No Dia Internacional dos Direitos Humanos, Sônia Guajajara,  Coordenadora Executiva da Apib, denuncia violações aos direitos dos Povos Indígenas 

Brasília, 10 de dezembro de 2021. No Dia Internacional dos Direitos Humanos, o Senado Federal recebeu denúncias do “quadro calamitoso” que vivem os Povos Indígenas do Brasil, representados pela Coordenadora Executiva da Apib, Sônia Guajajara, em audiência pública em celebração à data. 

O dia Internacional dos Direitos Humanos é comemorado desde o ano de 1950, para celebrar a oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos pelas Nações Unidas. Em 1948, quando terminaram de escrever essa Declaração, desejavam ter escrito uma norma que garantisse que todos os seres humanos do planeta teriam direitos iguais.

Em destaque, Sônia fala da importância da presença de indígenas na celebração no Senado Federal: “Marcar a presença indígena aqui hoje, na celebração de um dia tão simbólico, é muito importante, afinal, até um passado recente da história da humanidade, os indígenas não eram nem considerados humanos. Fomos escravizados, nossas mulheres estupradas, nossas crianças degoladas”. 

Mas será que isso terminou?

As leis atuais já nos incluem nessa “humanidade” da qual falam os direitos humanos. Porém, todos os anos indígenas são encontrados sendo escravizados, especialmente no Mato Grosso do Sul; diariamente mulheres indígenas são estupradas no país inteiro; crianças indígenas seguem sofrendo com desnutrição, sugadas por dragas de garimpo, degoladas em rodoviárias no colo de suas mães.

Os direitos humanos dos povos indígenas existem, mas muitas pessoas ainda negam nossa humanidade, inclusive pessoas que governam, que julgam e que legislam.  Os discursos racistas e preconceituosos que ouvimos cada vez mais desde que Bolsonaro abriu a porteira do desrespeito, se baseiam nessa ideia de que existe só um modo de vida, só um tipo de espiritualidade, só um tipo de humano. Quem não se enquadra nisso é considerado errado.

O Congresso Nacional, por exemplo, ataca nossos corpos, nossos direitos e nossos territórios. Os Projetos de Lei que tramitam no parlamento brasileiro contra as garantias de nossos territórios deveriam envergonhar os deputados que os propõem, pois envergonham o Brasil inteiro. Somos vergonha mundial, inclusive com um presidente denunciado no Tribunal Penal Internacional.

O PL 490 é uma tentativa gravíssima de anular nossos direitos, inclusive porque quer transformar em lei a tese que marco temporal, que nem no Judiciário é pacífica, pois é obviamente inconstitucional.

Já o PL 3.729/2004 é um verdadeiro absurdo, pois praticamente acaba com o licenciamento ambiental, que, desde os anos 80, é um dos pilares da Política Nacional do Meio Ambiente.

Outro PL, o 2.633/2020, enfraquece os controles sobre a ocupação de terras públicas, abrindo caminho para anistiar grileiros e criminosos ambientais associados, em especial na Amazônia.

Se procurarmos em outros poderes da República também não encontraremos respeito aos direitos indígenas. Pelo contrário! O que encontramos são mais permissões para que o rolo compressor da intolerância avance sobre nossos territórios e nossos direitos, além de mais discurso de ódio incitando fanáticos contra nossas populações.

No dia 06 de dezembro, o general Augusto Heleno expediu autorizações no âmbito do Conselho de Defesa Nacional autorizando o garimpo em áreas de preservação da Amazônia. O ato dele, além de ignorar garantias constitucionais, estimula o avanço de garimpo em áreas preservadas na Amazônia, colocando em risco territórios indígenas.

Outra situação gravíssima: no último dia vimos o resultado de uma interpretação cínica e oportunista do direito à autodeterminação fazer com que lideranças indígenas da Terra Indígena Apyterewa cedessem à invasão e aceitassem abrir mão de 392 mil hectares de uma terra indígena já demarcada e homologada. O ministro Gilmar Mendes determinou o envio do processo para um “núcleo de conciliação” da Advocacia Geral da União, órgão vinculado à Presidência da República para dialogar com os indígenas. Esse acordo deve ser considerado inválido, pois compromete os direitos das futuras gerações e, ainda, ignora que as terras indígenas são indisponíveis por determinação constitucional!

Quantos indígenas existem nos órgãos representativos, judiciais e parlamentares? Quantos indígenas representavam na AGU nessa comitiva que foi à Apyterewa? Quantos indígenas existem no Congresso? Só uma! Quantos existem no STF? Quantos indígenas estavam lá, em 1948, participando, com voz e voto, da escrita da Declaração de Direitos Humanos que estamos comemorando hoje?

Será que nossa humanidade só é reconhecida para recebermos proteção contra violações de direitos básicos e não para ocuparmos espaços de poder? Pior que isso, por que será que a destruição e extermínio de nosso povo não merece ser chamada de genocídio?

O tema da comemoração do Dia dos Direitos Humanos deste ano está relacionado à ‘Igualdade’ e ao Artigo 1 da declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

Queremos igualdade e respeito aos nossos modos próprios de vida e queremos igualdade de representação. Esse país nunca será completo sem nós, não adianta nos “integrarem”, pois nossa ancestralidade gritará mais alto. Não adianta nos chamarem de aculturados, pois nossa cultura já nos deu a base para tudo o que precisamos.

Igualdade, no governo Bolsonaro, é igualdade para a exploração da mãe Terra. Igualdade para a destruição. Essa é a igualdade que Bolsonaro oferece.

Nossa humanidade, ao contrário do que muitos pensam, não é apenas igual a de todos os seres humanos. Enquanto uns estão lutando pela igualdade de seres humanos, nós estamos falando em igualdade entre humanos e não humanos, em respeito à mãe terra. Enganam-se os que acham que somos seres superiores com direito a dominar os demais. Nós apenas co-habitamos esse planeta.

Assim como esse país nunca mais existirá sem os povos indígenas, o Planeta não seguirá existindo sem a consciência de que não temos o direito de dominá-lo.

Seguiremos fortes, resistindo e lutando pela nossa sobrevivência e pela de vocês. Hoje, por mais que nossos direitos humanos sigam sendo violados, celebramos nossas lutas e a solidariedade entre os povos indígenas. Celebramos nossa força para lutar contra a criminalização e celebramos as vitórias que alcançamos e seguiremos alcançando incansavelmente.