Foto: André Guajajara 

Brasília, 12 de abril de 2022.

Estimado Presidente Lula,

Nós, da   Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em conjunto com suas organizações regionais de base, estamos em Brasília, de 4 a 14 de abril de 2022,  realizando a 18° edição do Acampamento Terra Livre (ATL).  Esta é a maior mobilização nacional indígena da história do país. Mais de 8 mil indígenas de 200 povos passaram por estes gramados.

Estamos aqui, pois entendemos as urgências que o Brasil e nossos povos vivem nos tempos de hoje. Nossas aldeias são constantemente invadidas, nossas Terras – as porções mais preservadas de todo o Brasil -, são destruídas pelo avanço ilegal da mineração, do garimpo, da grilagem, da indústria madeireira, do agronegócio, e outros empreendimentos como hidrelétricas, portos, estradas, linhas de transmissão, e até pelo tráfico de drogas. E este processo resulta invariavelmente em morte e violência contra nós, indígenas, de todas as regiões do Brasil. Nossas casas de reza são queimadas, nossas crianças e mulheres violentadas, nossos jovens e defensores são perseguidos e assassinados.

Precisamos interromper esses processos de destruição. Nossa luta é por nossos Povos, sim, mas também pelo futuro de todos e todas as brasileiras e pela humanidade inteira! É hora de construirmos um projeto civilizatório de país e de mundo. Nosso projeto é baseado nos princípios do respeito à democracia, aos direitos humanos, a justiça, ao cuidado com o meio ambiente, defendemos a pluralidade, sem racismo e discriminações de nenhum tipo. 

Temos plena dimensão do esforço coletivo necessário para defender a democracia. Também nas instâncias institucionais, temos ocupado todos os espaços possíveis para garantir que nossas reivindicações sejam atendidas. E essa chave de compreensão, de que não é possível que não estejamos nos espaços de tomada de decisão e de execução de políticas públicas, é que nos leva, hoje, a nos posicionar durante o processo de eleições gerais brasileiras. 

Lançamos a iniciativa “Campanha Indígena”, com a intenção de incentivar e apoiar candidaturas indígenas às Assembleias Legislativas e ao Congresso Nacional. Entendemos que é fundamental aumentarmos a representatividade indígena nas Casas Legislativas, não só porque é nelas que correm as principais ameaças aos nossos direitos fundamentais, assegurados pela Constituição Federal de 1988, mas também porque queremos estabelecer um nível de diálogo institucional com todas as esferas de governo.

Movidos por esta iniciativa, acreditamos que não há espaço para nenhum tipo de neutralidade quando o assunto é a eleição presidencial. O embate que você enfrentará este ano, como representante de uma parcela da sociedade que não se cala diante das desigualdades, é contra a barbárie do capital,  o ódio fascista e o racismo estrutural deste sistema. Bolsonaro representa o que há de mais repugnante na política brasileira. Sua permanência no governo é intolerável. O Brasil não pode titubear: é fundamental derrotar Bolsonaro e sua agenda de morte e destruição.

É por isso que, reunidos no Acampamento Terra Livre 2022, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e suas organizações regionais: a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinm); o Conselho do Povo Terena; a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste); a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul); a Grande Assembleia dos Povos Guarani Kaiowá (Aty Guasu); a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); a Comissão Guarani Yvyrupa; a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, e tantas outras organizações indígenas aqui presentes, ANUNCIAM o apoio à sua pré-candidatura como Presidente da República.

Leais à nossa missão de defender os Povos Indígenas, nossas vidas, nossos territórios, nossos direitos, e conscientes do papel fundamental que cumprimos na preservação do meio ambiente, o que beneficia todas as pessoas — indígenas e não-indígenas , entendemos que o apoio à sua pré-candidatura deve vir acompanhado de um processo intenso de diálogo, elaboração de propostas e de compromissos políticos que resultem em um Programa de Governo coletivo e atento às questões urgentes que enfrentamos atualmente.

Este processo se inicia hoje, com esta Carta-Compromisso, e seguirá pelos próximos meses, e durante o seu mandato, até que em coletivo retomemos e reconstruamos o Brasil. Finalizamos esta declaração enunciando alguns compromissos que entendemos centrais para este diálogo, em defesa dos direitos fundamentais dos nossos povos que vêm sendo sistematicamente violados.

EIXO 1 – DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS – DEMARCAÇÃO E PROTEÇÃO AOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS JÁ!

  • Comprometimento político e garantia de recursos suficientes para a identificação, delimitação, declaração, demarcação  e homologação imediata de todas as Terras Indígenas, até o final de 2026;
  • Elaboração de Plano factível para imediata desintrusão de todas as terras indígenas, invadidas por fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros e outros invasores;
  • Constituição de uma Força Tarefa Interministerial para criar Planos Permanentes de Proteção das Terras Indígenas bem como assegurar recursos e condições necessários para a sua manutenção e a participação direta das comunidades indígenas.
  • Fortalecimento da política especial de proteção e de não contato  aos povos indígenas isolados e de recente contato, com respeito à política do não contato e estabelecimento de portarias de Restrição de uso para suas terras de no mínimo 1 ano, com avaliação de renovação antes de seu vencimento. 

EIXO 2 – RETOMADA DOS ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL INDÍGENAS

  • Dar cumprimento a obrigação de consultar os povos indígenas quando medidas administrativas e legislativas impactem seus territórios e direitos, respeitando seus protocolos autônomos de consulta e consentimento, em conformidade com a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
  • Reativar todos os dispositivos de participação social, extintos ou reduzidos pelo Governo Bolsonaro, tais como: Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI);  Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA); Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) assegurando ampla participação da sociedade civil; e ainda propomos o fortalecimento do Sistema Único de Saúde  (SUS) e o Subsistema de Saúde Indígena (SESAI/SUS), bem como implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGTI).

EIXO 3 – RECONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS E INSTITUIÇÕES INDÍGENAS

  • Reestruturar as instituições responsáveis pela implementação das políticas públicas voltadas aos nossos povos, em especial, a FUNAI e a SESAI, garantindo autonomia, rigor técnico, servidores públicos e dotação orçamentária condizente com as necessidades das ações necessárias à promoção dos direitos indígenas, com respeito à diversidade de povos, gêneros, e gerações;
  • Criar mecanismos específicos de proteção a indígenas defensores de direitos humanos, com recursos financeiros e estrutura administrativa condizente
  • Promover a assistência integral à saúde indígena e à educação bilíngue respeitando as especificidades culturais e sociais dos povos indígenas.

EIXO 4 – INTERRUPÇÃO DA AGENDA ANTI-INDÍGENA NO CONGRESSO FEDERAL

Impedir o avanço de medidas legislativas que atentam contra os direitos territoriais indígenas como:

– PL 490/2007 – Marco Temporal 

– PL 191/2020 – Mineração em Terras Indígenas 

–  PL 6299/2002 –  PL do Veneno 

– PL 2633/2020 e PL 510/2021 (Grilagem de Terras)

– PL 3729/2004 (Agora no senado como PL nº 2159/2021) | Licenciamento ambiental

  • – PDL 177/2021 (Denúncia da convenção 169 da OIT) 

EIXO 5 – AGENDA AMBIENTAL

  • Propor medidas legislativas e administrativas que estabeleçam mecanismos de rastreabilidade de produtos, em respeito à devida diligência, para garantir que não sejam resultantes de conflitos territoriais, explorações ilegais de Tis, e áreas ilegalmente degradadas;
  • Retomar os compromissos e ambições ambientais assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e em outros acordos internacionais do clima e meio ambiente;
  • Reestruturar o ICMBio e o IBAMA, garantindo autonomia funcional, rigor técnico, servidores públicos e orçamento adequado para que cumpram suas missões institucionais de defesa dos biomas brasileiros;
  • Reconhecer a contribuição dos Povos Indígena, Quilombolas e Comunidades Tradicionais na preservação da biodiversidade brasileira, criando mecanismos de reconhecimento pelo serviço ambiental prestado e incentivando iniciativas indígenas, como as brigadas indígenas anti-incêndio.

Certos de seu compromisso com o Brasil; certos de sua ética e caráter forjados na esteira da linha de produção metalúrgica; certos da sua capacidade de governar este país para todos os povos que o ergueram sobre o derramamento de sangue e suor, firmamos aqui este compromisso mútuo de retomar a direção da nossa democracia e demarcar a trilha que nos levará à pátria dos trabalhadores e trabalhadoras, à nação pluriétnica do BEM VIVER.