Na tarde desta quinta-feira (16), 150 lideranças de 13 povos protocolaram uma carta de pedido de urgência ao Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes acerca do julgamento que decidirá os rumos das demarcações das terras indígenas no país. O julgamento adiado na tarde de ontem (15), depois do voto a favor do Marco Temporal pelo ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro para a corte, teve pedido de vista por Alexandre de Moraes. 

Na carta os indígenas pedem que o ministro devolva com rapidez o voto de vista para a continuidade e finalização do julgamento do Recurso Extraordinário de número 1017365. 

“Mantemos plena confiança e apoio ao STF neste contexto de grandes ataques que têm sido desferidos contra a mais alta corte de nosso país. Ao mesmo tempo, a postergação para a finalização deste emblemático julgamento faz aumentar sobremaneira a expectativa nossa e de todos os povos indígenas do Brasil quanto a uma decisão favorável do Supremo aos nossos direitos constitucionais e fundamentais”, diz a carta.  

Sabendo que a data de retorno do julgamento é incerta, após devolvido por Alexandre de Moraes, o processo precisa ser recolocado na pauta pelo presidente da Corte, Luiz Fux. O regimento interno do STF estabelece um prazo de 30 dias para a devolução do processo sob vista, prorrogável por mais 30. A Corte, contudo, não prevê sanções em caso de descumprimento do prazo e é comum que ele seja estendido para além desse período.

Quando for reiniciado, o julgamento deve retornar com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros e ministras, do mais novo na Corte ao decano, Gilmar Mendes. O último a votar é o presidente do STF, Luiz Fux.

LEIA A CARTA COMPLETA: 

Ao Excelentíssimo Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes

 Assunto: RE 1017365

Pedido de vista

 Senhor Ministro, nós dos Povo Xokleng, Kaingang, Guarani, Tuxá, Xavante, Xucurú, Tupi Guarani, Pataxó, Guajajara, Terena, Krikati estamos em Brasília desde o dia 20 de agosto para acompanhar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1017365, que conta com repercussão geral nesta Suprema Corte. Hoje somos cerca de 150 lideranças ainda em Brasília, mas nestes dias mais de 10 mil representantes de  outros 170 povos, aproximadamente, também estiveram em Brasília pelo mesmo motivo.  Também estivemos acampados entre os dias 08 a 30 de junho aqui em Brasília em função desse fundamental julgamento, bem como para pedir que o PL 490/2007 não fosse aprovado na Câmara do Deputados.

O PL 490/2007 tem como objeto a institucionalização da tese do marco temporal e a reforma do Decreto 1775/1996, profundamente debatido e aprovado no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Pedimos aos parlamentares que esse projeto não seja aprovado, dado que, ao nosso ver, é inconstitucional e afronta o direito de demarcação de nossas terras de ocupação tradicional.

Daí que o RE 1017365 (Tema 1031) teve o julgamento iniciado no dia 26 de agosto do corrente ano, com ampla participação da sociedade. O Ministro Relator, Edson Fachin, apresentou voto no sentido de que a Constituição não limitou no tempo o direito territorial indígena, nem que se poderia onerar os povos indígenas a comprovarem disputa pela posse na data de 05 de outubro de 1988, garantindo que o esbulho é inadmissível e que os crimes cometidos para nos expulsar das nossas terras não podem ser anistiados, legalizados pela tese do marco temporal, além de garantir a obrigação da União em demarcar e fazer proteger.

O segundo voto foi apresentado, quando Sua Excelência pediu vistas. Contudo, o Ministro Nunes Marques trouxe um voto divergente, no qual confere ao texto da Constituição o marco temporal, associado ao renitente esbulho, onerando os grupos étnicos a comprovarem a posse ou disputa pela posse da terra em 05 de outubro de 1988, além de impedir reestudo para redefinição de terras indígenas já demarcadas.

Além de todo o voto trazer, ao nosso ver, uma intepretação conflitante com o art. 231 da Carta de 1988, impedindo a demarcação de terras ainda não regularizadas, determina que decaiu o direito da União em demarcar as terras indígenas, já que tinha o prazo de 05 anos a partir da promulgação da Constituição para fazê-lo, desconsiderando o caráter imprescritível do nosso direito territorial.

Por fim, o Ministro Nunes Marques entende que é necessário “anistiar oficialmente esbulhos ancestrais”. Ou seja, toda violência ocorrida até 1988, período recente da nossa história, estaria de ora em diante legalizada. E veja que as violências são de castigo físico e psicológico, assassinatos, prisões sem motivação, trabalho escravo, crimes de genocídio, dinamite e estricnina jogadas de avião nas comunidades indígenas, tudo isso sob o jugo do regime tutelar e de exceção, como se constara do Relatório Figueiredo e o Relatório da Comissão Nacional da Verdade – CNV, e até casos de crucificação de indígenas. Ao fazer isso, na prática o voto do Eminente Ministro Numes Marques premia o amplo espectro de crimes praticados contra os povos para esbulhar nossas terras e, assim, incentiva que os mesmos crimes sejam repetidos contra nós e nossas terras.  

Nesse sentido, vimos com muito respeito até Sua Excelência pedir encarecidamente que possa fazer valer a vontade do constituinte de 1988, que era justamente o de reparar os crimes até aquela data cometidos e garantir o futuro das demarcações de terras indígenas, impedindo a dispersão dos povos e a perda de muitas culturas, de línguas, crenças e tradições dos povos originários, para impedir um prejuízo irreparável.

Pedimos, que afaste a tese do marco temporal e do renitente esbulho e não permita a legalização de toda sorte de crimes cometidos até 1988 com o objeto de esbulhar nossas ricas terras de ocupação tradicional e determine que a União, por estar em mora, se obrigue a cumprir o acordo feito em 1988, no qual os povos indígenas foram contemplados com o direito à demarcação de suas terras, como meio de reparação e de justiça.

Pedimos, por fim que possa devolver com brevidade o voto vista para a continuidade e finalização deste julgamento. Mantemos plena confiança e apoio ao STF neste contexto de grandes ataques que tem sido desferidos contra a mais alta corte de nosso país. Ao mesmo tempo, a postergação para a finalização deste emblemático julgamento faz aumentar sobremaneira a expectativa nossa e de todos os povos indígenas do Brasil quanto a uma decisão favorável do Supremo aos nossos direitos constitucionais e fundamentais.

 Com o devido respeito de sempre.

 Brasília-DF, 16 de setembro de 2021.