Na última segunda-feira (22) em Brasília, uma delegação de lideranças indígenas dos povos Kayapó e Munduruku foi até o Tribunal de Contas da União (TCU), para exigir que seu direito à consulta prévia seja respeitado no processo de planejamento da concessão à iniciativa privada de uma ferrovia no Mato Grosso que impactam diretamente os seus territórios. Com quase mil quilômetros de extensão, partindo de Sinop, no Mato Grosso, até o porto de Miritituba, no Pará, e com a previsão de uma estação intermediária em Matupá (MT), o projeto é considerado prioritário pelo Governo Federal.

 

Às pressas, após serem pegos de surpresa por  uma nota publicada no jornal O Globo, a qual afirmou que o TCU iria encaminhar o processo de concessão da ferrovia sem que o governo ouvisse os povos impactados, as lideranças se mobilizaram na elaboração de carta ao órgão. A nota afirma que o Tribunal teria arquivado a representação do Ministério Público Federal (MPF) com uma série de advertências sobre as irregularidades do processo. A representação do MPF foi assinada por 14 procuradores e cinco organizações indígenas e da sociedade civil, entre elas o Instituto Kabu, o Instituto Raoni, ATIX,  Associação Iakiô e o ISA, e protocolada em outubro de 2020, na qual pede-se a suspensão do processo de concessão à iniciativa privada para a construção da ferrovia até que seja realizada a consulta sobre a sua viabilidade, ainda na fase de planejamento.

Os indígenas se articularam e enviaram uma petição solicitando a retirada do processo da pauta até que fossem escutados. Mesmo com a pandemia, decidiram ir à Brasília e dialogar pessoalmente com o ministro  Aroldo Cedraz, relator do processo no TCU.  Uma audiência virtual foi marcada para a terça (23), às 17h. Na noite de domingo, ocasião em que a delegação já estava na capital, o processo foi retirado de pauta.

Na carta — entregue por Doto Takak-Ire, Relações Públicas do Instituto Kabu (IK) e Mydjere Kayapó, vice-presidente do IK, que representa 13 aldeias Kayapó das Terras Indígenas Baú e Menkragnotí, no sul do Pará, e ainda a liderança Alessandra Munduruku, — os povos indígenas pediram a participação das etnias nos projetos de infraestrutura desde a fase de planejamento.

“O Tribunal de Contas da União tem uma grande responsabilidade nas mãos, não pode decidir às pressas e muito menos sem antes escutar todas as partes. O projeto de concessão da Ferrogrão é de 69 anos, um erro na sua avaliação pode comprometer muitas gerações. As decisões têm que ser tomadas com calma e tempo suficiente para ouvir todos os envolvidos, principalmente aos povos indígenas e as comunidades tradicionais das bacias dos rios Xingu e Tapajós onde se pretende instalar a ferrovia, bem como todas as outras obras que complementam, como portos, hidrovia, estradas, entre outras”, diz a carta.

Sobre os Impactos da Ferrogrão

Estudo publicado em dezembro do ano passado revelou que a ferrovia pode impactar 4,9 milhões de hectares de áreas protegidas em municípios que somam 1,3 milhões de hectares desmatados ilegalmente, além do potencial impacto sobre 16 Terras Indígenas.

O planejamento governamental reconhece apenas os territórios indígenas Praia do Índio e Praia do Mangue, em Itaituba, como impactados pelo empreendimento. Até hoje os Munduruku não foram consultados como determina seu Protocolo de Consulta. [Leia a carta da associação Pariri denunciando o avanço dos estudos da Ferrogrão sem a consulta]. 

Em dezembro de 2017 a ANTT se comprometeu  em realizar a consulta antes do processo ser encaminhado ao TCU (acesse ata). Sem consultar previamente os povos indígenas, o Ministério da Infraestrutura encaminhou para análise do Tribunal em julho do ano passado. 

Na representação, o MPF alerta o TCU de que impedir a participação dos indígenas no planejamento da ferrovia pode provocar o subdimensionamento dos custos socioambientais. De acordo com os levantamentos iniciais, foram identificados potenciais impactos sobre o conjunto de terras do povo Munduruku nas regiões do médio e Alto Tapajós; sobre as terras dos povos Panará e Kayapó, no sudoeste do Pará; e sobre seis terras indígenas no Mato Grosso, incluindo áreas de povos isolados e o Território Indígena do Xingu.