Não existe solução para crise climática sem Terras e Povos Indígenas

Povos e Terras Indígenas são a Reserva para VIDA no Planeta

As mudanças climáticas são mais percebidas pelos povos indígenas, pois mantemos uma relação íntima com a Mãe Natureza: dela vem todo o nosso sustento e ela nos dá todas as explicações para os fenômenos que afetam nossas vidas. Entendemos a sua língua. Olhar para o céu, sentir a temperatura, ouvir a batida da terra são coisas que aprendemos desde muito cedo, por meio da educação indígena, que nos prepara para o manejo do mundo, nos traz sentido para a vida. Mas por todo lugar que passamos, temos ouvido percepções pessoais em relação ao desequilíbrio no clima. Até mesmo nos grandes centros urbanos muita gente já percebe seus efeitos no cotidiano.

As transformações começam a despertar os instintos de todos. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) estaremos reforçando para o mundo a centralidade dos povos e seus territórios para o enfrentamento da crise climática. Estamos observando governos e organizações buscarem soluções tecnológicas e ferramentas que possam ajudar a atual crise, mas é necessário entender que a principal tecnologia social já foi desenvolvida pelos povos indígenas: os territórios tradicionais e as culturas indígenas.

Estes espaços cumprem um papel fundamental no equilíbrio climático, beneficiando, assim, toda a Humanidade. Mas para que eles sejam preservados é preciso preservar também o modo de vida dos povos originários. Com o seu próprio meio de vida, os indígenas garantem essa harmonia e o bem-estar para além de suas terras.

Em meio a um contexto de muitas ameaças aos povos e territórios indígenas, a Apib irá participar da COP26 para afirmar ao mundo a centralidade sobre a garantia da demarcação e proteção das Terras Indígenas para o enfrentamento da crise climática.

NÃO HÁ SOLUÇÃO PARA A CRISE CLIMÁTICA SEM NÓS

Em todos os continentes, os povos originários lutam para proteger suas terras e garantir a todas as espécies o direito de viver. Nossa luta é por nossas vidas e por nossos territórios, pela defesa das últimas terras ancestrais e pelo enfrentamento à crise climática em nosso planeta. Nossa luta é pela cura da Terra. Por isso, reiteramos a urgência da demarcação de nossos territórios. 

Terra Indígena é garantia de futuro para toda a humanidade. Nossa relação com o território não é de propriedade, exploração, expropriação ou apropriação, mas de respeito e manejo de um bem comum, que serve a toda humanidade como pólos de contenção das dinâmicas extrativistas que provocam a crise climática. Até hoje – e isso não dizemos nós, mas a ONU e diversos institutos de pesquisa com a reputação mais elevada que a ciência ocidental pode demandar -, somos nós, Povos Indígenas, os maiores responsáveis pela preservação dos biomas do planeta.

Muitos que nos ouvem hoje não têm dimensão de toda a força que empenhamos nesta missão. Moldamos e protegemos nossos biomas ao preço do sangue de milhões de parentes. O genocídio dos povos originários, a perseguição aos defensores dos territórios e a captura ilegal de nossas terras, é o maior e mais disseminado crime que a humanidade produziu ao longo de sua história. Este é um crime continuado e presente, o qual denunciamos em todas as instâncias que ocupamos.

É fundamental, que o mundo compreenda que não existe solução para a cura da Mãe Terra que não tenha os pés no chão. Conectar-se com a terra, sentir suas necessidades, entender seus ciclos e seus desequilíbrios é fundamental para revertermos os danos causados nos últimos séculos pela sede de acumulação e descarte irresponsável, desigual e ecocida.

Povos e Terras indígenas são a principal Reserva de Futuro

Demarcação como solução para crise climática global

Mesmo sendo responsável pela proteção da maior parte do patrimônio florestal global e, consequentemente, da capacidade de armazenar mais de 293 gigatoneladas de carbono, um terço das terras indígenas e comunitárias de 64 países estão sob ameaça devido à ausência de demarcação (direitos de posse de terra). 

Diante de um cenário em que a alteração humana alcançava, até 2016, quase 95% do superfície terrestre do planeta, os territórios tradicionais são os últimos espaços em que a natureza tem seus direitos respeitados e onde se busca cotidianamente o equilíbrio climático. 

O não reconhecimento, pelos governos e estados, dos direitos coletivos dos povos originários sobre suas terras torna esses guardiões e guardiãs em alvos de ataque e violências atrozes assim como promove a captura ilegal de suas terras por dinâmicas exploratórias da natureza.

O Brasil, originariamente Terra Indígena, hoje reserva apenas 13,8% do território nacional aos seus povos originários. E essa porção do território é a que se manteve mais preservada nos últimos 35 anos, representando menos de 1% do desmatamento no Brasil no período. Além de não significar toda a extensão das florestas protegidas pelos povos indígenas – e que estão com seu processo de demarcação paralisado -, os territórios tradicionais já demarcados encontram-se sob forte ameaça legislativa, em uma tentativa inconstitucional de negar a presença tradicional dos povos indígenas no país, e da ocupação de suas terras muito antes da formação do Estado brasileiro.

  • Por isso, exigir e garantir que os governos reconheçam os territórios tradicionais sob ameaça e que assegurem os direitos de posse coletiva dos povos indígenas e comunidades locais sobre suas terras é fundamental para o efetivo enfrentamento climático global. 
  • Para além da responsabilidade dos governos nacionais em reconhecer os direitos, é importante ressaltar a responsabilidade dos agentes econômicos e financeiros que financiam e promovem processos de produção e exploração e, como resultado, de violência contra os povos e comunidades e de contaminação e destruição da natureza.
Soluções Climáticas Indígenas

Diante das evidentes e desastrosas consequências da mudança climática, provocada pela lógica da acumulação e descarte e a errônea percepção de que a terra pode ser explorada de forma ilimitada,  é utópico acreditar que o capitalismo e a sociedade de consumo podem ser recriadas, atualizadas, reformadas para continuarem a consumir no mesmo ritmo, a despeito dos limites da destruição da natureza.

Os Povos Indígenas testemunham as mudanças climáticas há muito tempo. Viram seus rios secarem, o solo se contaminar, os peixes morrerem, seus parentes adoecerem. No entanto, não perderam a relação com a prática humana de usar seus recursos de maneira inteligente e de criar soluções para garantir que todas as necessidades humanas sejam satisfeitas, sem impedir que as necessidades de outras espécies sejam igualmente contempladas.

Ao longo de gerações, os povos indígenas manejam os biomas em que habitam em um processo de aprendizado milenar e de reinvenção cotidiana. Observar, compreender, enfrentar, e buscar estratégias para a construção de futuro possível é uma especialidade dos povos tradicionais do Brasil, que sobrevivem há mais de 500 anos a uma política de genocídio. 

Em um debate anuviado por inovações tecnológicas, aplicativos online e complexos sistemas financeiros, as soluções indígenas estão pautadas na origem do problema: o desequilíbrio nas relações humanos com o território. 

Ao longo dos anos, Povos Indígenas foram aperfeiçoando seus mecanismos para assegurar a gestão e proteção de suas terras, como os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PGTA). O PGTA é um instrumento construído de forma coletiva pelos Povos Indígenas, no qual consolidam os desejos e compromissos para com seus territórios e o bem viver das atuais e futuras gerações. Tal instrumento no Brasil foi reconhecido por meio da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), instituída em 2012 pelo Decreto 7.747/2012, que traz elementos essenciais para a defesa dos territórios, manejo e recuperação de áreas degradadas, manejo comunitário de produtos agroflorestais, para a manutenção da floresta em pé e fortalecimento da comunidade que a defende. São práticas elaboradas e implementadas milenarmente pelos Povos Indígenas, e que, durante um curto período de participação indígena em espaços de tomada de decisão, foram reconhecidas nas políticas climáticas nacionais.

Apoiar os povos indígenas e comunidades locais em suas práticas tradicionais, na promoção da soberania alimentar e energética das comunidades, na garantia de suas necessidades a partir da construção de estruturas resilientes e localmente adaptadas, no fortalecimento de capacidades de gestão comunitária é a estratégia para proteger e recuperar ecossistemas e construir não apenas um plano de contingência para a crise climática, mas também um plano de futuro.

Financie a Proteção da Floresta

O financiamento internacional é uma ambição global necessária para o enfrentamento à crise climática e para atingir os objetivos do Acordo de Paris. No entanto, não basta mobilizar bilhões de dólares em financiamento climático e aplicá-los na solução de falsos problemas.

Apenas 1% do orçamento do financiamento anual é acessado pelos povos indígenas, a maior parte dos recursos é transferida diretamente entre os países e organizações multilaterais, e por vezes financia relações, projetos e implementações que não se relacionam com o enfrentamento à crise climática. 

Enquanto isso, os povos originários, que correspondem a 5% da população mundial, são diretamente responsáveis pela proteção de 80% da biodiversidade global, como demonstra a pesquisa realizada por cientistas globais sobre a governança das florestas e a marginalização dos Povos Indígenas do debate climático

Os fundos mobilizados pelos países são necessários para aqueles que realizam há séculos o serviço ambiental mais importante para o enfrentamento da crise climática: a defesa e manutenção das florestas, dos territórios tradicionais e de sua biodiversidade.

De acordo com estudo recente do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), o custo anual de implementação de um Plano de Gestão Ambiental e Territorial no Brasil gira em torno de 265 mil a 4,4 milhões de Dólares, a depender da extensão da Terra Indígena. Um valor irrisório quando comparado com grandes projetos de infraestrutura, de reconfiguração do padrão do uso do solo e acordos de cooperação internacionais.

Colaboração global

Para que possamos responder à crise climática é necessário trabalhar em conjunto e cooperar para além dos espaços de articulação internacional, direcionados por um senso de responsabilidade global para além das fronteiras. As diversas nações reunidas nesse importante momento precisam não apenas elaborar planos de contingência frente às mudanças climáticas, mas principalmente afirmar o compromisso com um plano de futuro. 

Para trabalharmos juntos, é importante que os Povos Indígenas e as comunidades locais estejam devidamente inseridas em espaços de debate e instâncias decisórias de modo a incidir na definição de políticas e acordos internacionais. Os povos tradicionais são pouco contemplados nos espaços de participação e debate. Com isso, não alcançam os espaços de decisão que negociam suas terras sem os incluir na mesa, resultando em flagrantes lacunas na  proteção aos direitos humanos e socioambientais dos povos indígenas e comunidades locais em diversos acordos internacionais.

Os acordos climáticos (como o Acordo de Paris e suas regras), econômicos (como o Acordo entre União Europeia e Mercosul) e as legislações internas dos países sobre importação de commodities que impliquem risco florestal precisam ser devida e urgentemente revisados para que incluam em seus textos o respeito aos direitos dos povos indígenas, a seguridade de seus direitos de posse através da demarcação de terras, criação de mecanismos de salvaguarda dos direitos indígenas e de sistemas de rastreabilidade das cadeias de produção e seus impactos nos territórios e comunidades

Além disso,  é necessário que os países que se reivindiquem apoiadores dos Povos Indígenas e que estejam na luta contra a crise climática tomem medidas específicas para boicotar o governo brasileiro e seguir com represálias às empresas e fundos de investimentos que abrem caminho para a destruição e contaminação dos territórios e promovem a violência e genocídios contra povos tradicionais.

Leia a carta da APIB na íntegra

Carta de Tarumã

Nós, os povos indígenas da Amazônia brasileira, observamos há muito tempo as mudanças climáticas e seus efeitos em razão de mantermos uma relação ancestral com a Mãe Terra. Pois é dela que vem todo o nosso sustento e as explicações para os fenômenos que afetam a vida de todos os seres vivos e  cosmológicos.
A crise climática está diretamente relacionada à ganância sobre as terras indígenas, aliada à erosão jurídica dos direitos indígenas e ambientais que está em trâmite no Brasil. O tempo em que estamos vivendo, no qual um vírus parou o mundo e afetou a rotina de bilhões de pessoas de todas as classes sociais e diferentes culturas, é  fundamental para pensar seriamente na necessidade de respeitar a sociobiodiversidade presente em nossos territórios. Mas no Brasil, o governo atual é letal com políticas anti-ambientais, anti-climáticas e anti-indígenas. Nossos territórios, que são nossos de  direito, estão sendo invadidos por garimpeiros e madeireiros; aldeias foram cercadas por fazendas de gado e soja; os rios são contaminados por agrotóxicos e mercúrio; a Floresta Amazônica está em chamas virando cinza; e governos e os fundos econômicos  continuam apoiando financeiramente essa ganância desenfreada, a economia da destruição que mata e que destrói a vida e o planeta.

Declaração dos povos indígenas da Amazônia brasileira frente à crise climática

Leia a carta da COIAB na íntegra

Delegação da APIB na COP26

Alberto Terena

Coordenador Executivo da APIB

Kretã Kaingang

Coordenador Executivo da APIB

Dinaman Tuxá

Coordenador Executivo da APIB

Sonia Guajajara

Coordenadora Executiva da APIB

Kerexu Yxapyry

Coordenadora Executiva da APIB

Marcos Sabaru

Assessor Político da APIB

Toya Manchineri

Integrante da COIAB

Alessandra Munduruku

Integrante da COIAB

Shirley Djukurnã Krenak

Liderança | ANMIGA

Simone Karipuna

Liderança | ANMIGA

Telma Taurepang

Liderança | ANMIGA

Nara Baré

Coordenadora-geral da COIAB

Sineia do Vale

Integrante da COIAB

Puyr Tembé

Liderança | ANMIGA

Ana Patté

Liderança | ANMIGA

Cristiane Julião Pankararu

Liderança | ANMIGA

Valéria Paye

Coordenadora da representação da COIAB em Brasília

Mariazinha Baré

Integrante da COIAB

Célia Xakriabá

Liderança | ANMIGA

Nyg Kaingang

Liderança | ANMIGA

Joziléia Daniza Jagso

Liderança | ANMIGA

Participação dos povos indígenas do Brasil na COP26

Participação dos povos indígenas do Brasil na COP26

Povos e Terras Indígenas como solução da crise climática