O Parlamento Europeu votou ontem, 13 de setembro, a proposta de lei sobre importação de produtos com risco florestal (FERC – Forest and ecosystem-risk commodities). Entre os resultados do debate sobre o texto da regulação destaca-se a inclusão do respeito aos acordos e tratados internacionais sobre direitos dos Povos Indígenas, tal e como a APIB vinha defendendo desde o início da proposição de dita legislação. No entanto, outra das principais demandas da APIB que era a proteção de todos os biomas, independentemente da definição da cobertura florestal, não foi incluída. 

A lei FERC, também conhecida como lei anti-desmatamento, vai incluir medidas que obriguem às empresas produtoras de commodities a respeitar a legislação internacional sobre direitos humanos, o que inclui a garantia dos direitos dos Povos Indígenas. Os Membros do Parlamento Europeu (MEPs), reunidos ontem (13) em Estrasburgo, na França, votaram a proposta de texto de lei e revisaram as sugestões de modificação, algumas das quais foram incluídas no texto que resultou da plenária. Entre as propostas aceitas pelos MEPs destaca-se o pré-requisito de que os Povos Indígenas tenham acesso garantido à consulta livre, prévia e informada sobre a produção de commodities segundo defende a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nenhum produto poderá ser importado na União Europeia sem que a empresa responsável tenha o consentimento dos Povos Indígenas afetados para instalar uma atividade produtiva de commodities próxima às suas terras

Outra das propostas aceitas, foi a revisão da lei anualmente (a cada um ano), ao invés de a cada dois anos como estava previsto inicialmente. Os MEPs não cederam às pressões dos lobbies empresariais e o couro foi incluído no grupo de commodities reguladas pela lei anti-desmatamento. Isso implica uma grande vitória, pois o couro é um dos principais produtos potencialmente responsável pelo desmatamento importado pela União Europeia . Além da carne bovina, óleo de palma, soja, madeira, café e derivados (como chocolate e móveis), que a lei considerava na sua proposta inicial, também vai considerar a rastreabilidade de desmatamento nas cadeias de produção de carne suína, ovina, caprina, aves, milho, borracha e produtos derivados do papel.

Também foi reconhecido o importante papel que jogam os financiadores das cadeias de produção de commodities e a necessidade de regulação para que os bancos e investidores europeus não financiem desmatamento e violações dos direitos humanos

Consciente de que a criação de uma lei contra a importação de produtos com risco florestal nos países da União Europeia não vai acabar com o desmatamento para produção de commodities que podem ser vendidas em outros mercados além do Europeu, o Parlamento Europeu propõe um programa de cooperação entre países para aplicar medidas que zerem a destruição florestal. Os MEPs propuseram que a Comissão Europeia seja responsável pela elaboração de mapas que identifiquem os países com altos riscos de desmatamento, com o intuito de apoiar programas internacionais de cooperação. Da mesma forma, insistiram na necessidade de uma boa governabilidade, assim como na proteção dos direitos dos Povos Indígenas, populações tradicionais e outras pessoas que dependem da natureza dentro dos países atingidos.

O Parlamento solicitou uma assistência para que os pequenos produtores possam cumprir com as regras estabelecidas pela lei FERC, entre as que destacam por exemplo a necessidade de uma rastreabilidade de geolocalização dos produtos. É justo e necessário que se construam programas de parceria e cooperação para ajudar os pequenos produtores a fazer uma transição a uma produção agrícola e pecuária sustentável

Além disso, a legislação incluirá acesso a órgãos de justiça independentes e imparciais para fiscalizar os impactos de desmatamento provocados pela produção de commodities, mas só de forma administrativa. As empresas não poderão ser diretamente processadas por lei penal nem criminal a partir dos mecanismos da FERC. Os euro-parlamentares rejeitaram a solicitação de incluir na lei anti-desmatamento a necessidade de mecanismos de compensação para os Povos Indígenas afetados pelas cadeias de produção de commodities. 

“O que essa lei precisa é ser mais rígida na rastreabilidade desses produtos. Os povos indígenas não estão atrás de compensação, o que nós queremos, de fato, é que existam medidas para evitar os impactos e que as empresas que praticam esse tipo de ilicitude não sejam só penalizadas de forma administrativa, mas que sejam devidamente processadas e respondam criminalmente pelos atos praticados”, explica Dinamam Tuxá, coordenador da APIB. “

Outra das demandas mais importantes que ficou fora, foi a solicitação de que todos os biomas – independentemente da definição de florestas da FAO aplicada na lei FERC- sejam considerados na aplicação da legislação anti-desmatamento. “Para além do que essa lei reconheceu nós gostariamos que essa lei fosse muito mais ambiciosa principalmente reconhecendo e protegendo os outros biomas, para a garantia e proteção desses territórios que também estão sob a ameaça do avanço do agronegócio”, afirma Tuxá. E ele adiciona: “Entendemos que o não reconhecimento de outros biomas dentro dessa lei vai pressionar ainda mais o desmatamento fora da Amazônia. Isso nos traz preocupação porque são áreas produtivas que já estão em bastante conflito e que, em muitos lugares do Brasil, tem avançado drasticamente sobre os territórios indígenas”. A aplicação restritiva das áreas naturais protegidas abre uma brecha para que o desmatamento provocado por algumas cadeias de produção de commodities seja deslocado de umas regiões para outras sem resolver o problema. A APIB insiste na necessidade de revisão desse ponto nos próximos meses de debate antes da aprovação final do texto. 

O resultado da votação foi o último passo na elaboração do texto da lei sobre importação de produtos com risco florestal, que foi apresentada no Parlamento Europeu em novembro de 2021. No entanto, a legislação ainda pode passar por modificações, pois agora começam as negociações entre o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu e a Comissão Europeia. Esse processo, conhecido como “trilogs”, tem como objetivo concluir numa versão final da legislação até o final do ano de 2022, aproximadamente, que será finalmente aprovada por todos os estados membros do Parlamento Europeu. Só depois disso, a lei poderá entrar em vigor.