Mineradoras e fazendeiros tentam impedir a demarcação da Terra Indígena do Povo Tapeba, no Ceará.

Mineradoras e fazendeiros tentam impedir a demarcação da Terra Indígena do Povo Tapeba, no Ceará.

Oito ações em andamento no judiciário buscam anular o procedimento demarcatório do povo Tapeba, no Ceará. O argumento utilizado pelos fazendeiros, especuladores imobiliários e empresas autoras dos processos é a ausência de notificação pessoal dos interessados para participar do procedimento administrativo da demarcação da terra indígena.

Todos os processos foram indeferidos em primeira instância, no entanto, com a apelação eles chegaram à segunda instância. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região determinou a anulação do procedimento demarcatório. E o Ministério Público Federal no estado seguiu o mesmo parecer. Ao mesmo tempo, o Tribunal vem concedendo reintegrações de posse em favor aos fazendeiros, sob a justificativa de que a Portaria Declaratória seria irrelevante e não autoriza o uso da “força”.

Os povos indígenas não foram ouvidos pelo tribunal estadual. A interferência da justiça em tais instâncias são arbitrariedades, visto que, o art. 109 inciso XI, 231 e 232 da constituição federal de 1988, determina que a justiça federal deve decidir sobre os interesses coletivos indígenas.

Marco Temporal

Processos como este vêm se multiplicando impulsionados pela aprovação da lei do marco temporal (14.701) no Congresso. Enquanto o STF não se posiciona novamente, declarando a violação da constituição pela lei, fazendeiros, mineradores, especuladores utilizam de suas influências econômicas e políticas nos Estados, para ameaçar e atacar os territórios indígenas.

A tese do marco temporal foi declarada inconstitucional por nove dos onze ministros do STF. No entanto, a relatoria da lei aprovada no legislativo está sob as mãos do Ministro Gilmar Mendes, publicamente conhecido por sua posição anti-indígena.

Defesa da Demarcação

A Funai entrou com dois recursos ao mesmo tempo: um no Superior Tribunal de Justiça e outro diretamente no Supremo Tribunal Federal. Atualmente os recursos encontram-se em análise de admissibilidade, ou seja, o TRF5 ainda vai dizer se cabe encaminhar os recursos para o STJ e STF.

Duas das reintegrações de posse estão sob o nome da empresa Mineração Água Suja Ltda e de uma fazendeira. Nestes casos, o mesmo tribunal determinou a imediata saída do povo Tapeba, com o argumento de que é irrelevante saber se a área tem abrangência da portaria declaratória. Isto porque, mesmo com a conclusão do processo demarcatório, não seria legítimo o desapossamento dos supostos proprietários por meio da força.

As decisões ainda estão vigentes e a Funai está se organizando para realizar a retirada referente a decisão de um processo, pois no outro houve a determinação de suspensão por 120 (cento e vinte) dias para conciliação.

A Defensoria Pública da União (DPU), então, ajuizou um processo chamado Suspensão de Tutela Provisória diretamente no Supremo Tribunal Federal, no intuito de anular as decisões de reintegração de posse. O processo aguarda a decisão do da Presidência do STF, ou seja, o Ministro Luís Roberto Barroso, que deve abarcar todos os processos envolvendo o Povo Tapeba.

Jornada Nacional:  Luta pela vida, demarcação Já!

Jornada Nacional: Luta pela vida, demarcação Já!

No dia internacional dos povos indígenas, 9 de agosto de 2022, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) convoca toda a sociedade, suas organizações de base e apoiadores para uma grande jornada nacional de lutas pela demarcação dos territórios e direito à vida.  Em resposta a todas as violências e atentados aos direitos e vida dos nossos povos. Vamos reagir nas ruas, nas grandes capitais, nos territórios e nas redes sociais. Organizados, ecoaremos mais uma vez nossa resistência, reafirmando que nossa história não nasceu em 1988. 

Essa jornada é continuidade da agenda de lutas do movimento indígena brasileiro. Estamos intensamente  mobilizados desde o início do ano e nossas pautas precisam ser ouvidas e apoiadas pela sociedade, com imediata ação efetiva do estado brasileiro. Sabemos que esse projeto de morte é bancado e protagonizado pelo sistema do agrobanditismo, a união entre o agronegócio e milícias rurais. Não são só ameaças de ataques aos nossos territórios, são ações diretas. São balas que sangram nossos corpos. O massacre contra nossos parentes Guarani e Kaiowá, o brutal assassinado de Bruno Pereira e Dom Phillips, assim como as invasões de nossas terras diariamente pelas mineradoras e o agronegócio. Queremos respostas. 

Nossa principal bandeira é a histórica luta pela terra. A demarcação é uma urgência para romper o genocídio em curso. Precisamos da derrubada do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A tese do Marco Temporal quer datar as demarcações de terras indígenas para apenas as áreas que estivessem sob a posse comprovada dos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, como se não houvesse indígenas por todo o Brasil pós 88. 

A tese do indigenato, por outro lado, comprova a existência dos povos antes da própria constituição do estado brasileiro. O marco é mais uma invenção das elites para justificar a nova onda de colonização que derrama nosso sangue sobre os territórios. E as mudanças na Funai promovidas pelo governo genocida são a institucionalização das invasões, mais de 250 mil hectares de terra tomados por fazendeiros e certificados pelo governo Bolsonaro.

Por isso, contamos com a corte para proteger a constituição federal e assegurar nossos direitos fundamentais. Assim como a segurança de nossas vidas, permanência em nossos territórios e continuidade da cultura originária.

Apib convoca mobilização pela votação do Marco Temporal no próximo 23 de junho

Apib convoca mobilização pela votação do Marco Temporal no próximo 23 de junho

No dia 23 de junho o movimento indígena de todo Brasil vai realizar uma série de manifestações para pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) que retome a pauta do Marco Temporal para votação. Estão sendo convocadas ações nos territórios, nas aldeias e nas redes sociais. 

“Precisamos fazer com que os ministros derrubem de uma vez por todas a ideia absurda de datar nossa existência no território brasileiro. Não vamos aceitar que nosso futuro seja despedaçado por ações desse governo genocida. Somos raiz e continuidade da vida”, afirmou Dinamam Tuxá, da coordenação executiva da Apib. 

O julgamento da tese estava previsto para esta data, no entanto foi suspenso e ainda não possui data para retornar. A Apib havia previsto um grande acampamento nacional em Brasília, que também foi adiado. Porém, o povo Xokleng vai realizar uma manifestação na capital. 

Para a Apib, a votação do Marco Temporal é importante para ligar um sinal vermelho às posturas anti-indígenas do atual governo. “Bolsonaro não só acabou com a demarcação de terras no Brasil como colocou militares e pessoas que até hoje querem catequizar, doutrinar e exterminar nossa cultura em cargos de instituições fundamentais para a garantia dos nossos direitos”. Há mais de 3 anos não ocorre uma demarcação de terra, enquanto a situação de invasão de territórios por criminosos, conflitos, assassinatos e ameaças se multiplicam. 

Entenda o julgamento do Marco Temporal

A tese do Marco Temporal tomou força após a promoção de posturas anti-indígenas pelo governo de Jair Bolsonaro. De acordo com esta tese, a demarcação de uma terra indígena só poderia acontecer se fosse comprovado que os povos originários estavam sobre o espaço requerido antes de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal. A tese que se contrapõe ao Marco Temporal se chama Indigenato. De acordo com a Tese do Indigenato a posse da terra pelos indígenas é um título congênito, ao passo que a ocupação é um título adquirido. 

Como defendeu o ministro Fachin, os direitos constitucionais indígenas são cláusulas pétreas “visto que estão atrelados esses direitos à própria condição de existência dessas comunidades e de seu modo de viver”. Hoje no Brasil, há mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto. A decisão pode definir o rumo desses processos.

MEDALHA DO GENOCÍDIO INDÍGENA

MEDALHA DO GENOCÍDIO INDÍGENA

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reconhece e denuncia com a “Medalha do Genocídio Indígena” as políticas de morte do Governo Bolsonaro. Esta manifestação repudia a portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, publicada dia 15 de março, que concede a “Medalha do Mérito Indigenista” para o presidente genocida Jair Bolsonaro e diversas pessoas que compõem o primeiro escalão do Governo e operam as políticas de destruição do Governo. 

Alertamos desde os primeiros dias do governo de Jair Bolsonaro as ameaças e constantes violações cometidas contra os povos indígenas no Brasil aplicadas pelo seu desgoverno. 

Assim, não seria diferente no último ano e nas vésperas das eleições. Bolsonaro e aliados seguem perseguindo as organizações políticas, lideranças, nossas terras e riquezas. A todo custo querem nos destruir. Não bastasse isso, agora querem homenagem em nosso nome?

Sabemos quais as estratégias. A todo custo e com cinismo usam das armas midiáticas e institucionais para dizer que nos apoiam. Nossa liberdade, nossa cultura, ancestralidade, nosso território e nossas riquezas naturais não estão à venda e nem são negociáveis! 

Repudiamos e denunciamos essa atitude debochada para que possam entender que a luta do movimento indígena é pela vida dos nossos povos. O indigenismo é uma tradição séria e não deve ser titulada para aqueles que não respeitam nossa cultura e modo de vida. A Apib vai tomar as providências legais para anular esta portaria do Ministério da Justiça. 

Bolsonaro é inimigo da saúde indígena, tanto que durante a pandemia da Covid-19 trabalhou para agravar a crise sanitária e humanitária. Ele desestruturou a saúde indígena e por isso foi denunciado internacionalmente por genocídio. 

Em 2021, a Apib protocolou um comunicado no Tribunal Penal Internacional (TPI) para denunciar Bolsonaro por Genocídio. Solicitamos que a procuradoria do Tribunal de Haia examinasse os crimes praticados contra os povos indígenas pelo presidente Jair Bolsonaro, desde o início do seu mandato, com atenção ao período da pandemia da Covid-19.

Junto com sua equipe de ministros, são inimigos do povo e contra nossos biomas e políticas, tanto que autorizam os tratores e motosserras da morte a derrubar nossas casas, árvores e destruir nossa biodiversidade. A política genocida deu seguimento e fortaleceu o desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental e aos povos indígenas desencadeou invasões nas Terras Indígenas, desmatamentos e incêndios nos biomas brasileiros, aumento do garimpo e da mineração nos territórios.

Com todos os esforços possíveis tentam aprovar projetos de leis anti-indígenas. Neste instante em  que ele e seus aliados são homenageados com medalhas tramita como urgência no Congresso projetos de leis (PL) que autorizam abrir nossas  terras para a mineração, grilagem e uso desenfreado de agrotóxicos. 

De uma vez por todas a sociedade precisa barrar esses projetos, esse governo e sua incapacidade legal de governar uma nação.

Impeachment agora!

Impeachment agora!

APIB soma forças com milhares de organizações de todo o país e entrega pedido de impeachment de Bolsonaro ao Congresso

Acesse o pedido na integra aqui

O coordenador executivo da APIB Kretã Kaingang participou do ato que marcou a entrega do pedido de impeachment contra Jair Bolsonaro na manhã desta terça (14), em Brasília. Movimentos sociais, artistas e intelectuais assinam o documento que denuncia crimes de responsabilidade e solicita a suspensão das funções presidenciais. O pedido deve seguir em breve para apreciação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

O documento descreve ações de Bolsonaro que representam violação de direitos individuais e coletivos de ordem econômica, social, cultural e ambiental que, com o esvaziamento das políticas públicas e seu comportamento leviano contra ordem pública, coloca em risco a vida de milhões de brasileiros. Entre os fatos citados no pedido de impeachment constam: o desmantelamento dos direitos trabalhistas; assédio institucional; aparelhamento ideológico; ataques ao meio ambiente; e ataques diários à liberdade de expressão, principalmente direcionado à imprensa.

Para o coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kretã Kaingang, Bolsonaro incentiva a práticas ilegais em territórios tradicionais de modo a agravar as violências sofridas historicamente por indígenas: “O genocídio contra os povos indígenas sempre existiu, mas com o governo Bolsonaro a situação piorou. O presidente invadiu nossas terras permitindo a grilagem. Os povos indígenas pedem o Fora, Bolsonaro”, afirmou.

A pandemia de Covid-19 torna as ações de Bolsonaro ainda mais truculentas. O documento destaca, inclusive, que o presidente se valeu da emergência de saúde para flexibilizar normas de proteção ambiental. No contexto indígena, o Comitê pela Vida e Memória Indígena já registrou (até o dia 13 de julho) 501 óbitos e 14.793 confirmados acumulados que foram infectados pelo novo coronavírus, impactando diretamente 131 povos de todo Brasil.

Além da Apib, representantes de diferentes movimentos sociais assinam o pedido de impeachment protocolado, tais como Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), entre outros.

Povo Terena reivindica participação em audiência do STF

Povo Terena reivindica participação em audiência do STF

Comunidade da Terra Indígena Taunay-Ipegue (MS) luta pela conquista do seu território tradicional contra fazendeiros da família da Ministra da Agricultura Teresa Cristina

A comunidade indígena do povo Terena da Terra Indígena Taunay-Ipegue, Mato Grosso do Sul, enviou carta de solicitação ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ser ouvida no processo que discute a posse de sua terra tradicional. O ministro Dias Toffoli, presidente do STF, marcou uma audiência de conciliação sobre a ação da TI do povo Terena para o dia 16 de julho, no entanto, sem chamar os representantes da comunidade.

Trata-se da suspensão de liminar 1076 em que se discute a posse da área indígena. As fazendeiras Monica Alves Correa e Mirian Alves Correa, que são primas da ministra da agricultura Teresa Cristina, ingressaram com a ação em 2013, com o objetivo de reintegrar a posse da antiga fazenda Esperança, alegando que ali nunca foi terra indígena.

O processo chegou ao Supremo em 2016, e mesmo a Constituição Federal afirmando que os direitos indígenas são indisponíveis, o ministro designou audiência de conciliação intimando a União, a Funai e as fazendeiras. Entretanto, não notificou a comunidade indígena para ser ouvida.

Os caciques e lideranças Terena afirmaram, em carta dirigida ao STF, que tem o direito de participar do processo e serem ouvidos, tendo em vista que será a comunidade que suportará os efeitos da decisão que sobrevier do processo.

Acesse aqui: Carta da comunidade Taunay-Ipegue do povo Terena

MANIFESTO GUARANI & KAIOWÁ

MANIFESTO GUARANI & KAIOWÁ

EXIGIMOS A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS NAS BARREIRAS SANITÁRIAS EM TERRITÓRIOS INDÍGENAS PARA A PREVENÇÃO DA CHEGADA DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS

Nos Conselhos Tradicionais Guarani e Kaiowá ​Aty Guasu​, ​Kuñangue Aty Guas​u, e Retomada Aty Jovem viemos através desta nos manifestar e pedir apoio do estado para amparar as barreiras sanitárias Guarani e Kaiowá. Desde a chegada do Coronavírus em nossas comunidades indígenas, estamos nos organizando em turnos, colocando nossos corpos em risco, bloqueando o acesso de pessoas e a circulação de outras comunidades em nossos territórios Guarani e Kaiowá.

O presidente ​sancionou com 16 vetos a lei que cria o ​Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas​, que estabelece medidas para prevenir a disseminação da doença entre povos tradicionais. O texto da lei no 14.021 foi publicado na madrugada de quarta-feira 08 de Julho de 2020, e​xigimos o cumprimento da Constituição Federal de 1988, essa prática do estado brasileiro é crime contra a humanidade.

O racismo institucional aumentou contra as comunidades Guarani e Kaiowá na pandemia. Há barreiras equipadas em toda a cidade, e o município de Dourados (MS) conta com agentes públicos, e profissionais de saúde e protocolos sanitários em todo o espaço urbano, atuando em barreiras sanitárias. A Reserva Indígena mais populosa do estado, com mais casos positivos e dois óbitos continua sem apoio do estado e municípios às barreiras sanitárias indígenas, isso é um descaso, abandono do povo Guarani e Kaiowá enfrentando uma pandemia que vem deixando rastros profundos de violência nas comunidades indígenas.

Exigimos apoio do governo do estado de Mato Grosso Do Sul, dos prefeitos de municípios onde há barreiras sanitárias Guarani e Kaiowá, da Fundação Nacional Do Índio (FUNAI), da Frente Parlamentar em Defesa Dos Direitos Dos Povos Indígenas no Congresso Nacional, aos órgãos de segurança pública, aos parlamentares dos municípios citados logo abaixo, ao
Ministério Público Federal de Campo Grande, Dourados, Naviraí e Ponta Porã ​e a 6a Câmara em Brasília. ​ ​Nos ajudem a proteger nossos territórios! É um direito nosso!

Necessitamos urgentemente que encaminhem agentes públicos para nos ajudar nas barreiras sanitárias, com equipamentos adequados para o bloqueio com segurança: Cones de trânsito, correntes, fitas zebrada, capas de chuva, coletes de transito, tendas, alimentos, lanterna, luvas descartáveis, máscaras, toucas descartáveis, termômetro infravermelho, jato d’água, macacão hospitalar, protetor facial, álcool em gel e borrifador e outros itens que possam colaborar com a prevenção. Solicitamos também orientações e informações a respeito da COVID-19 para as nossas comunidades e a construção de protocolos sanitários específicos para as barreiras sanitárias indígenas.

Reforçamos a importância do acesso à água nas comunidades Guarani e Kaiowá. A falta d’água é uma realidade presente em nossos Tekohas. Muitas famílias não possuem acesso a água e acabam tendo que ir buscar em córregos contaminados. Como pedir para que lavem as mãos e tenham uma higiene pessoal adequada, sem acesso à água potável? Estamos informando para que lavem as mãos, mas somente isso não adianta.

Solicitamos a implementação de caixas d’água e circulação de caminhões pipa em nossas comunidades. É de extrema urgência que os órgãos públicos convocados neste manifesto tomem providências emergenciais para garantir a estrutura física com segurança e a atenção necessária que as barreiras Guarani e Kaiowá precisam.

Nota completa com os onde estão localizados as barreiras sanitárias Guarani e Kaiowá.

ADPF 709: a voz indígena contra o genocídio

ADPF 709: a voz indígena contra o genocídio

Artigo de Julio José Araujo Junior, publicado em jota.info

Cansados da falta de resposta das instituições e inconformados com um cenário avassalador de disseminação do coronavírus nas aldeias e comunidades, os povos indígenas resolveram dirigir o seu destino e transformar a história constitucional. Por meio da ADPF 709, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) associou-se à Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ e a seis partidos para combater a omissão do governo federal no combate à pandemia e cobrar providências quanto ao risco de genocídio de diversas etnias. A utilização direta do controle concentrado de constitucionalidade representa um marco na defesa de direitos indígenas e impõe ao sistema de justiça a necessidade de atenção e providências ante um cenário extremamente grave de omissão do Estado brasileiro na elaboração e concretização de políticas em favor desse grupo minoritário.

A ação pede ao STF que determine ao governo federal a instalação de barreiras sanitárias em mais de 30 territórios onde vivem povos indígenas em isolamento voluntário ou de recente contato, bem como a retirada de invasores das terras indígenas Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá.

A ADPF pede, ainda, que a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) atenda a todos os indígenas, inclusive aqueles em contexto urbano ou que vivam em terras indígenas não homologadas, e requer a elaboração de um plano de enfrentamento do COVID-19 para os povos indígenas, a ser elaborado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) com o apoio da Fundação Osvaldo Cruz e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

A propositura da ação por uma organização indígena nacional tem um peso que transcende o caráter simbólico. Ela reforça a necessidade de superar uma interpretação restritiva do art. 103, IX, da Constituição, e afastar o entendimento de que entidades de classe de âmbito nacional seriam apenas aquelas ligadas a uma categoria econômica ou profissional – em consonância com decisões como a da ADPF 527 e da ADI 5.291.

Além disso, a ADPF torna efetivo o art. 232 da Constituição, que sublinha a legitimidade dos povos indígenas e de suas organizações para atuar em juízo na defesa de seus direitos e interesses. Com isso, a democratização do acesso à Suprema Corte viabiliza a escuta e o exercício da interpretação constitucional pelos próprios grupos minoritários e vulneráveis. Essa abertura se torna ainda mais relevante no atual cenário, em que o governo federal constantemente se vale de uma suposta vontade majoritária das urnas para atacar os direitos indígenas. Nesse contexto de omissão sistemática, a pandemia converte-se em fator detonador de riscos a genocídios e atrocidades em massa que já estavam latentes.

O passado mostra que as políticas de Estado violadoras dos modos de vida dos povos indígenas, associadas à negligência na proteção de suas terras, causaram extrema vulnerabilidade nos grupos. Assim, as epidemias não foram obra do acaso, pois as políticas coloniais ofereceram o cenário ideal para que as enfermidades se espalhassem. Afinal, os micro-organismos não incidiram em um vácuo social e político, mas em um mundo socialmente ordenado[1], onde a disseminação de doenças era viabilizada pela opressão e submissão dos povos indígenas aos interesses econômicos dominantes.

Compreender tais episódios nos ensina como um país não se define apenas por suas memórias, mas também por seus esquecimentos[2]. Quanto mais o Estado se omite no dever de proteger os territórios e garantir aos povos indígenas sua sobrevivência física e cultural, mais provável será a ocorrência de genocídios provocados por epidemias.

Desta vez, a Constituição é uma verdadeira aliada. A perspectiva intercultural do texto constitucional impõe uma leitura do texto que descolonize os saberes e as compreensões estigmatizantes do passado e impõe ações concretas pelo Estado na garantia do exercício dos modos de vida próprios dos grupos que formam a sociedade brasileira. Mais do que uma carta de enunciação de direitos, a Constituição de 1988 é um verdadeiro instrumento de luta dos povos indígenas para garantir a sua sobrevivência física e cultural.

Como afirma Ailton Krenak, apesar de tantas violências, os povos indígenas buscaram forças para resistir e desenharam estratégias que lhes permitiram cruzar o pesadelo de uma colonização que queria acabar com o seu mundo e chegar ao século XXI esperneando, reivindicando e desafinando o coro dos contentes[3].

Proteção territorial e direito à saúde

A proteção dos territórios é o eixo central em torno do qual gravitam os direitos indígenas (art. 231, §1º). O território é um espaço onde exercem vínculo especial, de natureza sociocultural e espiritual. Mesmo quando já não habitam esses espaços e se deslocam às cidades, muitos indígenas estabelecem vínculos com os territórios, com os quais perpetuam relações de família, trânsito e afeto. Quando os territórios não estão devidamente protegidos, tornam-se alvo de invasões, ações criminosas, destruição da natureza, contaminação dos rios e desestruturação étnica.

Ao lado da proteção territorial, o direito à saúde exige uma abordagem especial. Ele deve ser implementado em atenção às especificidades socioculturais desses povos, por meio do respeito às suas práticas tradicionais e aos modos de organização de cada etnia, dispondo ainda de uma estrutura logística que atenda aos grupos que vivem nas áreas mais remotas. A adoção da política nacional de saúde indígena em plena conformidade à Constituição pressupõe abandonar concepções ultrapassadas a respeito da identidade indígena e implementar um enfoque diferenciado de atenção às comunidades, sempre em respeito às suas práticas tradicionais e à obediência ao controle social.

Embora a constituição de um subsistema de saúde indígena pela Lei nº 9.638/1999 tenha sido um avanço, ele não tem sido capaz de enfrentar todos os desafios para a implementação da saúde indígena no país.

O primeiro problema reside no caráter incompleto do atendimento. A premissa colonialista de que os indígenas merecedores de atendimento diferenciado seriam apenas aqueles que vivem nas aldeias (“aldeados”) desconsidera a afirmação identitária daqueles que vivem nas cidades e ignora a extrema vulnerabilidade a que estão submetidos. Na prática, os indígenas não atendidos pela Sesai sofrem a discriminação institucional nas demais áreas do SUS e não recebem qualquer tipo de atenção diferenciada que leve em conta suas peculiaridades socioculturais. Na pandemia, os casos de indígenas em contexto urbano não são devidamente computados nas estatísticas oficiais.

Além disso, a precariedade de atendimento e a carência de profissionais, principalmente na Amazônia Legal, as dificuldades na concretização do diálogo intercultural e do respeito à medicina tradicional mostram que há ainda um longo caminho a percorrer para o efetivo respeito à Constituição.

A precariedade do subsistema leva a que os índices da saúde indígena sejam piores que os da população não-índigena – como no caso de mortalidade infantil, desnutrição e diversas morbidades.
Em vez de incrementar a atuação estatal, as tentativas de privatização do subsistema e a diminuição do investimento nos últimos anos têm fragilizado o atendimento, causando impactos ainda piores nas terras indígenas mais remotas.

Ameaça às terras indígenas

Enquanto a política pública de saúde indígena não alcança a efetividade necessária, as ameaças às terras indígenas não param de crescer. Tentativas de invasão das terras para viabilizar atividades ilegais como desmatamento, mineração, garimpo, extração de madeira fragilizam a proteção das comunidades e geram riscos à sobrevivência física e cultural dos grupos. Tais ameaças já eram graves no passado, porém cresceram muito nos últimos tempos, em razão do projeto inconstitucional do atual governo federal para os povos indígenas e do aumento da vulnerabilidade em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

A Presidência da República dedica-se, desde a posse, a cumprir a promessa inconstitucional e discriminatória de não demarcar um centímetro de terra indígena. O governo federal tem se voltado à desestruturação das políticas indigenistas e à condução de um projeto integracionista para esses povos. A começar por discursos, tuítes e falas, o Presidente da República tem defendido um projeto integracionista para os povos indígenas, que busque tirá-los da “pré-história” e torná-los seres humanos “iguais a nós”. As menções são públicas e expressas, sempre com uma visão parcial a respeito do papel do Estado e uma indicação de favorecimento a certos grupos em detrimento dos povos indígenas e do meio ambiente[4], vistos como empecilhos ao progresso.

Além da paralisação de processos demarcatórios e da reprodução das concepções do Presidente, a FUNAI, que deveria agir em defesa dos povos indígenas, tem favorecido a invasão de terras indígenas ainda não homologadas, como mostra a Instrução Normativa nº 9/2020[5], editada em plena pandemia. A autarquia tem se limitado a atuar de forma pontual na matéria indígena, de forma meramente assistencial, omitindo-se no dever de coordenar e interagir com os demais entes e atores acerca do dever de proteção estatal dos povos indígenas. Além disso, a Funai vem abrindo as portas para políticas evangelizadoras, mesmo em áreas de indígenas em isolamento voluntário, desrespeitando as diretrizes de não estabelecimento de contato com esses grupos.

Para enfrentar a pandemia e a omissão estatal, os indígenas têm agido muitas vezes por conta própria. A adoção de suas práticas tradicionais e o estabelecimento de regras nos territórios tentam impedir o aumento do número de casos.

No Alto Rio Negro, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN -, que congrega 23 etnias, aponta que a minimização dos riscos tem sido feita quase exclusivamente pelos conhecimentos tradicionais e a medicina indígena, caso contrário já haveria mais mortes na região[6]. No Vale do Javari, a entidade UNIVAJA, que abrange sete povos da região, vem questionando a entrada de funcionários de saúde contaminados nas terras, o que gerou a disseminação do vírus na região[7]. Os indígenas demandam a criação de um gabinete de crise local, a elaboração de testes rápidos, a criação de barreiras sanitárias e o fortalecimento de bases de proteção, entre outras medidas[8].

O aumento de mortes por COVID-19 mostra que é necessária uma atuação estatal urgente. Até 5/7/2020, houve 11.385 casos confirmados, com 122 povos afetados e 426 óbitos[9]. A pandemia aprofundou um cenário de vulnerabilidades dos povos indígenas cujas consequências podem ser trágicas. Os depoimentos das entidades indígenas e das instituições indicam que os órgãos responsáveis não estão, até agora, à altura da tarefa histórica que lhes cabe.

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[1] Cf. Manuela Carneiro da Cunha. Introdução a uma história indígena. In: __(org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura, FAPESP, 1992, p. 13.

[2] Cf. João Pacheco de Oliveira. As mortes do indígena no império do Brasil: o ndianismo, a formação da nacionalidade e seus esquecimentos. In: _. O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro: Contracapa, 2016, p. 75.

[3] Cf. Ailton Krenak. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 28.

[4] Em 12 de abril de 2019, durante a cerimônia de inauguração do Novo Terminal de Passageiros do Aeroporto Internacional de Macapá – Alberto Alcolumbre, Jair Bolsonaro afirmou:Conversando com alguns parlamentares, vamos conversar sobre a Renca, a Renca é nossa! Vamos usar as riquezas que Deus nos deu para o bem-estar da nossa população. Vocês não terão problemas com o ministro do Meio Ambiente nem com o de Minas e Energia, nem com outro qualquer, que o nosso ministério, pela primeira vez na República, todos se entendem e todos falam a mesma língua: um Brasil melhor para todos nós”. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos/2019/discurso-do-presidente-da-republica-jair-bolsonaro-durante-a-cerimonia-de-inauguracao-do-novo-terminal-de-passageiros-do-aeroporto-internacional-de-macapa-2013-alberto-alcolumbre Acesso em 23 set. 2019

[5] A Instrução Normativa nº 9, de 16 de abril de 2020, editada em plena pandemia, assegura a certificação de imóveis para posseiros, grileiros e loteadores em terras indígenas ainda não formalmente homologadas. A APIB escreveu uma nota técnica a esse respeito. Disponível em: <apib.info/2020/04/28/nota-tecnica-a-instrucao-normativa-da-funai-no-092020-e-a-gestao-de-interesses-em-torno-da-posse-de-terras-publicas/> Acesso em 13 jun. 2020.

[6] Sem orientação da Sesai, indígenas combatem por conta própria novo coronavírus nos territórios. Disponível em: <https://amazonia.org.br/2020/03/sem-orientacao-da-sesai-indigenas-combatem-por-conta-propria-novo-coronavirus-nos-territorios/> Acesso em 11 jun. 2020.

[7] Nota à sociedade brasileira e à comunidade internacional sobre o avanço do COVID-19 na Terra Indígena Vale do Javari. 07 de junho de 2020. Disponível em: <https://trabalhoindigenista.org.br/wp-content/uploads/2020/06/Nota-da-UNIVAJA_07.06.20_covid-19-dentro-do-Vale-do-Javari.pdf > Acesso em 10 jun. 2020.

[8] Veja-se: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,agentes-de-saude-levaram-covid-19-a-povos-isolados-dizem-indigenas-governo-nega,70003331693 . Acesso em 14 jun. 2020.

[9] Cf. dados do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena. Disponível em: <https://covid19.socioambiental.org/ > Acesso em 5 jul. 2020.

JULIO JOSÉ ARAUJO JUNIOR – Procurador da República no Rio de Janeiro. É mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e graduado em Direito pela Universidade de São Paulo, em 2005.

Contra as decisões anti-indígenas do governo Bolsonaro

Contra as decisões anti-indígenas do governo Bolsonaro

Os vetos do execrável e abominável dito presidente da República Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei 1142/2020 de autoria da deputada federal Professora Rosa Neide (PT-MT), cuja Relatora na Câmara foi a Deputada Joenia Wapichana (REDE-RR) e Relator no Senado Federal o Senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), que estabelece um Plano Emergencial de apoio aos Povos Indígenas, Quilombolas, povos e comunidades tradicionais, em função da pandemia de Covid-19, não é apenas uma medida de precaução orçamentária, e nem de negação de direitos a cidadãos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais, nem muito menos mais uma declaração de guerra desproporcional frente a populações que já viviam em situação de vulnerabilidade. Bolsonaro assume publicamente com esses vetos a determinação de consumar o seu projeto genocida, de “limpar a área”, de expansão de ilícitos nos territórios, áreas de proteção protegidos não apenas constitucionalmente mas pela aguerrida resistência dos povos originários e comunidades locais.

Diante desse cenário a ADPF, impetrada pela APIB e entidades aliadas junto ao STF, e acatada liminarmente, mesmo que de forma parcial pelo Ministro Barroso, só adquire relevância, e reforça o Plano de Emergência da APIB, colocando em terra os blefes da Secretaria Especial de Saúde Indígena, e obviamente do próprio governo, uma vez que tentam de todas as maneira iludir lideranças indígenas ao plantar fakes News, na verdade, mentiras, no sentido de que as demandas da APIB iriam inviabilizar as ações da SESAI.

A história se repete. Foi assim quando o movimento indígena resgatou, a partir de 2009, a saúde indígena das artimanhas político-partidárias que queriam impedir que se criasse uma Secretaria Especial de Saúde Indígena, para continuarem mamado de recursos públicos, à época sob gestão da FUNASA.

Massacrar direitos cidadãos, tanto de indígenas que moram nos seus territórios, quanto dos que vivem em contextos urbanos (Ver. Relatório da 5ª. Conferência Nacional de Saúde Indígena, Pág. 27: acesso para todos os indígenas – aldeados, não aldeados e urbanos- aos serviços de saúde de qualidade), e inclusive dos que de indígenas “estrangeiros”, como o caso dos Warão, é inadmissível, não apenas por violar o texto constitucional (Art. 5º.) que assegura o direito à vida, à liberdade, à igualdade… mas porque tenta suprimir o direito à diferença, à diversidade, e o caráter multiétnico e pluricultural do país.

A estratégia fascista é enterrar as especificidades étnicas e culturais, os modos de vida peculiares que estariam emperrando o projeto desenvolvimentista
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Dessa forma a APIB alerta para que lideranças e organizações indígenas não se dobrem ao discurso governamental e não permitam que um governo declaradamente antiindígena consiga fragilizar e desunir a luta que a até o momento os povos indígenas, com raras exceções, tem sabiamente conseguido levar adiante.

O Estado tem constitucionalmente a responsabilidade de atender de forma diferenciada, por tanto de se estruturar para tal finalidade, aos povos indígenas, respeitando não apenas “os seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” mas a “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições” (Art. 231 da CF).

A atenção aos indígenas que vivem em contexto urbano e inclusive os indígenas warão, vítimas da condição de refugiados, não pode ser oferecida apenas por razões humanitárias, mas por convencimento anti-fascita, anti-raical, antietnocida e antigenocida, de um governo que quer se perpetuar em base a mentiras e age com desfaçatez no comando do país, e ainda contra o Estado democrático de Direito.

Pela Unidade, contra o descaso governamental e o projeto genocida do Governo Bolsonaro, a Unidade na diversidade.

Articulação dos Povo Indígenas do Brasil – APIB

Brasília – DF, 08 de julho de 2020.

Pelo direito de sepultarmos nossos mortos com dignidade

Pelo direito de sepultarmos nossos mortos com dignidade

Nesta carta, nossa comunidade faz um apelo às autoridades públicas responsáveis pela saúde em Roraima para NÃO AUMENTAR o sofrimento de nosso povo, que já está grande com as mortes de três dos nossos parentes por conta da Covid-19. Pedimos o respeito a um direito humano fundamental: o da dignidade da morte e do sepultamento! Morreram: Poriciwi da aldeia Mapuera (Pará), no dia 05//06; o filho dele, Fernando Makari, da aldeia Xaary, no dia 04/07; Xexewa, também da aldeia Xaary, no dia 05/07.

Não temos sido tratados como seres humanos. As autoridades não têm respeitado nossa lei, nossa cultura, nosso luto por ocasião da morte de um ente querido. Estamos sofrendo com o racismo institucional, por não podermos enterrar e lamentar a morte de nossos parentes de modo digno, de acordo com a nossa cultura.

No dia 28 de junho, Fernando Makari Wai Wai foi levado doente da comunidade Xaary, na Terra Indígena Wai Wai, para o município de Rorainópolis. No dia 30 de junho, encaminhado para o Hospital Geral de Roraima (HGR), em Boa Vista, onde piorou. Faleceu na madrugada do dia 04 de julho de 2020. Tão logo ficamos sabendo, solicitamos o envio do corpo para o Xaary, onde vivem sua esposa, filho, irmã e outros parentes. Queríamos fazer o luto e o sepultamento. Mas ficamos sabendo que o corpo não seria liberado pelo DSEI Leste, segundo alegação que não seguiríamos as recomendações sanitárias e que não haveria um funcionário do DSEI ou da FUNAI disponível para acompanhar o enterro e vigiar o cumprimento das normas. Então, contactamos o Ministério Público Federal (MPF) em Roraima para assegurar nosso direito.

Informamos ao MPF que seguiríamos as recomendações sanitárias, conforme documento enviado ao DSEI Leste com cópia ao órgão federal. Queríamos fazer o mesmo que fizemos no estado do Pará, na aldeia Mapuera, onde foi enterrado o corpo do nosso parente Poriciwi falecido de Covid-19. Ele foi removido do hospital em Santarém para a comunidade, no município de Oriximiná. Lá, foi enterrado segundo todos os protocolos sanitários, autorizado pelo DSEI Guamá-Tocantins, com a recomendação do MPF em Santarém. Do mesmo jeito, o MPF em Roraima, após nos ouvir e checar o caso no Pará – ofício do MPF Santarém e registro fotográfico – acatou nossa demanda, expedindo uma recomendação de ofício para o traslado do corpo de Makari de Boa Vista ao Xaary, em São João da Baliza. Mas os responsáveis do DSEI- Leste não aceitaram. Eles negaram enviar o corpo de nosso parente, mesmo depois da nossa solicitação formal e da recomendação favorável do MPF!

Essas pessoas não estão respeitando nossa dor e nosso sofrimento. Perante a nossa lei, quando um parente morre precisamos cuidar que ele seja enterrado na nossa terra, perto dos parentes vivos, onde nossos filhos e netos continuarão vivendo. Precisamos orar para que sua alma descanse em paz! Não precisamos aglomerar ou abrir o caixão para isso.

A lei dos Karaiwá (não-indígenas), de acordo com a Constituição Federal e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, elenca a dignidade da pessoa humana, o direito à morte digna e ao sepultamento digno. Mas o DSEI-Leste não respeitou esse direito e mandou enterrar o corpo de nosso parente Makari Wai Wai numa terra distante!

Por isso, estamos manifestando nosso repúdio a essa atitude. Por isso que prendemos o carro da SESAI e não vamos liberá-lo até que o corpo seja devolvido para nós.

Em 5 de junho de 2020, no Pará, Renato Poriciwi Wai Wai foi a primeira vítima da Covid-19 entre nosso povo. Ele era pai de Fernando Makari Wai Wai, falecido um mês depois aqui em Roraima. A família, que já estava sofrendo com a primeira morte trágica de um ancião e importante líder do povo Wai Wai, agora se vê diante da perda de mais um ente querido e de não poder enterrá-lo de modo digno, de acordo com a nossa cultura. No Pará isso foi respeitado! Nosso direito foi respeitado. As normas sanitárias para o enterro foram respeitadas! Por que não aceitam em Roraima?

Além disso, na comunidade Xaary vivem mais de 140 pessoas e mais de 50 estão com sintomas dessa nova doença que os não indígenas trouxeram! A equipe de saúde chegou na comunidade em 23 de junho, quando já havia mais de 40 pessoas com febre, falta de paladar e de olfato, dores de cabeça e no corpo e cansaço. Fizeram alguns testes rápidos e OITO parentes tiveram resultado POSITIVO! Pedimos para testarem mais gente e que todos com sintomas, incluindo os negativos, fossem medicados, mas a equipe presente informou que os testes e medicamentos eram caros e só os casos positivos seriam tratados. Estamos nos cuidando desde o início com nossos remédios caseiros! Mas a doença piorou para algumas pessoas na segunda semana da doença. A grande quantidade de parentes que devem estar contaminados e que não estão recebendo tratamento adequado é MUITO mais perigosa para nós do que o enterro do corpo do Makari na comunidade.

Ontem, um dia após o corpo de Makari ser enterrado contra nossa vontade em Boa Vista, outro parente nosso, Xexewa Wai Wai, de 80 anos, também faleceu no HGR na capital. Hoje, novamente contra nossa vontade, os Karaiwá vão enterrá-lo na cidade! Por que não respeitam nosso sofrimento, nossa cultura e nossos direitos, como determina a lei?

Além do Xaary, a comunidade Anauá, que fica muito próxima de lá, também tem casos suspeitos. Ouvimos relatos que alguns parentes têm evitado dizer que estão com sintomas, com medo de serem levados para o hospital na cidade, morrerem e serem enterrados lá. Há o caso de um parente que saiu com febre para coletar castanha na floresta. Será que ele vai contaminar outros, e vão morrer lá? Agora está acontecendo que nossos familiares estão com receio da remoção para a cidade.

Essa é a consequência do DSEI não nos ouvir, de não nos deixar trazer os corpos para o enterro na nossa terra! Como se não bastasse a falta de medicamentos, de profissionais qualificados, de testes e de atendimento adequado, também não somos ouvidos! Depois de mortos, nossos parentes são enterrados longe de nós. Para piorar nosso sofrimento diante da pandemia e da morte trágica, sofremos também com o racismo.

Esta é a nossa denúncia! Estamos profundamente tristes e indignados! Afirmamos que nossa dor só será acalmada quando os corpos dos parentes mortos retornarem para o sepultamento na terra onde nascemos e vivemos e onde viverão nossos filhos e netos. Apenas então teremos paz para fazer nosso luto e só então devolveremos o carro da SESAI.

Terra indígena Wai Wai, Aldeia Xaary, São João da Baliza, 06 de julho de 2020

Baixe aqui: Carta de repudio Wai Wai