A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) repudiam a postura racista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que emitiu uma nota condenando a luta do povo Pataxó no Território Indígena de Barra Velha, no extremo sul da Bahia, município de Porto Seguro. A nota imputa aos indígenas condutas que inferem no descumprimento da legislação, praticando “ilicitudes” e “esbulho ou turbação de propriedades” Trata-se de uma postura absurda da instituição diante da realidade dos ataques de milícias sobre o território e o cerco armado às aldeias Cassiana e Boca da Mata. 

Criada com o objetivo de proteger os povos originários do país e com intuito de assegurar direitos resguardados na Constituição Federal, a Fundação, sob o governo fascista de Jair de Bolsonaro, sofreu uma ruptura em seus ideais embasadores e ao mesmo tempo em que seus recursos financeiros foram sucateados, ela foi militarizada, passando a adotar posturas anti-indígenas. A Funai está deliberadamente ignorando as denúncias de invasões dos territórios por criminosos que, além de coagir as pessoas, ameaçam lideranças e tentam se apropriar das terras. 

Desde a retomada feita pelos Pataxós no dia 25 de junho, na Fazenda Brasília, também localizada no interior do Território Indígena Barra Velha, a milícia bolsonarista, fortemente armada com pistolas e fuzis, circula pelos acessos às aldeias, dispara tiros contra os moradores locais e espalha falsas informações com intuito de difamar os indígenas, o que deve ser refutado e de maneira nenhuma pode ser considerado “livre expressão de ideias”. 

No dia 26 de junho, a Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT) denunciou o ataque a 60 indígenas, entre crianças, mulheres e jovens, “os indígenas foram atacados em uma área de ocupação territorial, denominada de fazenda Brasília, por uma quadrilha e organização criminosa, formada por cerca de 200 fazendeiros, pistoleiros, milicianos e supostos policiais militares que adentraram a área ocupada com aproximadamente 50 caminhonetes e outros veículos, portando arma de fogo de grosso calibre (pistolas 0.40, fuzis e escopetas 12), armamento de uso restrito das forças armadas, com dezenas de armas em punho apontadas em direção aos indígenas. Os indivíduos, em sua maioria, estavam encapuzados com touca ninja, um deles se identificou como proprietário da Fazenda Brasília e outro como Policial da CAEMA/BA”.

Ressaltamos que a área em questão está identificada e delimitada como Território Indígena, com RCID aprovado pelo Governo Federal (Funai), de acordo com publicação do Diário Oficial do Estado e União em 2009. Sabemos que a representação local da Funai sustenta uma postura deliberadamente bolsonarista, a qual atenta com a finalidade da instituição estabelecida por seu Estatuto, em seu art. 2º, I, qual seja, “proteger e promover os direitos dos povos indígenas, em nome da União”. Tal postura caracteriza, portanto, um desvio demasiado de sua função pública. 

Diante disso, manifestamos nossa indignação ante “omissões e negligências” da própria Funai, que se recusa a atender aos pedidos de socorro dos Pataxó diante da escalada de violência local. A Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT) enviou, no dia 20 de julho, um ofício às autoridades solicitando providências para a segurança dos indígenas, destacando que fragmentos importantes de Mata Atlântica têm desaparecido diariamente na região. Inúmeras denúncias foram feitas judicialmente, na imprensa, nas redes sociais e nos órgãos responsáveis e nada foi feito até o momento.

Ao contrário, a polícia negligenciou os ataques e passou a abordar os indígenas dentro do território, a qualquer hora do dia e da madrugada, para buscar armas, acusando-os de porte. Uma das lideranças, que não identificamos por questões de segurança, afirmou que  “não temos nem conhecimento de lutar com arma de branco, nem dinheiro para comprar munição e armas, nossas armas são nossas bordunas, tacapes, maracás que sempre usamos”.

Por sua vez, na última quarta-feira, 17/08, a milícia de Bolsonaro e alguns policiais entraram em confronto atirando na direção das duas aldeias, que circundam a estrada de acesso mais rápido ao território, já fora das divisas da fazenda Brasília, onde houve a retomada. A situação, que se estende há mais de um mês, vinha se agravando desde a segunda-feira, dia 15/08, quando homens armados cercaram as aldeias de Boca da Mata e Cassiana. Já na quarta-feira, ao longo da tarde e da noite, as mesmas aldeias foram alvo de intensos disparos de arma de fogo por parte do grupo armado que invadiu e atacou as aldeias. 

Diversas famílias estão impedidas de transitar, sem possibilidade de comprar alimentos ou sair para trabalhar, e a violência aumenta a cada dia, havendo frequentes ataques e cerco de fazendeiros e pistoleiros, os quais fiscalizam as entradas e estradas das comunidades. De acordo com informações das lideranças e de moradores do distrito, os integrantes da milícia são policiais militares articulados com fazendeiros, mais uma expressão do agrobanditismo fomentado por este governo.

Em 2019, o ex-ministro bolsonarista do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi a Porto Seguro oficializar a “Pedra Fundamental da Privatização” do Parque Nacional do Pau-Brasil, entregando o patrimônio dos povos à iniciativa privada. Os indígenas da etnia Pataxó lutam pela demarcação desse território há décadas e nada foi feito pelo governo federal. Essa ação de privatização do Parque Nacional foi mais um ataque aos povos e suas lutas. Salles é o mesmo ministro que recomendou “aproveitar a pandemia para passar a boiada sobre as leis ambientais”, durante sua gestão. Após esse episódio, privatização e ataques armados começaram a ser constantes na região.

O povo Pataxó foi o primeiro a ter contato com os invasores brancos, há 522 anos, e, desde então, não há paz para os indígenas. Atualmente, tem resistido bravamente ao avanço da monocultura no entorno do seu território, sofrendo com a seca das nascentes e dos rios, com a cooptação por parte de fazendeiros e empresários do turismo que querem promover a venda de terrenos e a especulação imobiliária, e, agora, com o movimento de extrema direita que se propaga na região. Em Caraíva, por exemplo, a invasão do território indígena resultou na criação de um área periférica chamada Xandó, que já alcança extensão maior que o distrito turístico orginal, onde se propaga violência, tráfico de drogas e venda ilegal de terrenos.

Por todo o exposto, exigimos a imediata demarcação do território e a retomada de uma política que garanta o direito indígena originário. A Funai precisa ser desmilitarizada, retomando o papel de aplicar as políticas que garantem nossos direitos previstos na constituição. Nossa luta é pela vida!