Mudança de paradigma na proposição de políticas públicas passa por aumento de representatividade nas casas legislativas

Historicamente, o movimento indígena sempre atuou pelo enfrentamento em defesa dos seus direitos e territórios. A garantia desses direitos na Constituição Federal não se trata de um benefício concedido, mas de uma conquista dos povos originários. No entanto, os retrocessos e supressão dessas conquistas por grupos de interesses econômicos representados no Congresso Nacional mostrou a necessidade de organização e mobilização político partidária por uma representatividade legítima e luta por sobrevivência. 

O número de práticas de violência contra os povos da floresta aumentou de 15 para 19 tipos, segundo o último relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), divulgado em agosto. O levantamento anual é realizado desde 1996.  

Em 2021 foram registrados 176 assassinatos de indígenas, apenas seis a menos que em 2020, o ano com o maior número de registros deste tipo de crime, quando a quantidade de mortes chegou a 183 mortos. Entre 2015 e 2019, a média era de 123 indígenas assassinados por ano. Em 2021 registrou-se também o maior número de suicídios indígenas dos últimos oito anos, com 148 ocorrências.

“O modelo dominante de representação política hoje tem o poder legislativo como ambiente da representação, de mediação entre representantes e representados, por meio do voto. É nesse âmbito que se desenha propostas de políticas públicas e implementação futura. É por isso que as eleições representam um movimento estratégico em busca da nossa sobrevivência”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). 

A partir de 2017, a organização passou a mobilizar chamados e lideranças em prol do apoio e voto a candidatos indígenas. Em 2018 a Apib convocou os parentes a se candidatarem nas eleições. Ao todo, 130 indígenas concorreram. 

Nas eleições municipais de 2020, um novo do movimento organizado contabilizou 237 vereadores e 10 prefeitos eleitos, incluindo 44 mulheres. Em 2022, o número de candidatos indígenas aumentou 116% em comparação com 2014, quando o Tribunal Superior Eleitoral passou a registrar dados como cor e raça, com 184 candidatos. 

Durante a pandemia, a APIB contabilizou mais de 43 mil indígenas contaminados pela Covid-19 e pelo menos 900 mortos por complicações da doença no ano de 2020. O plano de enfrentamento foi negligenciado pelo Governo Federal com a demora e falta de planejamento que precisou ser judicializado para ser implantado e, ainda assim, de forma incompleta. 

Para dar conta não apenas da resistência, mas estabelecer avanços e a retomada dos processos de demarcação territorial, organizações de base que compõem a Apib indicaram 30 candidatos indígenas com relação e militância dentro do movimento indígena para integrar a Bancada Indígena, com apoio de divulgação e suporte jurídico por meio da Campanha Indígena, que visa a formação e o preparo de lideranças para disputa política, além do período eleitoral. 

Conheça cinco motivos para votar em candidatos indígenas nas eleições de 2022:

 

  • Defesa da vida e do Meio Ambiente

Visto a partir da ótica exploratória predatória, nossos biomas vêm sendo legislados sob políticas públicas de extração predatória à revelia de estudos e consultas prévias aos povos afetados por elas. 

Não haverá floresta se os povos e comunidades da floresta não estiverem juntos, com o apoio da sociedade e dos poderes constituídos, por meio de políticas públicas efetivas por parte do estado brasileiro.

Para isso, é importante que os Povos Indígenas e as comunidades locais estejam devidamente inseridas em espaços de debate e instâncias decisórias de modo a incidir na definição de políticas nacionais e acordos internacionais.

Em todos os continentes, os povos originários lutam para proteger suas terras e garantir a todas as espécies o direito de viver. A defesa das últimas terras ancestrais é também o enfrentamento à crise climática. A luta dos povos indígenas é pela cura da Terra. 

O Brasil, originariamente Terra Indígena, hoje reserva apenas 13,8% do território nacional aos seus povos originários. E essa porção do território é a que se manteve mais preservada nos últimos 35 anos, representando menos de 1% do desmatamento no Brasil no período, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 20,6%, segundo dados do Mapbiomas. 

Eleger uma bancada que defende o Planeta é a chance de lutar efetivamente contra a Emergência Climática, por meio de uma estratégia de proteção e recuperação de ecossistemas e construição não apenas de um plano de contingência para a crise climática, mas também de um plano de futuro.

  • Representatividade

“Aldear a Política” foi o lema que marcou o Acampamento Terra Livre (ATL) deste ano. Trata-se do aumento da representação indígena no Parlamento e na transformação do Congresso Nacional, historicamente composto por homens brancos, ricos e ruralistas. 

De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, os indígenas representam 0,4% da população total brasileira, ou seja, 900 mil dos 209 milhões de brasileiros.

Nas eleições gerais de 2018, foram 133 candidaturas indígenas (0,46%), sendo 49 mulheres e 84 homens. Destes, apenas uma indígena foi eleita (0,06%), o que evidencia uma sub-representação indígena para os cargos do Congresso Nacional.  

Em 2022 é a primeira vez que o número de candidatas mulheres indígenas atinge o quórum mínimo de 30% nas eleições. 

O voto em candidatos indígenas representa maior pluralidade na construção das leis; uma representação política mais diversa permite enxergar e atender necessidades diversas, em especial de grupos minoritários que não têm voz nos espaços de poder.

  • Defesa da democracia e de toda a sociedade

O respeito às minorias e busca pela equidade, assim como o direito de voto e a ser votado são princípios democráticos previstos na Constituição Federal de 1988 e que contemplam os mesmo princípios das candidaturas representadas na Bancada Indígena. 

Não se trata de defender apenas os interesses dos povos originários, mas de fazer valer a Carta Magna a fim de evitar que todos percam direitos que são fundamentais para o desenvolvimento do país, uma vez que, as bancadas hoje representadas no Congresso, defendem os interesses de apenas de uma parte da população, com prejudiciais para o Meio Ambiente, que é um recurso de todos. 

A bancada indígena propõe uma visão mais ampla, com maior espaço para o diálogo e a transparência, principalmente no Poder Legislativo, onde  se produzem leis que incluem as que autorizam o destino do orçamento público. 

A proposta das candidaturas indígenas é de se alinhar com outros movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Confederação Nacional da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), entre outros, para criar uma bancada em defesa do ambiente e da terra para quem vive dela. “Hoje temos um retrato fiel do Brasil que não deu certo com o agronegócio e a mineração”, afirma Sônia Guajajara. “São 33 milhões de pessoas passando fome, além de destruição ambiental, contaminação por agrotóxicos e violência”.

  • Fortalecimento do poder popular 

As candidaturas indígenas representam uma estratégia de fortalecimento do poder popular, do poder de mobilização e organização coletiva para ocupar espaços de decisão que interferem diretamente na vida da maioria da população. 

As candidaturas indígenas não são simplesmente a busca pelo poder, mas a voz e a permanente pela vida e representam a inclusão dos povos e comunidades tradicionais na construção de políticas públicas. 

  • Derrubar a agenda anti-indigena e os projetos de morte

Atualmente, seis matérias principais tramitam no Congresso Nacional negociando os direitos dos povos indígenas por meio de ameaças e retrocessos tomados, anunciados ou indicados em Projetos de Lei tocados por bancadas parlamentares anti-indígenas, especialmente a ruralista. Tais projetos marcam de morte os povos originários por atingirem diversas áreas da vida destas populações como saúde e educação diferenciadas, alimentação e moradia, todos ligados ao direito e autonomia do território. São eles: 

  • PL 490/2007 (Marco Temporal): Tese que incorpora a necessidade de comprovação da ocupação do território no dia 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal,  como requisito taxativo para o reconhecimento e demarcação, ignorando mais de 500 anos de expulsão dos povos indígenas de seus territórios. 
  • PL 191/2020: Trata da regulamentação da mineração industrial e artesanal, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas Terras Indígenas, removendo o poder de veto dessas comunidades sobre as decisões que impactam suas terras. A exploração mineral no Brasil demonstra que não há qualquer benefício para os povos originários, alimentando apenas a exploração do território, a contaminação dos rios, a violência e as doenças contra os povos indígenas. 
  • PL 2633/2020 e 510/2021: Busca legitimar áreas de grilagem ampliando o tamanho de áreas passíveis de regularização, contemplando médios imóveis rurais na regularização fundiária, sem argumentação técnica.  Já o PL 510/2021, amplia o tamanho das áreas passíveis de regularização, contemplando grandes áreas (até 2.500 hectares), e altera, mais uma vez, a data limite para que invasões de terras públicas sejam legalizadas, passando o prazo de 2011 para 2014. A legislação atual já garante os direitos de agricultores familiares. 
  • PL 3729/2004 (21259/2021): Isenta 13 tipos de atividades impactantes do licenciamento e permite o “auto-licenciamento” para uma série de projetos. Se aprovado, poderá resultar na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho (MG), no total descontrole de todas as formas de poluição, com graves prejuízos à saúde e à qualidade de vida da sociedade.
  • PL 177/2021: Autoriza o presidente da República a denunciar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um dos principais instrumentos de luta de povos e comunidades tradicionais no mundo, colocando povos e comunidades tradicionais como entraves para o “crescimento do Brasil”.