A Organização das Nações Unidas (ONU) promove nesta sexta-feira (5) evento para discutir a situação dos direitos humanos nos países ligados ao organismo internacional. Realizado em Genebra, na Suíça, o encontro discutirá temas como violência policial, acesso aos serviços públicos, política penitenciária e outras questões sociais. E, no caso específico do Brasil, a ONU está interessada especialmente na situação dos direitos humanos dos diversos povos indígenas que habitam o país, especialmente em um cenário de corte de gastos governamentais e de enfraquecimento e esvaziamento das atribuições da Fundação Nacional do Índio (Funai).

O evento é denominado de Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da ONU, ou apenas RPU, e em outubro do ano passado seus relatores receberam um documento da sociedade civil brasileira com recomendações para fortalecimento dos direitos humanos no País e lá estão pontos que tratam especificamente da situação dos habitantes originários do Brasil. Fruto de um seminário realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Rede de Cooperação Amazônica (RCA) que apontou a situação dos direitos humanos entre as populações, o documento contém mais de 100 sugestões para proteção dos povos indígenas.

A posição oficial do governo brasileiro sobre a questão dos Direitos Humanos no País será apresentada em relatório que esteve disponível para consulta popular por curto período de tempo em outubro de 2016. Sobre a questão indígena a avaliação é de que muito pouco se avançou. Sônia Guajajara, da Apib, afirma que “no ciclo anterior do RPU o Brasil recebeu e aceitou 16 recomendações que tratavam especificamente sobre os povos indígenas e hoje constatamos que nada mudou”, lamentou. A versão final do documento foi enviada a ONU em dezembro do ano passado e contemplou algumas críticas feitas pelos povos indígenas, ainda que em partes, “visto que a Funai foi mencionada uma única vez no documento”, lembrou Sônia.

O relatório conjunto feito pela Apib e RCA com recomendações para fortalecimento dos direitos humanos dos povos indígenas foi debatido com diplomatas de 19 países entre janeiro e fevereiro deste ano. Realizados nas embaixadas em Brasília, os encontros serviram para chamar a atenção para questões específicas das populações e para solicitar que os demais países membros da ONU façam recomendações no sentido de fortalecer os direitos humanos dos povos indígenas brasileiros. Doze pontos específicos do relatório foram apresentados aos diplomatas e vão desde o respeito à cultura e tradição dos povos até o aceleramento dos processos de demarcações de terras indígenas, passando pela necessidade de maior representação das populações e final do genocídio que já dura mais de 500 anos.

A sociedade civil participa apenas como observadora do evento a ser realizado em Genebra neste 5 de maio. Entretanto a Apib, junto a Conectas e outras organizações, pretendem realizar um evento paralelo para dialogar sobre a sessão e recomendações feitas por outros países sobre as questões dos direitos humanos. “Em setembro a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas completa 10 anos e será interessante ver como o Brasil se posicionará frente a isso, já que está acabando com as instituições e proteções legais dos direitos dos povos indígenas em processos liderados por políticos abertamente contrários às nossas demandas, como é o caso do Ministro da Justiça, Osmar Serraglio”, finalizou Sônia.

Pontos em debate:

Sugestões de recomendações de cerca de 30 organizações indígenas, indigenistas e de Direitos Humanos do Brasil para a Revisão Periódica Universal da ONU:

1. Estabelecer, em diálogo com representantes dos povos indígenas no nível nacional, um mecanismo para monitorar a implementação das recomendações, obrigações e compromissos aceitos no âmbito do direito internacional, do RPU e de procedimentos especiais como a Relatoria Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas e o Grupo de Trabalho da ONU sobre direitos humanos e empresas, inclusive por meio do desenvolvimento de um plano ou estratégia nacional para implementar a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e para garantir a participação de representantes indígenas em fóruns nacionais, regionais e internacionais de direitos humanos;

2. Garantir que os direitos constitucionais, especialmente aqueles relacionados às terras, recursos naturais e culturas, sejam mantidos e fortalecidos de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos e que os povos indígenas tenham pleno acesso à justiça e a serviços de defensoria pública ofertados de maneira equânime, como para outros grupos minoritários, sempre que seus direitos coletivos ou individuais sejam violados;

3. Avançar nos procedimentos de demarcação de terras indígenas, com particular atenção para áreas fora da região amazônica e ou afetadas por grandes projetos de desenvolvimento, impedir a criminalização de lideranças por defenderem seus direitos territoriais e levar à justiça os responsáveis por atos de violência, discriminação e assassinatos praticados contra comunidades e lideranças indígenas;

4. Estabelecer padrões uniformizados para que a administração pública ofereça garantias na implementação e monitoramento do direito à consulta livre, prévia e informada, de acordo com a Convenção 169 da OIT, inclusive com relação a medidas legislativas, além de reconhecer e apoiar as iniciativas próprias dos povos indígenas de protocolos de consultas;

5. Garantir que programas e políticas econômicas, sociais e culturais, inclusive de transferência de renda, impliquem respeito e devido valor pelos povos indígenas, seus direitos específicos, bem como sua autonomia e modos de vidas, evitando-se a estigmatização de povos indígenas como pobres ou como obstáculos ao desenvolvimento;

6. Investigar e agir em cooperação com autoridades estaduais e municipais, e em diálogo com povos indígenas, para banir situações em que os povos indígenas são impedidos de gozar de seus direitos econômicos, sociais, culturais, civis e ou políticos devido à falta e demarcação de terras indígenas por parte do Estado;

7. Estabelecer política para proteger e promover as línguas indígenas, com especial atenção para a plena implementação do direito à educação bilíngue, de acordo com as especificidades dos povos indígenas;

8. Adotar medidas urgentes para prevenir e punir o racismo, a discriminação e as violências praticadas contra povos indígenas, inclusive por parte de instituições públicas;

9. Fortalecer por meio da alocação de recursos adequados e treinamento contínuo as instituições chaves para a promoção e proteção dos direitos humanos dos povos indígenas como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Advocacia Geral da União (AGU), Conselhos Tutelares, juízes e magistrados, dentre outros;

10. Garantir recursos financeiros e apoio político para a efetiva implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental e Terras Indígenas (PNGATI);

11. Iniciar um processo consultado para implementar medidas que contribuam com a verdade, a reconciliação e a compensação das violações e violências cometidas no passado contra os povos indígenas, inclusive por meio de campanhas públicas de conscientização, de modo a construir um ambiente apropriado para uma nova relação do Estado com os povos indígenas, com respeito à autonomia e aos direitos humanos;

12. Engajar-se com os povos indígenas e garantir sua participação em processos nacionais, internacionais, regionais ou bilaterais relacionados a temas de fronteiras, mudanças climáticas, conhecimento tradicional, proteção ambiental e objetivos de desenvolvimento sustentável