Por Lia Bianchini para Cobertura Colaborativa da Marcha das Mulheres Indígenas
“A terra é feminina e é quem dá todos os frutos: água, minério, alimento, árvores, animais. Essa terra que germina, que gera tudo isso, nós somos essa terra”. A frase é de Cristiane Julião, do povo Pankararu, de Pernambuco. E é assim que ela explica o que move as mulheres indígenas a buscarem o fortalecimento de suas habilidades políticas nos espaços de poder de seus povos.
O empoderamento das mulheres indígenas está inserido em uma visão de mundo coletiva e cíclica, em que mulheres, homens e natureza coexistem em prol do bem estar comum desta e das próximas gerações. Não por acaso, o lema da I Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece em Brasília, entre os dia 9 e 14 de agosto, é “território: nosso corpo, nosso espírito”.
A defesa de seus territórios é o sentido maior da luta das mulheres indígenas. “Nós somos terra 24 horas por dia. Meu corpo é terra e o que corre dentro das minhas veias é água. Nós estamos preocupadas, porque a essência da terra está se perdendo, então meu povo está correndo grande risco de desaparecer”, diz Shirley Krenak, cujo povo – Krenak, do leste de Minas Gerais – vive em um território castigado pela lama do rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, desde 2015.
Para Shirley, a auto-organização das mulheres indígenas e a I Marcha das Mulheres Indígenas são um “chamado da terra”. “A terra é mãe, a terra é uma mulher. E uma mulher entende a outra. Então, esse momento agora é pra isso: chamar as pessoas a entenderem que nós temos a essência da vida, porque nós trabalhamos para você respirar, pra você beber água, pra você se alimentar bem. As pessoas precisam entender o quanto nós somos importantes aqui, principalmente nós, mulheres indígenas”, afirma Shirley.
Cultura do homem branco
A cosmovisão indígena, no entanto, foi atravessada pela colonização, que fez se espalhar pelos povos indígenas a ideia capitalista do patriarcado, da superioridade masculina.
O machismo nos povos indígenas foi trazido com a colonização.
“O Estado trouxe a ideia de cacique homem, pajé homem, polícia indígena homem, deu funções aos nossos indígenas homens para que as mulheres ficassem em casa, vulneráveis. O homem era o guerreiro, forte. Foi se normatizando essa ideia de que o homem tem a resistência física. Só que não é bem assim. Tem muitas mulheres que a história não conta. Mas nós estamos lá”, explica Cristiane Julião.
No dia-a-dia das aldeias, as mulheres indígenas têm de enfrentar essa ideia de subalternidade e vulnerabilidade. Segundo conta Mukani Shanenawa, a cacique da aldeia Feijó, localizada no estado do Acre, ainda existe, entre os homens, a prática de desvalorizar e desmotivar o poder de fala das mulheres em espaços de deliberações e debates.
“Há muito tempo nós somos muito desvalorizadas. Não são todos, mas alguns homens querem deixar a gente muito pra baixo, nos desmotivam, não dão oportunidade de falar em uma reunião, participar de palestra. A gente não tem que ser aquela mulher só de ter voto, mas também de ter voz em qualquer instituição, em qualquer lugar que seja, temos que ser mulheres fortes, e continuar sendo guerreiras”, afirma.
Mukani lidera uma aldeia composta em 90% por mulheres. Ela explica que a liderança passa de geração para geração e participar da I Marcha das Mulheres Indígenas, no seu entendimento, ajudará a fortalecer a cultura do empoderamento das mulheres nos povos presentes na Marcha.
“A busca pelo nosso empoderamento feminino é infinita. Eu posso sair daqui e levar pra minha comunidade algo que eu ainda não sabia, mas que vai se fortalecer dentro da minha cultura, dentro da minha aldeia. Do mesmo jeito será com as outras parentas que estão aqui”, diz.