Aos povos, organizações e lideranças indígenas do Brasil

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Prezados parentes e parentes

Como é de conhecimento de todos e todas acontece este ano no Brasil eleições para os mandatos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores nos 5.568 municípios do país, que por conta Pandemia da Covid-19 foram adiadas para o mês de novembro, sendo no dia 15 o primeiro turno e o segundo no dia 29.

A APIB, preocupada pela inevitável movimentação de políticos de tudo quanto é partido neste período, mesmo com a pandemia se alastrando, quer compartilhar com vocês algumas reflexões e elementos de análise que possam nos levar a não ser vítimas de manobras politiqueiras, enganações e falsas ilusões que em muitos casos se reverteram contra nós, em detrimento da garantia dos nossos direitos territoriais, cidadãos e da nossa autonomia na preservação dos nossos modos de vida, identidade e cultura. Mais, neste período sombrio em que um governo de perfil autoritário, assumidamente fascista, tem colocado em risco os direitos conquistados na Constituição de 88, o respeito aos direitos humanos, à liberdade e à participação, e a estabilidade institucional, enfim, ao Estado Democrático de Direito.

A Democracia necessariamente implica em participação, inclusive nas tomadas decisões, é por isso que falamos de democracia representativa e democracia participativa. No primeiro modelo é que se enquadra a eleição de vereadores/as, prefeitos/as, deputados e deputadas sejam estaduais ou federais e senadores e senadoras. Essa participação, e se marcada por revezamentos, é necessária para a democracia. Por isso é preciso democratizar as instituições, uma vez que constituem espaços de tomada de decisões (econômicas, sociais, políticas, culturais) que impactam a vida de todo um povo. Desde essa perspectiva, a democracia brasileira, após de 33 anos de apertura democrática certamente não conseguiu se consolidar em plenitude, embora ela mesma seja um processo continuo de construção, mas esse processo corre riscos de ser truncado mais uma vez.
Mas também não podemos esquecer da anulação dos espaços públicos, instancias e mecanismos de participação na formulação, implementação, monitoramento e avaliação das responsabilidades sociais dos distintos entes do Estado, que na atual conjuntura foram covardemente golpeados, restando apena para os movimentos e organizações sociais o seu potencial histórico de mobilização, pressão e compartilhamento mesmo que forçado do poder de decisão dos poderes constituídos sobre a vida cidadã. Tudo isso constitui a dimensão da democracia participativa.

O ideal, porém é conseguir a reforma plena do sistema político, não apenas no aspecto eleitoral, mas sim além das estruturas clássicas partidárias e do predomínio dos interesses do poder econômica e das corporações, que implicaria na participação do povo, a partir de suas especificidades e diferenças nas tomadas de decisões de toda ordem, incluindo o poder de veto popular a decisões que prejudiquem os interesses e direitos da população, seja na forma de plebiscito, referendo ou iniciativa popular, previstos pela Constituição Federal.

De todos os modos a Democracia que temos ai hoje é essa: em tese representativa, debilmente participativa e menos popular, e ainda gravemente ameaçada pelo governo de Jair Bolsonaro. Não por isso os povos indígenas vão se eximir de fazer luta institucional. Por isso temos que reivindicar equidade nas disputas, mesmo dentro dos partidos, no financiamento público e na ocupação de espaços de publicidade, sem perder de vista, é claro, a nossa luta contra as forças do capital que tomaram conta nesses anos todos das instituições.

É nesse sentido que a APIB se manifestou publicamente em janeiro de 2017 sobre a urgência de disputas eleitorais com a carta “Por um Parlamento cada vez mais indígena”, considerando a “ausência de legítimos representantes dos povos indígenas”, principalmente no Congresso Nacional, o que “dá margem para a forte agenda reacionária, fundamentalista e de interesse dos grupos econômicos, com destaque para a bancada ruralista, que historicamente atuam como inimigos dos Povos Indígenas”. A única diferença marcante que temos hoje é o mandato da deputada Joênia Wapichana. Mas essa realidade do Congresso Nacional não é diferente nas câmaras de vereadores nos municípios que possuem populações indígenas, e nas assembleias legislativas. Temos por isso, nós povos indígenas, o desafio de ocupar esses espaços, para disputarmos inclusive uma verdadeira democracia representativa, participativa e popular, onde possamos, por exemplo, indicar representantes não apenas pela via clássica partidária, mas através de colégios eleitorais diferenciados ou de mecanismos autônomos de organização social própria, espaços coletivos de decisão, grandes assembleias, plenárias ou Congressos, sem deixar de sonhar, mais ainda, nas possibilidades de termos um Parlamento Indígena.

No momento, porém, em que se inicia as campanhas eleitorais, onde haverão candidatos e candidatas, inclusive agentes públicos, que poderão utilizar eventuais serviços que fizeram aos nossos povos para enfrentar a pandemia da Covid-19, é muito importante estar alertas, impedir tradicionais aliciamentos e falsas promessas que depois se voltam contra nós. Não podemos mais ser tratados como massas de manobra, nem como meros coadjuvantes. É importante, mesmo prejudicados pelo distanciamento social, iniciarmos discussões no âmbito local e regional sobre a necessidade de lançarmos cada vez mais indígenas candidatos e candidatas para a disputa nessas próximas eleições. O debate político no atual momento histórico é fundamental, para de fato incidirmos nas decisões que impactam o destino dos nossos povos.

Em defesa da Vida e da Democracia Plena.

Brasília – DF, 31 de Agosto de 2020

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDIGENAS DO BRASIL- APIB