Brasília, 22 de fevereiro de 2022 – Apesar dos anúncios recentes de grandes mineradoras de que abandonariam seus interesses em territórios indígenas, milhares de requerimentos minerários com interferências nessas áreas seguem ativos na base de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM). A abertura de terras indígenas para a mineração e o garimpo está no centro da agenda do governo Bolsonaro.
Com o avanço no Congresso dos projetos de lei como o PL 191/2020 e o PL 490/2007, esses requerimentos podem garantir às mineradoras prioridade na exploração desses territórios. É o que revela o novo relatório Cumplicidade na Destruição IV – Como mineradoras e investidores internacionais contribuem para a violação dos direitos indígenas e ameaçam o futuro da Amazônia, lançado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a organização Amazon Watch.
As duas organizações mapeiam os interesses das grandes mineradoras em terras indígenas desde 2020 e garantem que, mesmo após os declarações públicas de gigantes como a Vale e a Anglo American de que abriram mão dos seus pedidos para pesquisa e exploração mineral nesses territórios, muitos dos seus requerimentos seguem ativos no sistema da ANM – em alguns casos, até aumentaram. Além disso, alguns requerimentos foram redesenhados para que as áreas de exploração fiquem contíguas às terras indígenas, ainda causando enormes impactos. Enquanto isso, as principais instituições financeiras globais estão capacitando o destrutivo setor de mineração da Amazônia com bilhões de dólares em investimentos, empréstimos e subscrição.
O documento foca nos interesses minerários em terras indígenas de nove mineradoras: Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil, Mineração Taboca e Mamoré Mineração e Metalurgia (ambas do Grupo Minsur), Glencore, AngloGold Ashanti e Rio Tinto. Juntas, elas possuíam em novembro de 2021 um total 225 requerimentos minerários ativos com sobreposição em 34 Terras Indígenas – uma área que corresponde a 5,7 mil quilômetros quadrados – ou mais de três vezes a cidade de Brasília ou de Londres.
“Enquanto os Povos Indígenas lutam para garantir o direito à vida, tanto em nossos territórios quanto em todo o planeta, o governo brasileiro e as empresas da mineração tentam avançar um projeto de morte. Não é possível seguirmos convivendo com atividades que obrigam os povos indígenas a chorar o assassinato cotidiano de seus parentes, ou a testemunhar a destruição de biomas dos quais são os guardiões para avançar um projeto que não gera desenvolvimento real, e sim destruição e lucros nas mãos de poucos”, afirma Sonia Guajajara, da coordenação executiva da Apib.
As terras indígenas mais afetadas por esses pedidos são a TI Xikrin do Cateté (PA) e a TI Waimiri Atroari (AM), ambas com 34 requerimentos cada, seguidas pela TI Sawré Muybu (PA), com 21. A etnia mais impactada por estes pedidos de mineração é a Kayapó (PA), com 73 requerimentos. O Pará é o estado com a maior concentração de pedidos, que duplicaram entre julho e novembro de 2021. Os dados foram obtidos a partir de uma parceria com o projeto Amazônia Minada, do portal InfoAmazonia, que resultou em um painel interativo – lançado junto com o relatório – que permite pesquisa em tempo real na base de dados da ANM.
“É preciso um entendimento geral de que essas áreas não estão disponíveis para exploração mineral, e nem devem estar, tanto pelo respeito ao direito constitucional de autodeterminação dos povos indígenas sobre os seus territórios quanto pela sua importância para combater as mudanças climáticas e garantir a vida no planeta. O mesmo vale para territórios tradicionais e outras áreas de preservação. Esse entendimento deve vir do Estado, mas também das empresas (que têm totais condições de saber quais áreas estão pleiteando para sequer protocolar esses requerimentos), e das corporações financeiras que as financiam”, complementa Dinaman Tuxá, da coordenação executiva da Apib.
Cumplicidade na Destruição IV detalha ainda, em estudos de caso, os impactos e as violações de direitos protagonizados por cinco dessas mineradoras – Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil e Mineração Taboca. Com apoio do Observatório da Mineração, foram resgatadas as trajetórias desses conflitos e seus desdobramentos atuais, que vão desde a invasão de territórios tradicionais à contaminação por metais pesados e o desrespeito ao direito de consulta e consentimento livres, prévios e informados. O relatório mostra, com testemunhos das comunidades afetadas que desafiam as declarações oficiais das empresas sobre sua atuação, como a presença e a atuação dessas corporações desfigura para sempre a vida desses povos e comunidades e podem contribuir efetivamente para a destruição dos ecossistemas e para o aprofundamento das mudanças climáticas.
“Os danos da mineração ao meio ambiente e à vida dos povos da floresta são brutais e pioraram muito no governo Bolsonaro. No ano passado, o desmatamento ligado à mineração na Amazônia aumentou 62% em relação a 2018, ano em que ele foi eleito. A aprovação do Projeto de Lei 191/2020 pode causar a perda de 16 milhões de hectares de floresta amazônica, além de colocar em risco a vida de milhares de povos indígenas e tradicionais. Mais do que nunca, precisamos comprometer além do governo brasileiro, as empresas do setor, seus investidores e a comunidade internacional para impedir o aprofundamento da destruição da Amazônia e dos ataques aos direitos dos povos indígenas”, afirma Ana Paula Vargas, diretora de Programas para o Brasil da Amazon Watch.
INSTITUIÇÕES NORTE-AMERICANAS E BRASILEIRAS LIDERAM O FINANCIAMENTO DAS MINERADORAS
Por trás dessas empresas e projetos que colaboram para a destruição da Amazônia e violação de direitos indígenas, há o financiamento de dezenas de instituições financeiras. Nesta edição do Cumplicidade na Destruição, elas identificaram que, nos últimos cinco anos, as empresas destacadas no relatório receberam um total de USD 54,1 bilhões em financiamento do Brasil e do exterior.
Corporações sediadas nos Estados Unidos continuam entre as principais financiadoras cúmplices na destruição, como mostrado nos relatórios anteriores da série. Juntas, as gestoras Capital Group, a BlackRock e a Vanguard investiram USD 14,8 bilhões nas mineradoras com interesses em terras indígenas e histórico de violações de direitos. Destaca-se também a participação de instituições brasileiras no financiamento da grande mineração: o fundo de pensão brasileiro Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) é o responsável pelos mais altos investimentos nestas mineradoras, com mais de USD 7,4 bilhões, seguido pelo banco Bradesco, com quase USD 4,4 bilhões e a Caixa Econômica Federal, com USD 786 milhões.
A empresa que mais recebeu investimentos e empréstimos nesse período foi a Vale, com USD 35,8 bilhões, mostrando que nem mesmo os sucessivos desastres em Mariana e Brumadinho diminuíram o apetite dos investidores com relação à mineradora. Os dados, obtidos com com apoio da instituição holandesa Profundo Research and Advice, mostram também o grande interesse do Canadá em financiar a mineração no Brasil. O Royal Bank of Canada, maior banco privado do país, injetou USD 512 milhões nas mineradoras, e é o principal investidor institucional do Projeto Volta Grande, de mineração de ouro, da empresa Belo Sun, considerado socialmente e ecologicamente inviável.
“A pandemia de Covid-19, ao invés de frear o ímpeto extrativista, impulsionou o setor mineral a bater recordes de lucros nos últimos dois anos. Esses bancos e fundos de investimentos ainda consideram que investir em mineração é um bom negócio, ignorando o extenso histórico de violações e impactos provocados por esse setor. Embora muitos desses atores já tenham sido listados em edições anteriores desta série, este novo relatório demonstra a urgência com que eles precisam se comprometer com mudanças reais a fim de deter o rastro de destruição da mineração”, afirma Rosana Miranda, assessora de campanhas da Amazon Watch.
Para acessar ao relatório na íntegra, aos vídeos e ao painel do Amazônia Minada, acesse: www.cumplicidadedestruicao.org