Funai insiste que cumpre função institucional, mas envia equipe para reunião que desconhecia o dia da audiência de conciliação na Justiça e contraproposta indígena para renovação do PBA
Via Instituto Kabu – A equipe da Funai chegou de mãos vazias e sem preparação prévia para a reunião que convocou no final da tarde da segunda-feira (24) com lideranças Kayapó acampadas há uma semana às margens da BR-163. Os indígenas ocuparam a rodovia em protesto por atrasos e promessas não cumpridas por parte do governo federal.
Eles esperaram por uma resposta à contraproposta da associação indígena Instituto Kabu para acelerar a renovação do Plano Básico Ambiental (PBA) – condicionante para a concessão de licenciamento ambiental da rodovia, vencido desde o final do ano passado.
A equipe da Funai comandada pelo Diretor de Promoção e Desenvolvimento Sustentável, João Rosa, compareceu à reunião virtual querendo discutir um cronograma de negociação que se estende até fevereiro de 2021. O ofício da Funai com este cronograma havia sido queimado pelas lideranças na BR na semana passada, demonstrando claramente a rejeição por parte deles.
Ele voltou a repetir que a Funai realizou duas liberações de recursos este ano, omitindo que se referem a repasses atrasados, relativos a 2019. Atrasos que quase inviabilizaram projetos de segurança alimentar e geração de renda, como a coleta e comercialização da castanha do Brasil nas Terras Indígenas Baú e Menkragnoti, financiadas pelo PBA.
A Procuradora Federal, Thaís Santi, de Altamira, que acompanha outros empreendimentos cuja licença para funcionamento obriga a compensação ambiental, a exemplo de Belo Monte, questionou o que poderia ser melhorado num PBA elaborado pelos indígenas com apoio de técnicos, baseado na experiência deles de 10 anos implementando as ações de redução dos impactos causados pela pavimentação da rodovia. De acordo com o diretor da Funai, o PBA apresentado “está muito ruim, muito fraco em termos de projeto. As metas não são claras, os indicadores não são claros.” A resposta ao desconhecimento da atual diretoria da Funai dos resultados alcançados no PBA de mais sucesso no país e único implementado pelos próprios indígenas foi enviada pelo Instituto Kabu num documento de mais de 100 páginas, que Rosa admitiu não ter lido.
Santi questionou ainda o papel assumido pela Funai de substituir o empreendedor (DNIT) na discussão do documento, quando deveria analisá-lo. E ficou sem resposta ao perguntar por que a Funai ainda não enviou o PBA ao DNIT.
O diretor também reconheceu desconhecer a proposta dos indígenas de renovar o PBA em 30 dias, enviada à Funai pelas lideranças na última sexta-feira.
Doto Takak-Ire, Relações Públicas do Kabu, cobrou a promessa da Funai de negociar o PBA em seis meses, feita no ano passado. “Os seis meses já eram, acabaram. É por isso que estamos aqui, ocupando a BR. Queremos saber o que a Funai propõe para que possamos sair da rodovia.”
Rosa insistiu que o cronograma da Funai foi pactuado em uma reunião com técnicos do Kabu, em Brasília. Na reunião citada, dois dos técnicos se retiraram quando perceberam a tentativa de protelação.
Ao final, o diretor da Funai sugeriu outra reunião na quarta-feira (26), às 16h, para ter tempo de se preparar, admitindo desconhecer a realização da audiência judicial e afirmando acreditar que a conciliação estaria marcada para a próxima sexta-feira (28). Na audiência de conciliação, no dia 24/08 pela manhã, o Procurador da Funai havia garantido à juíza da Vara Federal de Itaituba que as demandas dos Kayapó seriam discutidas na reunião que ocorreria em seguida com Rosa.
Ao enviar uma funcionária local de Novo Progresso e um procurador sem poderes para negociar, a Funai esvaziou a reunião de conciliação, na qual a União pediu e obteve a manutenção da liminar de reintegração de posse que permite à Polícia Rodoviária Federal e à Polícia Federal retirarem os Kayapó Mekragnotire da rodovia.
Por fim, Rosa parecia não saber que os Kayapó já obtiveram respostas positivas a demandas relacionadas à saúde indígena e esperavam uma sinalização positiva por parte da Funai naquela reunião para encerrar o protesto.
Thais Santi lembrou ao diretor da Funai que os indígenas tinham a expectativa de ouvir uma reação à proposta deles e que estão há dias ocupando uma BR, “o que é uma situação de extrema exposição e desaconselhável neste momento.” E completou: “Quem está lá, sabe a tensão do que é ocupar uma rodovia.”
As lideranças decidiram continuar acampadas na estrada sem impedir o tráfego esperando pelo desfecho da próxima reunião com a FUNAI.