Uma operação de guerra foi organizada, nesta terça-feira, 26, na Terra Indígena Dourados Amambai-Peguá I, do povo Guarani e Kaiowá, município de Caarapó (MS). Ao menos 200 policiais e soldados do Exército entraram na aldeia – em caminhonetes, cavalos e helicóptero – com o objetivo de recuperar produtos de roubo e furto supostamente realizados durante retomadas indígenas a três fazendas incidentes no tekoha Tey’i Kue, em 2016. O resultado foi constrangedor.

Conforme declarou à imprensa o comandante da ação, Ary Carlos Barbosa, ela “visou trazer uma maior sensação de segurança aos moradores”. O Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) não foram informadas da operação, que apresentou como saldo a apreensão de duas réplicas de arma de fogo, um estojo de munição e um coldre. Não há informações sobre a recuperação de objetos supostamente roubados. Ninguém foi preso.

Apesar do resultado ter sido desproporcional ao tamanho da operação, os Guarani e Kaiowá denunciam a completa destruição do acampamento na retomada de Tey’i Kue. De acordo com liderança indígena ouvida e que pediu para não ser identificada por razões de segurança, “os policiais quebraram barracos, reviraram pertences pessoais, destruíram material de reza”.

Na declaração sobre o saldo da operação, os policiais frisaram que viram marcas de tiros, aparentemente de calibre 12, nas portas das casas.

“Será que não sabem que pistoleiro ataca o acampamento a mando do fazendeiro? Essa operação tá mais pra uma retaliação pelo fato da gente seguir na nossa terra mesmo depois dos assassinatos, ataques e ameaças”, afirma a liderança.

Em junho de 2016, o agente de saúde Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu de Souza foi assassinado e outros nove indígenas ficaram feridos com armas de fogo durante ataque de fazendeiros e pistoleiros à Fazenda Yvu, retomada pelos Guarani Kaiowá e onde fica o tekoha Tey’i Kue. Outros episódios de ameaças, racismo e violência se seguiram ao ataque fortemente armado dos fazendeiros – um grupo chegou a ser preso, responsabilizado pela violência contra os indígenas.

O episódio ocorre durante a realização da 14º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. Mais de 3 mil indígenas, representando cerca de uma centena de povos, estão desde segunda-feira, 24/4, reivindicando o direito à terra, a retomada das demarcações, denunciando o desmonte da Funai e o loteamento de seus cargos pelos ruralistas e contra a retirada de direitos fundamentais, caso das reformas da Previdência e Trabalhista.

Conversa com Lula: faltou autocrítica

Para Elizeu Guarani e Kaiowá, porta-voz da Aty Guasu, principal organização política do povo Guarani Kaiowá, “a operação é o resultado da falta de demarcação”. Integrante do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), Elizeu esteve reunido na noite anterior à Operação Caarapó com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, junto com uma comitiva do ATL. A reunião foi uma solicitação do Instituto Lula.

“Falei para o presidente que o governo dele foi muito ruim para os povos indígenas. O da Dilma também. Não avançou as demarcações. Agora com o Temer, é que piorou de vez, mas já vem de anos de desrespeitos aos nossos direitos. Estamos resistindo, e isso nos mantém vivos”, relata. Fome, agrotóxicos lançados nas aldeias, polícia, pistoleiros: “Essa é a realidade no Mato Grosso do Sul”.

De acordo com o indígena, Lula afirmou estar ciente do quadro, mas não se posicionou de maneira autocrítica e foi acompanhando pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que, em 2013, quando ministra da Casa Civil, afirmouo que no Paraná não havia índios e, se existissem, eram “paraguaios”. Outro fato embaraçoso é a relação de Lula com José Carlos Bumlai, que possui uma usina de cana em terras tradicionais Guarani e Kaiowá na região de Dourados.