral da União (AGU), representando o governo federal; dos advogados da comunidade Xokleng, da TI Ibirama-LaKlãnõ (SC), alvo da ação original; do governo de Santa Catarina, que a propôs; e da Procuradoria-Geral da República.

Na sequência, conforme informado por Fux, ocorrerão as 34 falas previstas para os chamados amici curiae (“amigos da causa”), pessoas ou organizações que auxiliam as partes mais diretamente interessadas no caso.

É neste momento queA Apib, Coiab, Conselho Terena, Cir, Aty Guasú e demais organizações indígenas e indigenistas realizam suas sustentações orais. Só depois Fachin deverá ler seu voto propriamente dito, com sua posição sobre as questões de mérito. O relator então será seguido pelos demais ministros, que proferirão seus votos. Eles ainda podem solicitar uma nova suspensão do processo para analisá-lo melhor, o chamado pedido “vistas”.

“O julgamento começou com uma atmosfera interessante, no sentido de que o ministro Edson Fachin exaltou o caráter ‘originário’ dos direitos indígenas e a importância da teoria do indigenato. De certa maneira, isso é um recado aos povos indígenas no sentido de reconhecimento dos seus direitos”, afirma Maurício Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

“Queremos que o STF conclua o julgamento e enterre a tese do ‘marco temporal’, para que possamos viver o nosso bem-viver, a nossa cultura e nossa ancestralidade com paz”, continua Maurício Terena. “Seguimos firmes na nossa mobilização e os ministros estão atentos a isso. Isso pode sensiblizá-los”, conclui.

“Estamos muito felizes com o primeiro voto, a favor da vida dos povos indígenas e contra o marco temporal”, diz Enok Taurepang, da coordenação do Conselho Indígena de Roraima (CIR). “O voto do ministro foi favorável, bem pautado, respeitando a realidade e a Constituição cidadã. Vamos continuar firmes e fortes na luta, aqui em Brasília e nos estados”, ressaltou.

Repercussão geral

Na prática, o STF analisa a reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Em 2019, o tribunal deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

No centro da disputa está a discussão em torno do chamado “marco temporal”, uma tese ruralista que restringe os direitos indígenas. Segundo a interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Alternativamente, se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data. A tese é injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente para lutar por seus direitos.

“Sabendo que a conclusão do julgamento ficou para quarta-feira, dia 1.º, seguiremos acompanhando”, garante Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng. “Ainda temos esperança que o STF julgue e reconheça os direitos do povo Xokleng e de todos os povos indígenas do Brasil. Sem os povos indígenas, não terá água boa, não terá meio ambiente tranquilo, e isso é para todos os brasileiros”.

“Estamos aqui na expectativa, confiando que essa questão possa ser resolvida de uma vez por todas, não só para o povo Laklãnõ-Xokleng, mas para todos os povos de todo o Brasil. O marco temporal é uma lei genocida. Pedimos que o STF veja o lado dos povos indígenas”, afirma o cacique-geral do povo Xokleng, Nilton Ndili.

Quinto adiamento em dois meses

Em dois meses, a análise do caso foi adiada cinco vezes. No dia 11 de junho, o julgamento chegou a iniciar em plenário virtual, mas foi suspenso por um pedido de “destaque” do ministro Alexandre de Moraes, um minuto após começar. O julgamento foi remarcado para o dia 30 de junho, mas os ministros e ministras não chegaram a iniciar por falta de tempo e adiaram para o dia 31. Ainda naquela semana, a análise do caso foi remarcada pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, que incluiu o julgamento sobre demarcações de terras indígenas na pauta do dia 25 de agosto.

Indígenas ‘acendem’ Praça dos Três Poderes com led em apoio ao STF e contra “marco temporal”

Indígenas ‘acendem’ Praça dos Três Poderes com led em apoio ao STF e contra “marco temporal”

Mais de seis mil participantes do Acampamento Luta pela Vida realizaram uma vigília às vésperas do julgamento que pode decidir o futuro das demarcações

Brasília, 24/8/2021 – Mais de seis mil indígenas que participam do Acampamento Luta pela Vida protestaram, hoje (24), em Brasília, em apoio ao Supremo Tribunal Federal (STF), contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso.

No início da noite, portando velas, os indígenas iniciaram uma vigília e simultaneamente acenderam a mensagem “Brasil Terra Indígena”, com 380 lâmpadas de led, em frente ao STF, para pedir que a corte rejeite o chamado “marco temporal”, no julgamento que está marcado para começar, nesta quarta (25), às 14h. O ato também se reveste de importância política porque foi feito em apoio ao tribunal, no momento em que o presidente Bolsonaro intensifica os ataques a ele.

À tarde, os indígenas portaram, ao longo de toda Esplanada dos Ministérios, e depois depositaram, em frente ao Congresso, 1,3 mil faixas com os nomes de todas as Terras Indígenas do país. O material imita as placas de identificação do governo federal colocadas nessas áreas protegidas para evitar a entrada de invasores. O objetivo foi reivindicar a continuidade das demarcações, paralisadas pelo governo Bolsonaro, e a proteção dos territórios.

Aos gritos de “Fora Bolsonaro!”, os manifestantes também ergueram no local faixas em defesa do impeachment e com a frase “Genocida seu destino é o Tribunal de Haia”, em referência à denúncia de genocídio feita pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apresentada ao Tribunal Penal Internacional contra Bolsonaro, no dia 9 de agosto.

O “marco temporal” é defendido por ruralistas e setores interessados na exploração das TIs. Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data.

A tese é usada pelo governo e parte do Judiciário para justificar a paralisação das demarcações. É injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente para lutar por seus direitos.

“É importante essa mobilização dos indígenas, na Praça dos Três Poderes, e na frente do STF, justamente para trazer essa mensagem de apoio ao Judiciário, para dizer que os indígenas acreditam no Judiciário, acreditam no STF enquanto protetor da Constituição e da democracia, diante desse cenário em que o STF é extremamente atacado, principalmente pelo Executivo. Tanto o STF quanto os povos indígenas estão sob ataque desse governo”, disse Samara Pataxó, coordenadora jurídica da Apib.

“O ato é justamente para chamar a atenção dos Poderes, e agora do STF, de que é necessário proteção territorial, que é necessário proteger as vidas indígenas, e proteger a Constituição, já que o direito territorial indígena é um direito constitucional, e compete ao STF a proteção da Constituição”, defendeu.

“Quero dizer que esse Brasil é nosso. O Brasil é Terra Indígena. O Brasil é indígena. Portanto eles precisam ter esse entendimento: que nós somos originários dessa terra e vamos defendê-la sempre”, afirmou Marcos Xukuru, cacique geral do povo Xukuru e prefeito de Pesqueira (PE). “Mais de seis mil lideranças indígenas que representam hoje, para todos nós, neste país, a força do encantamento. Porque eles [os parlamentares e o governo] têm o poder, mas não têm a força. A força quem tem somos nós, a força da ancestralidade”, completou.

“Essa é a maior mobilização indígena desde a redemocratização do Brasil porque são as nossas vidas e a vida da humanidade que está em jogo no STF. E ninguém vai calar as nossas vozes. Estamos aqui para reafirmar ao mundo que o Brasil é Terra Indígena e que os povos apoiam o Supremo Tribunal Federal para que a Constituição seja respeitada”, reforça Sonia Guajajara, da coordenação executiva da Apib. .

Acampamento Luta pela Vida já é a maior mobilização nacional dos povos indígenas da história do Brasil. E o que isso significa?

Acampamento Luta pela Vida já é a maior mobilização nacional dos povos indígenas da história do Brasil. E o que isso significa?

Foto: Scarlett Rocha

Mais de 6 mil indígenas vieram a Brasília em um dos momentos mais graves já vivenciados pelos povos indígenas para demandar respeito e garantia dos seus direitos

Há 521 anos, nós, Povos Indígenas do Brasil vivenciamos e experienciamos o significado de luta. Lutamos para sobreviver, para assim sermos respeitados por um Estado que despreza nossas existências, usurpa nossos territórios tradicionais e nos relega a uma condição de subcidadania. A herança do passado colonial é persistente e violenta e, hoje, ganha respaldo e novo impulso sob a gestão de Jair Bolsonaro, o presidente da República que nos elegeu como inimigos prioritários mesmo antes de sua posse. 

A história do movimento indígena no Brasil é uma história de luta e resistência, mobilização e inovação constantes, e de busca pela construção de pontes e alianças entre os nossos 305 povos, que vivem em todas as regiões do país. Tamanha diversidade étnica, geográfica cultural e linguística, para além de uma inestimável riqueza, converte-se também em desafio quando se busca a unidade na luta. Para superar esta dificuldade, que é reforçada e explorada pelos inimigos que tentam artificialmente dividir e forjar disputas e oposições entre nossos parentes, nós renovamos nossa aliança a partir de nossa ancestralidade compartilhada. 

A luta pela vida, mote do acampamento que agora reúne 6 mil indígenas em Brasília, se estabelece como uma necessidade e uma urgência para nós, povos originários, tão logo a face perversa e genocida do projeto colonialista se revelou. Vivemos em estado de alerta desde que o primeiro pé europeu pisou nesta terra, antes mesmo de lhe nomearem Brasil. 

É sintomático que após cinco séculos de colonização, ainda tenhamos de bradar em defesa de nossas vidas, tanto quanto nossos ancestrais tiveram de fazer no passado. A luta segue sendo a mesma, mas ao longo de todos esses anos, nós acumulamos tecnologias de sobrevivência e estratégias de articulação. 

Aprendemos desde o tempo de nossas ancestrais e com nossos mais velhos que quando o inimigo tenta nos subjugar pela força e pelo ódio, o caminho mais potente para fazer frente às agressões é nos unirmos. Assim fez o movimento indígena no processo constituinte de 1988, com a participação de lideranças de diversos povos na construção de uma pauta de afirmação de direitos. Conseguimos incluir parte de nossas demandas no texto da Constituição Federal, o que nos deu um suporte institucional inédito para avançarmos na luta por políticas públicas que contemplassem nossas necessidades específicas e especialmente garantissem a demarcação de nossas terras indígenas.

Isso, no entanto, não foi suficiente para convencer o Estado Brasileiro e uma nação que ainda não arrancou de sua cultura as raízes mais profundas do racismo de que nos respeitar plenamente enquanto cidadãos e cidadãs de direito não é favor nenhum – é obrigação. Tanto a Constituição Federal quanto tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário são categóricos ao afirmar a obrigação do Estado de demarcar territórios indígenas e proteger nossa integridade física. 

Diante dessa necessidade infindável de reafirmar que nossas vidas importam, quando realizamos uma mobilização nacional com um número histórico de participantes, no meio da pandemia mais grave que o mundo enfrentou nos últimos séculos, são duas as conclusões que calam mais fundo em nosso peito. A primeira é que a situação ainda é desfavorável e urgente, e esse é um dos fatores que nos traz massivamente a Brasília. Nossos povos não aguentam mais contar histórias de morte, de fogo, de dor, de destruição. Queremos contar outras histórias, queremos falar de nossas riquezas, de nossas culturas, da nossa alegria. 

E isso nos traz à segunda conclusão: a percepção nítida de que o movimento indígena no Brasil alcançou um nível de maturidade, organicidade e força que nos coloca definitivamente como sujeitos de nossa própria história. Nosso protagonismo está sedimentado em séculos de luta de nossos ancestrais, e na clareza de que não há mais espaço para o silenciamento. O mundo está vendo e ouvindo o que se passa com nossos povos, e somos nós, parentes, somos nós mesmos que estamos no controle de nossa narrativa!

O recorde de parentes e números de povos mobilizados em Brasília se converte, portanto, em um recado para o mundo, e principalmente, para aquelas forças que insistem em tentar nos violentar: não nos calaremos! Nossa força é maior do que nunca! Somos 6 mil em Brasília, e representamos todos e todas as parentes que seguem na luta em nossos territórios. Somos 6 mil que representamos os milhões de ancestrais que foram apagados da história. Somos 6 mil que representamos o futuro dos povos indígenas do Brasil!

Com manifestações da ONU e OEA contra marco temporal, povos indígenas ganham reforços internacionais de peso

Com manifestações da ONU e OEA contra marco temporal, povos indígenas ganham reforços internacionais de peso

Foto: Scott hill

Comunidade internacional demanda das instituições brasileiras respeito aos direitos dos povos indígenas e rechaça tese do marco temporal, que será julgada pelo STF

A luta dos povos indígenas do Brasil pelo respeito às suas vidas e territórios tem ganhado adesões internacionais relevantes a cada dia. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil  (Apib) entende a importância de buscar a atenção do mundo e ocupar todas as instâncias possíveis para garantir o respeito aos seus direitos, principalmente em uma conjuntura interna em que as instituições brasileiras, que deveriam zelar pelo bem estar e plena cidadania indígena, convertem-se em pólos de ameaça.

Desde o início do governo Bolsonaro, a postura do Estado Brasileiros perante os povos indígenas se converteu em uma política de morte e destruição. As políticas públicas conquistadas a duras penas foram apressadamente descontinuadas, instituições indigenistas, como a FUNAI, foram politicamente aparelhadas e tiveram seus objetivos institucionais desvirtuados. O Estado tem se omitido sistematicamente de seus deveres constitucionais de proteção aos povos indígenas, quando não se revela inimigo.

Nesse cenário, o apoio internacional reveste-se de uma relevância ainda maior. O apoio de parceiros, agências internacionais e organismos multilaterais chama a atenção da comunidade global para o cenário de ameaças e violências incessantes que os povos indígenas vivem no Brasil. Muito além de mobilizar a solidariedade internacional, no entanto, este movimento provoca também as instituições brasileiras a se moverem em defesa dos povos originários.

Assim, a Apib e suas organizações regionais recebem com grande satisfação o apoio de diversas instituições internacionais nos últimos dias, principalmente após o início do acampamento Luta pela Vida, em Brasília. “Estamos realizando a maior mobilização de nossas vidas, em Brasília, porque é o nosso futuro e de toda humanidade que está em jogo. Falar de demarcação de terras indígenas, no Brasil, é falar da garantia do futuro do planeta com as soluções para a crise climática”, reforça Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib.

No primeiro dia da mobilização, a coordenação da Apib e representantes dos povos Yanomami e Munduruku receberam a visita da Internacional Progressista, articulação internacional que reúne ONGs, partidos políticos, sindicatos e outras instituições que lutam pelos direitos humanos, em uma demonstração de apoio internacional. A comitiva recebeu cópias do Dossiê Internacional lançado pela APIB na última semana, como instrumento de denúncia da agenda anti-indígena que toma conta das instituições brasileiras sob o Governo de Bolsonaro.

 

Nos próximos dias, representantes da Apib têm uma intensa agenda de reuniões com embaixadas e representações diplomáticas em Brasília, ocasiões em que apresentarão o Dossiê Internacional e dialogarão sobre o apoio necessário dos estados estrangeiros para frear a agenda anti-indígena que avança no Brasil. Os encontros se iniciaram ontem, com a visita à Embaixada da Noruega, onde foram recebidos pelo Embaixador Nils Martin Gunneng e o oficial de programa Kristian Bengston. Hoje pela manhã, foram recebidos pela Embaixadora da França, Brigitte Collet.

ONU e OEA reforçam luta contra tese do Marco Temporal

Ontem (23), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), organismo da Organização dos Estados Americanos (OEA), e o Relator Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Francisco Cali Tzay, manifestaram-se contra a tese do marco temporal, que está sendo debatida pelo STF no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365.

O RE versa sobre uma ação de reintegração de posse movida pelo estado de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios. O julgamento, portanto, afetará o futuro de todos os territórios indígenas do Brasil.

O Relator da ONU pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que garanta os direitos dos povos indígenas a suas terras e territórios, e que rejeite um argumento legal promovido por agentes comerciais com o fim de explorar recursos naturais em terras indígenas tradicionais, referindo-se à tese do Marco Temporal.

“Se o STF aceitar o chamado marco temporal em sua decisão sobre a demarcação de terras, no final deste mês, poderá legitimar a violência contra os povos indígenas e acirrar conflitos na floresta amazônica e em outras áreas”, afirmou o Relator.

Já a CIDH manifestou sua preocupação com a tese jurídica do “marco temporal” e advertiu que esta poderia ter sérios efeitos sobre o direito de propriedade coletiva dos povos indígenas e tribais do Brasil.

A manifestação publicada ontem no site da CIDH dirige-se especialmente ao STF solicitando ao Tribunal “adotar as medidas necessárias para rever e modificar as disposições das ordens ou diretrizes judiciais, tais como a tese de “marco temporal”, que são incompatíveis com os parâmetros e obrigações internacionais relativas aos direitos humanos dos povos indígenas e tribais”.

Para o organismo da OEA, a aplicação da tese do marco temporal “contradiz as normas internacionais e interamericanas de direitos humanos, em particular a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Em particular, porque não leva em consideração os inúmeros casos em que os povos indígenas foram deslocados à força de seus territórios, muitas vezes com extrema violência, razão pela qual não estavam ocupando seus territórios em 1988”.

STF retoma julgamento histórico sobre terras indígenas, na quarta (25)

STF retoma julgamento histórico sobre terras indígenas, na quarta (25)

Em Brasília, centenas de lideranças indígenas participarão do acampamento Luta pela Vida e acompanharão julgamento que definirá futuro das demarcações

O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia amanhã, 25, o julgamento que definirá o futuro das demarcações de Terras Indígenas (TIs) no Brasil. Povos indígenas de todo o país estarão reunidos em Brasília na semana do julgamento, no Acampamento Luta pela Vida, que ocorre entre os dias 22 e 28 de agosto. Retomando a intensa mobilização realizada em junho no Levante pela Terra, centenas de lideranças indígenas farão uma semana de lutas em defesa de seus direitos constitucionais e acompanharão de perto a votação da Suprema Corte.
No dia 25, quarta-feira, o STF vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.
No centro da disputa está a discussão em torno do chamado “marco temporal”, uma tese político-jurídica defendida por ruralistas e setores políticos e econômicos interessados na exploração das TIs.
Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data.
A tese é injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente para lutar por seus direitos.
O julgamento chegou a iniciar em plenário virtual no dia 11 de junho, mas foi suspenso por um pedido de “destaque” do ministro Alexandre de Moraes, um minuto após começar. Os demais ministros sequer chegaram a depositar seus votos. Apesar disso, o voto do relator, ministro Edson Fachin, foi divulgado.
Depois, o julgamento foi remarcado para o dia 30 de junho, mas o julgamento não chegou a iniciar por falta de tempo. Ainda naquela semana, a análise do caso foi remarcada pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, que incluiu o julgamento sobre demarcações de terras indígenas na pauta do dia 25 de agosto.
A sessão, prevista para iniciar às 14h, ocorrerá em formato telepresencial – ou seja, à distância, por meio de videoconferência, em função da pandemia de covid-19 – e será transmitida pela TV Justiça, com apresentação e debate dos votos dos ministros.

O caso em disputa
A TI Ibirama-Laklãnõ está localizada entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux, 236 km a noroeste de Florianópolis (SC). A área tem um longo histórico de demarcações e disputas, que se arrasta por todo o século XX, no qual foi reduzida drasticamente. Foi identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2001, e declarada pelo Ministério da Justiça, como pertencente ao povo Xokleng, em 2003. Os indígenas nunca pararam de reivindicar o direito ao seu território ancestral.
Em 2019, o povo Xokleng foi admitido pelo relator do caso, o ministro Edson Fachin, como parte no processo, por ser diretamente afetado pela decisão a ser tomada nesta ação. A admissão foi considerada uma importante vitória para os povos indígenas, que lutam, há anos, pela efetivação do direito de acesso à justiça garantido a eles na Constituição Federal de 1988.
“Esse julgamento é muito importante para nós e para toda a sociedade, pois os povos indígenas lutam não só pelos seus direitos, mas também pelo meio ambiente. O que nós queremos e precisamos é que o STF garanta nossos direitos, e que sejam reconhecidas as terras que são nossas. O marco temporal é uma afronta aos povos indígenas, que busca tirar o direito dos povos às suas terras tradicionais”, avalia Brasílio Priprá, importante liderança do povo Xokleng.
“A forma como o povo Xokleng perdeu o território foi a forma mais violenta, mais vil, mais terrível. Houve, no início do século passado, a demarcação sem critérios técnicos. Perdeu-se, na década de 1920, parte significativa do território. Em 1950, a mesma coisa. Depois, a construção de uma barragem levou as melhores terras. E nesse contexto se dá a disputa do povo Xokleng, para que de fato seja garantida a devolução dessas áreas roubadas”, explica Rafael Modesto, advogado da comunidade Xokleng e também assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
No julgamento, os ministros também vão analisar a determinação do ministro Edson Fachin, de maio do ano passado, que suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). A norma oficializou o “marco temporal”, entre outros pontos, e vem sendo utilizada pelo governo federal para paralisar e tentar reverter as demarcações.
Na mesma decisão do ano passado, Fachin suspendeu, até o final da pandemia da Covid-19, todos os processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de procedimentos demarcatórios. Essa determinação também deverá ser apreciada pelo tribunal.

Luta pela Vida
Entre os dias 22 e 28 de agosto, centenas de lideranças indígenas estarão na capital federal para uma semana de lutas em defesa de seus direitos constitucionais. O acampamento “Luta pela Vida” dá continuidade ao acampamento Luta Pela Terra, que reuniu mais de X indígenas em Brasília durante o mês de junho, como forma de resistência aos diversos projetos e medidas anti-indígenas que vêm sendo tomadas pelo Congresso Nacional e pelo governo federal.
“Fazemos esse chamado, ainda durante a pandemia, porque não podemos calar diante de um genocídio e um ecocído, que a Terra grita mesmo quando estamos em silêncio”, afirma o manifesto de convocação do Luta pela Vida divulgado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Cuidados sanitários contra o coronavírus, como o uso de máscaras e a presença apenas de indígenas imunizados com as duas doses da vacina contra a covid-19, também foram ressaltados pela Apib e devem ser seguidos durante todos os dias da mobilização.
“É importante destacar também, que nosso acampamento desenvolveu uma série de protocolos sanitários, dedicados a reforçar as normas existentes da OMS. Todos os indígenas que estão no acampamento devem ser vacinados, obrigatoriamente para poder acompanhar nosso acampamento. Nos sentimos obrigados a nos fazer presente em Brasília, neste cenário tão desolador que está sendo promovido tanto pelo Congresso Nacional, mas principalmente pelo Governo Federal no que tange o direito dos povos indígenas. Mediante a isso, nós mobilizamos nossas bases para estarem presentes nesse momento, no período de 22 à 28 de agosto, em Brasília, na luta pelos direitos dos povos indígenas, principalmente garantindo o nosso bem-viver e dos nossos territórios.” Dinamam Tuxá, Coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Com seis mil pessoas em Brasília, povos indígenas realizam maior mobilização pós Constituinte

Com seis mil pessoas em Brasília, povos indígenas realizam maior mobilização pós Constituinte

Lideranças indígenas de 170 povos estão mobilizadas no acampamento Luta pela Vida, pela garantia de seus direitos originários e contra o marco temporal

Vindos de todas as regiões do país, cerca de 6 mil indígenas, de mais de 170 povos, estão mobilizados na capital federal, pela garantia de seus direitos originários e contra o marco temporal, nesta que tem sido a maior mobilização indígena pós-constituinte.

Mobilizados no acampamento “Luta pela Vida”, previsto para durar 7 dias, de 22 a 28 de agosto deste ano, a pauta principal está relacionada com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que é considerado pelo movimento indígena o processo mais importante do século sobre a vida dos povos indígenas, previsto para iniciar nesta quarta-feira, (25). Além disso, os povos também denunciam os projetos anti-indígenas em trâmite no Congresso Nacional e o agravamento das violências contra os povos originários dentro e fora dos territórios tradicionais.

Os ministros do STF irão analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Com status de “repercussão geral”, a decisão tomada neste julgamento servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça, também como referência a todos os processos, procedimentos administrativos e projetos legislativos no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

“Estamos realizando a maior mobilização de nossas vidas, em Brasília, porque é o nosso futuro e de toda humanidade que está em jogo. Falar de demarcação de terras indígenas, no Brasil, é falar da garantia do futuro do planeta com as soluções para a crise climática”, reforça Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib.

“O acampamento ‘Luta pela Vida’ já diz no nome os motivos que fazem os povos indígenas estarem, em Brasília, em plena pandemia. Estamos trabalhando todas as medidas sanitárias, incluindo a testagem dos participantes e reforçando a vinda de pessoas já vacinadas”, enfatiza Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

De acordo com a Apib, foram desenvolvidos para o acampamento protocolos sanitários dedicados a reforçar todas as normas já existentes e recomendadas para o combate à Covid-19. A equipe de saúde do acampamento conta com profissionais indígenas de saúde em parceria com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), com a Fundação Oswaldo Cruz de Brasília e do Rio de Janeiro (Fiocruz DF e RJ), com o Ambulatório de Saúde Indígena da Universidade de Brasília (Asi/UNB) e com o Hospital Universitário de Brasília (HUB).

Com uma intensa programação de plenárias, agendas políticas, marchas, manifestações públicas e culturais, os indígenas ficarão acampados na Praça da Cidadania, na Esplanada do Ministérios.

Programação do dia

No terceiro dia do acampamento Luta Pela Vida, a primeira atividade do dia, novamente, são as orientações de saúde e os protocolos sanitários dedicados a reforçar todas as normas já existentes e recomendadas para o combate à Covid-19.

Com previsão para iniciar às 9h, até às 12h, os indígenas estão em plenária intitulada: “NOSSA VIDA – Garantia dos territórios, modos de vida e produção dos povos indígenas”. Pela parte da tarde, das 12h às 17h está prevista nova plenária, “NOSSA LUTA – Nivelamento Político e Jurídico: PLs, PEC,s, Marco Temporal, Condicionantes da Raposa Serra do Sol e Isolados”.

Para fechar a programação do dia, às 16h os povos indígenas saem em marcha do acampamento em direção ao Congresso Nacional para realizar um ato contra a agenda anti-indígena que está na casa. Em seguida, os indígenas seguem para uma vigília em frente ao STF, às 19h.

A programação completa pode ser acessada no site da Apib, assim como a cobertura colaborativa pode ser acessada aqui.