CARTA POLÍTICA DA X ASSEMBLEIA DA ARTICULAÇÃO DOS POVOS E ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO NORDESTE MINAS GERAIS E ESPÍRITO SANTO – APOINME.

“Eles arrancaram nossas folhas, quebraram nossos galhos, derrubaram nossos troncos. Mas, esqueceram do fundamental: arrancar nossas raízes!”

 -Maninha Xukuru

A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME, organização indígena que representa os 10 (dez) estados da federação, pertencentes ao Nordeste brasileiro e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, vem através das lideranças indígenas dos povos Pataxó, Tuxá, Tupinambá, Tremembé, Tapeba, Pankararu, Tupinikim, Anacé, Mendonça Potiguara, Pankaru, Pitaguary, Jenipapo- Kanidé, Tabajara, Potiguara, Guegues, Tapuia Tarairiú, Katokim, Pankará, Xokó, Guarani, Truká, Wassu Cocal, Kapinawá, Xukuru- Kariri, Kariri, Tapuia Kariri, Kamakã Mongoio, Kaxixó, Xakriabá, Pataxó Hãhãhãe, Maxakali, Krenak e Xukuru, presentes na X Assembleia da APOINME, realizada entre os dias 29 de novembro a 01 de dezembro, na Aldeia Sede Pataxó, no município de Carmésia-MG, evento que marca os 30 anos de fundação desta Articulação, tornar pública a presente carta política.

Articulamos e organizamos a X Assembleia Geral durante meses, foram dias de discussões e preparos constantes, presencial e de maneira remota, para que esse momento fosse concretizado e que tivesse a participação das lideranças jovens, mulheres e dos nossos anciões, para além dos Coordenadores e Coordenaras Indígenas eleitos. Todavia, em virtude de uma nova onda da pandemia do novo coronavírus e dos empecilhos da vulnerabilidade socioeconômica encontrados nas diversas comunidades indígenas da nossa área de abrangência, muitas outras lideranças de base não tiveram a possibilidade de se fazer presente nesse momento de construção, reestruturação, avaliação e renovação da nossa Organização. 

Durante esse último ano de mandato, a partir do mês de junho desse ano de 2022, aconteceram as eleições nas microrregiões da APOINME, dos 10 (dez) estados brasileiros, os quais foram eleitas as coordenadoras do departamento de mulheres, a representação de jovens para compor o departamento de juventude e as lideranças para constituir a coordenação de microrregião. Na mesma oportunidade, se fizeram presente uma equipe da coordenação da APOINME, composta pelo jurídico, coordenação geral/executiva, equipe técnica e comunicação, para acompanhar os diálogos e supervisionar as discussões, no que diz respeito também aos tramites legais e socioculturais das eleições, em cada uma das regiões de base da APOINME.

A APOINME é a representação legítima, pela defesa e promoção dos direitos indígenas do Nordeste do Brasil, e dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. É com essa mesma legitimidade e responsabilidade que evidenciamos os interesses e anseios dos povos, que lutamos pelas reivindicações históricas de cerca de 80 povos indígenas, e que reivindicamos ao Estado brasileiro a construção de uma agenda positiva, que tenha como prioridade absoluta, e que possibilite assim a regularização dos territórios indígenas reivindicados legitimamente pelos nossos povos. 

Vivemos, lutamos e defendemos nossos territórios ancestrais a mais de 522 anos de invasão territorial. Nossos antepassados defenderam, cuidaram e nos ensinaram também a lutar e a cuidar da nossa Mãe Terra. Nossa área de abrangência foi a primeira a enfrentar o projeto colonial que expropriou e se apossou de grande parte dos nossos territórios sagrados, fazendo com que esses mesmos territórios servissem de sede para a catequização dos povos indígenas do Nordeste. Os antecessores a sofrerem uma série de violações aos direitos humanos e consuetudinários, a terem os corpos tombado frente ao projeto colonizador, a sofrerem a tentativa racista de integração dessas comunidades à sociedade não indígena e a experimentar a expropriação dos territórios indígenas, onde muitos desses são objetos de reivindicação ou áreas já devidamente retomadas e ocupadas.

Destarte, é notório que o cenário nacional em que cerca de 54% das terras indígenas no Brasil não possuem nenhum tipo de segurança jurídica e que a maioria dessas terras indígenas estão localizadas em nossa região. São nesses territórios, em que o cenário de conflitos e ameaças se dão de forma mais acentuada, que é possível analisar o resultado do processo de violações de direitos, individuais e coletivos, a partir, por exemplo, da criminalização e das ameaças às nossas lideranças, bem como das vidas dos nossos jovens indígenas que estão sendo ceifadas diariamente pela disputa territorial.

Ademais, no campo da regularização de terras indígenas, o atual governo de extrema direita, cumpriu com a promessa de não demarcar nenhuma terra indígena, destruindo a Política Indigenista brasileira, extinguindo instâncias de controle social e fragilizando todas as instituições que atuam com os nossos povos.

Dessa forma, temos consciência e convicção do importante papel desempenhado pelos povos indígenas do Brasil, em especial, os da região Nordeste e Leste, o qual exercemos com propósito principal de derrotar o projeto bolsonarista nas eleições em favor da possibilidade de um governo que atue em respeito a política indigenista, a partir de seu projeto progressista que tem como objetivo a reconstrução do nosso país e das suas instituições democráticas. Foi nessa perspectiva, que ainda na campanha eleitoral, apontamos o interesse de ajudar o presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva, a governar. Lula assumiu com os nossos povos o compromisso pela criação do Ministério dos Povos Originários e de fazer a nossa pauta avançar com a devida consulta e participação das nossas Organizações de base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil- APIB, e portanto, não podemos perder a oportunidade de incidir diretamente no próximo governo. É com essa disposição que a APOINME apresenta as seguintes reivindicações prioritárias:

  1. Retomar os processos de regularizações fundiárias das terras indígenas no Brasil, priorizando áreas emblemáticas localizadas na nossa região de abrangência, por todo o processo histórico de violações cometidas contra os nossos povos indígenas;
  2. Fortalecer a Fundação Nacional do Índio- FUNAI, por meio da ocupação dos mais de mil cargos vagos, realização de concurso público regionalizado e com reserva de vagas para indígenas, ampliação de orçamento priorizando recursos para a regularização, gestão e proteção dos nossos territórios e a regulamentação do poder de polícia para os servidores que atuam na linha de frente junto aos nossos povos e territórios;
  3. Recompor o orçamento da Política Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas, assegurando a continuidade dos serviços de saúde e saneamento em nossas comunidades, assegurando a inclusão de comunidades indígenas no  Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena – SIASI, ampliação da força de trabalho e aperfeiçoamento do controle social mais alinhado com as instâncias representativas do Movimento Indígena Brasileiro e implantação imediata da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena nos estados em que os povos ainda não são assistidos;
  4. Criar o Ministério dos Povos Indígenas com a capacidade de implementar ações finalísticas de assistência às Comunidades Indígenas para a promoção e defesa de direitos, com dotação orçamentária própria a fim de viabilizar a retomada da regularização dos territórios indígenas, constituição de um fundo destinado a regularização, gestão e proteção de nossos territórios instituindo uma Ouvidoria para denunciar violações de direitos humanos em nossas comunidades, realizando ações interministeriais, intersetoriais e interinstitucionais com a capacidade de dialogar com os nossos povos por meio da recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista- CNPI;
  5. Assegurar o cumprimento e obediência ao nosso direito a consulta prévia, livre e informada e ao consentimento ou não, quando empreendimentos de qualquer dimensão ou alguma medida administrativa ou legislativa for capaz de afetar os nossos modos de vida e os nossos territórios;
  6. Realizar o “revogaço” de todas as medidas adotadas pelo atual governo que resultou na retirada ou na violação dos nossos direitos, atuando ainda junto ao Congresso Nacional para impedir a tramitação de proposições legislativas que também tenham como objeto, a violação ou retirada dos nossos direitos;
  7. Nomear como Ministro dos Povos Indígenas o nome da liderança indígena, Ricardo Weibe Nascimento da Costa (Weibe Tapeba), conforme deliberação da X Assembleia Geral da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo – APOINME.

Ademais, daremos um recado: a APOINME é uma das maiores organizações indígenas do Brasil e da América Latina, se fazendo necessário que os espaços de discussão sejam concedidos a partir, também, da importância dessa Articulação e da magnitude das suas ações junto à suas bases. 

Finalmente, permaneceremos nas nossas bases fortalecendo as nossas comunidades indígenas e dando visibilidade as nossas lutas diárias. E, reafirmamos mais uma vez o compromisso pela defesa dos nossos direitos, anteriormente firmados pelos nossos antepassados, nossos guerreiros e guerreiras que já tombaram na luta pela vida dos povos indígenas, das nossas crianças, dos anciões, mulheres e jovens. E seguiremos vigilantes às violações de direitos humanos e consuetudinários na defesa da vida das comunidades indígenas do Leste e Nordeste, caminhando pela união dos nossos povos e do fortalecimento da nossa APOINME.

Terra demarcada, vida garantida! APOINME somos todos nós!

(Paulo Tupinikim Coordenador Geral da APOINME)