Em ofício enviado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República na última sexta-feira (11), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) solicitou medidas urgentes para garantir a proteção de indígenas isolados do Rio Mamoriá, denominados como “isolados do Mamoriá Grande”, que habitam o interior da Reserva Extrativista do Médio Purus, município de Lábrea, no sul do Amazonas.

A Apib apresentou a situação de vulnerabilidade imposta aos indígenas isolados pela ausência e lentidão do Estado brasileiro, especialmente do órgão indigenista oficial, a Fundação Nacional do Índio (Funai), além de exigir medidas imediatas para garantir a proteção desse grupo que está em risco de desaparecimento. 

Com existência até então desconhecida, o grupo de indígenas isolados foi identificado por uma expedição da equipe descentralizada da Funai, responsável pelos trabalhos com indígenas isolados e de recente contato. Foram encontrados vestígios materiais que o grupo deixou à mostra e que comprovam a ocupação do território nos últimos anos. 

Essa informação foi transmitida em setembro de 2021 para a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (GIIRC), vinculada à sede da Funai em Brasília, porém, até hoje, cinco meses depois, a entidade não tomou as medidas necessárias à proteção do grupo. Essa omissão se mantém mesmo diante do envio de três documentos à sede da Fundação em Brasília pela Frente de Proteção Etnoambiental, de setembro a dezembro do ano passado, requerendo a instalação de bases de proteção aos isolados recém-confirmados e a restrição de uso do território.

Outra situação reforçada pela Apib é que a cobertura vacinal contra a covid-19 está abaixo de 30% e há incidência de malária, o que já deveria ser suficiente para que atitudes mais enérgicas tivessem sido tomadas. Além disso, a preocupação aumenta devido à proximidade dos isolados, os quais possuem um sistema imunológico vulnerável, com ribeirinhos da Reserva Extrativista Médio Purus, o que exacerba o risco de contágio. 

Conforme o indigenista e ex-presidente da Funai, entre 1991 e 1993, Sydney Possuelo, responsável pela criação do Departamento de Índios Isolados, em 1987, “receber uma informação como essa e a Funai não fazer nada é quase um genocídio. É virar as costas a uma situação que se sabe que vai ser terrível se não fizer nada”.

Organizações indígenas e entidades indigenistas, como a Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (FOCIMP), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Isolados e de Recente Contato (OPI) se manifestaram repudiando a inação do órgão indigenista oficial.

Até agora, segundo a FOCIMP, o movimento indígena não teve acesso a qualquer documentação referente ao possível registro, em ata da Sala de Situação Local em Lábrea, sobre a confirmação oficial da presença de povos indígenas isolados na região do rio Mamoriá. No entanto, sabe-se que houve medidas de mobilização, acionamento às equipes de saúde, secretarias municipais de saúde de Lábrea e setores de Vigilância Sanitária, mas não houve nenhuma movimentação da FUNAI de Brasília para adotar medidas protetivas in loco, em tempo de evitar o risco de contaminação. A organização ainda alega ter conhecimento de que há uma crise sanitária nas comunidades da região onde foram localizados os indígenas isolados. Tanto nas comunidades extrativistas quanto nas comunidades indígenas, os níveis de contaminação estão subindo e colocando em elevadíssimo risco os isolados.

Diante disso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reitera as recomendações feitas pelas organizações indígenas de base e entidades indigenistas, exigindo imediata proteção do grupo isolado por meio da implantação de bases de proteção da Funai na região; a criação de um cordão sanitário no entorno do grupo isolado; a elaboração urgente pela Funai, Sesai e representantes indígenas e de suas organizações de um plano de contingência para situações de possível contato e para conter a contaminação do grupo isolado pela Covid-19 e outras enfermidades; a imediata emissão de portaria de Restrição de Uso pelo presidente da Funai para que os técnicos do órgão possam dar continuidade aos estudos para a demarcação da área indígena; a investigação dos atos de prevaricação cometidos pelos servidores públicos da Funai em Brasília-DF que, ao saberem da existência dos índios isolados, não atuaram urgentemente dentro de suas responsabilidades; e, finalmente, a continuidade e ampliação dos estudos técnicos da Funai que visem à demarcação da área, delimitando o território ancestral desse grupo e assegurando o direito originário à terra, conforme prevê a Constituição Federal.